Nossas limitações

Freud disse: "A morte é o alvo de tudo que vive" e, portanto, ficar velho e cheio de rugas é o natural. É impossível ser eternamente jovem, pois a vida passa a cada segundo; em poucas horas mais um dia já se foi e que restou dele foram apenas lembranças, boas ou ruins, mas só.  

Assim, não adianta mentir ou enganar-se com toques e retoques, pois a cada instante estamos mesmo, cronologicamente, envelhecendo e isso vem ocorrendo desde o nosso nascimento. O que sempre nos restará, é viver cada dia e um futuro incerto, se houver. Com essa consciência, a virada de páginas ou fases é fundamental para que o passado se torne apenas passado e não nos machuque com as dores que já não poderão ser curadas e, por isso, devem ser deixadas em sua época. 

Outro dia li algo hilário, mas bastante realista, de um homem que disse à sua esposa: "me use, estou acabando". O mesmo ocorre com tudo o que estiver à nossa volta: estará acabando e por isso devemos viver, intensamente, todas as nossas amizades, paixões, amores e tudo o que for possível, pois também serão finitas.  

Há poucos dias, fiz uma viagem de moto de aproximadamente três mil e quinhentos quilômetros entre a ida e a volta e, anos atrás, já havia realizado outra em que, juntamente com minha esposa à época percorremos, durante vinte e oito dias, praticamente o triplo desta distância por quatro países. Entretanto, nesta, percebi nitidamente a diferença que fisicamente estes seis anos entre uma e outra me provocaram.

Fiz a primeira com uma disposição incomparável em relação a esta. Agora, ao final de cada dia, estava exausto e só queria chegar ao hotel, tomar um banho e dormir. Lembro-me perfeitamente que no último dia da primeira, percorremos duzentos quilômetros a mais que o previsto só para concluí-la, pois estávamos com disposição para tal e chegamos ainda bastante dispostos. Em uma rede social onde vinha postando fotos sobre a viagem que agora realizava, li um comentário de minha filha sobre isso, dizendo que, apesar de feliz por ver o pai fazendo o que gosta, estava com "o coração na boca".

Ela se referia ao fato de eu já haver sofrido um acidente de moto que me levou a diversas cirurgias e para a cama por dois anos. Meu filho também já fizera diversos comentários insinuando que eu certamente poderia optar por um hobby menos arriscado. E

ra o que precisava para despertar em mim uma série de questionamentos sobre aquela minha aventura. Meu tempo de viajar de moto acabara e eu não havia reconhecido isto. Estava causando preocupações em meus filhos e - tinha de reconhecer - meu corpo já não tinha a mesma destreza e disposição quanto na viagem anterior. 

Muitos dizem que moto foi feita para cair, que é perigosa e etc..., mas nada disso havia me chamado tanto a atenção como o fato de ver meus filhos preocupados com a possibilidade da repetição de algo que já havia ocorrido e que, realmente, havia sido difícil para todos nós. Pensando nisso, parei na maior cidade por onde estávamos passando e lá deixei minha moto em consignação para venda, fazendo os mil quilômetros restantes da viagem de avião.

Foi uma decisão dolorosa, triste porque gostava muito de viajar de moto, mas assim, virava uma página da vida que eu não percebera que acabara e quando se escreve sua história em uma página já finda, corre-se o risco de torná-la um rabisco incompreensível para o próprio autor. Reconhecer suas capacidades e limitações é o pré-requisito para a longevidade, a felicidade e a paz. 

João Bosco Leal*     www.joaoboscoleal.com.br*Jornalista e empresário

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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