Paraguai: Há 150 Anos - A Grande Guerra do Brasil

No Paraguai travou-se a maior guerra lutada pelo Brasil, de mais perenes desdobramentos para sua política externa. Cinco anos de luta; recursos materiais ingentes; dezenas de milhares de mortos. Uma guerra livrada pelo Estado imperial em primeira pessoa, com a colaboração marginal do Uruguai, já sob o tacão de Venancio Flores, e  aporte decrescente da Argentina unitária, ocupada em impor, a ferro e fogo, o domínio portenho semi-colonial sobre o país. Em Cinco anos de guerra civil (1865-1871), León Pomer propõe mais argentinos mortos na luta interna do que no Paraguai! [Buenos Aires: Amorrortu, 1986.]

Mário Maestri

Entretanto, a guerra do Paraguai é semi-desconhecida no Brasil e pouco abordada pela nossa historiografia tradicional. Por décadas, foi espécie de reserva de caça da historiografia fardada, sobretudo do Exército, que produziu o trabalho clássico do general Tasso Fragoso - História da Guerra entre tríplice aliança e o Paraguai [Rio de Janeiro: Imprensa do EME, 1934]. Não há obra semelhante sobre a participação da marinha imperial, de ação reticente no conflito, ainda sem explicação plausível. A historiografia tradicional manteve explicação mítico-patriótica sobre a pugna.

Em 1979, no início da "abertura", J.J. Chiavenato apresentou livro-reportagem sobre a guerra, trazendo ao Brasil, em forma pioneira e aproximativa, visões revisionistas publicadas havia anos no Prata. Em Genocídio Americano: a guerra do Paraguai [São Paulo: Brasiliense, 1979], de enorme sucesso, o jornalista abraçou teses sobre o desenvolvimento paraguaio, sobre Solano López, sobre guerra lutada por delegação da Inglaterra, etc. já superadas pela historiografia platina crítica.      

O livro ensejou modernização restauradora da historiográfica nacional-patriótica. Para ela, o ditador demonizado, aproximado faz pouco a Hitler, com sede de dominação, sem aviso, apoderara-se do navio imperial Marquês de Olinda, em 12 de novembro de 1864, e invadira o sul do Mato Grosso, Corrientes e o Rio Grande. Armado até os dentes, atacara nações semi-desarmadas, como o Brasil!  A Tríplice Aliança formara-se para combater o ditador e jamais o povo paraguaio. Proposta que contraditava com a decisão da Aliança de abocanhar enormes territórios disputados com o Paraguai e exigir indenização faraônica.

Razões do Conflito

O conflito foi deflagrado pela invasão do Uruguai pelo Império do Brasil, sem declaração de guerra, em outubro de 1864, para manter direitos semi-coloniais impostos quando de invasão anterior, em 1851! Agressão exigida pelos estancieiros sulinos, general Netto à cabeça, que mantinham a escravidão no norte do Uruguai que dominavam, apesar de abolida naquele país em 1842-46!

O domínio de Montevideo, pelo Brasil, e de Buenos Aires, pelos unitários argentinos, deixaria o Paraguai sem saída ao mar, à mercê das exigências leoninas do Império e da Argentina unitária. Desde 1810, Buenos Aires sonhava em reduzir o Paraguai à província argentina. Apesar de propor guerra apenas ao tirano horrível, o Império do Brasil saqueou Asunción, em 5 de janeiro de 1869, e manteve a ocupação militar do país, de 1869 a 1876. Por décadas, a ingerência brasileira nos assuntos paraguaios apoiou-se na ameaça de represália ao não pagamento da dívida de guerra.

A historiografia tradicional brasileira limitou-se sobretudo à descrição dos combates, encobrindo sua ignorância da sociedade paraguaia com mitos ainda vigentes - fanatismo paraguaio; país semi-bárbaro, sem cidadania, forte população indígena, etc. Paradoxo compartilhado por estudos mais recentes que, no máximo, lembram retoricamente a necessidade de conhecer aquela realidade. Segue-se discutindo a guerra a país fantasmagórico. Daí o uso abusivo de "guarani" como sinônimo de "paraguaio": "nação guarani", "exército guarani", etc.

Entretanto, a formação social paraguaia parece ser a chave para a compreensão de fenômenos cruciais como a dificuldade aliancista de vencer a pequena nação, de população e exércitos limitados. Em 1864, o Paraguai era o único Estado-nação sul-americano, assentado sobre vasta população camponesa, de raízes hispano-guaranis. Nacionalidade consolidada durante a longa ordem democrático-popular de José Gaspar de Francia [1813-1840].

Uma Guerra Platina

Ultimamente, tem-se produzido valiosos estudos temáticos sobre a guerra, no geral restritos ao Brasil e despreocupados com a apreensão essencial do conflito - o arrolamento; a logística; os jornais; as condições sanitárias, etc. Entre eles, destaca-se a retomada da tese do general Werneck Sodré, em História militar do Brasil [Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1965], da formação no Paraguai de exército imperial s democrático, popular e inter-classista, protagonista na Abolição e República. No entanto, está se comprovando o tratamento oligárquico e despótico tradicional dos praças de pré do exército e da armada, durante e após o conflito.

Impõem-se estudos que integrem a resistência nacional, no Uruguai, e federalista, na Argentina, como partes essenciais de conflito visto como mera luta contra o Paraguai. Uma nova visão que elucide o papel do campesinato paraguaio na guerra, reticente quando das expedições além-fronteiras, incondicional na defesa do território nacional e das conquistas consolidadas na era francista. Envolvimento que reduzirá o protagonismo dos fatos pelo mariscal López.

Sem estudo das razões profundas desses sucessos, ficaremos eternamente impossibilitados até mesmo de compreender a dificuldade dos aliancistas de vencer nação de população inferior às tropas da Guarda Nacional do Império, em 1864!

 

* Mario Maestri é professor do PPGH-UPF. É autor de: A guerra no Papel: historia e historiografia da guerra contra o Paraguai [2013] e Paraguai: a República camponesa [1810-1865] [Porto Alegre: FCM, 2013 e 2014]. [https://clubedeautores.com.br.] - publicado originalmente no Caderno de Sábado do Correio do Povo, POA, 6 de 12 de 2015.

 

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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