Litvinenko: As perguntas

Lamentavelmente, Aleksandr Litvinenko morreu ontem a noite em Londres. Lamentavelmente, o tratamento na imprensa ocidental desde o início do caso providencia um exemplo previsível e chocante da Russofobia praticado e perpetrado por aqueles que gostam de reviver o mito da Guerra Fria, esquecendo que quando precisavam da Rússia em duas guerras, a mesma deu as vidas de 32.350.000 dos seus filhos. Falando de Londres, por quê é que o terrorista Zakaev anda por lá livre enquanto os pais de Beslan choram pelas suas crianças?

A Rússia derramou o seu sangue para quê? Para merecer um constante bombardeamento de historias anti-russas, criando a entidade “eles” para justificar o “nós”. Por velho e gasto que seja a história “Russos comem crianças” ou “Há russos debaixo da sua cama”, continua a funcionar para populações incultas e ingénuas que gostam do tipo de história “Três-Mamas-Matilde, que espanca o Ministro” antes de passar a noite a rir histericamente ao som de arrotos nos Simpsons.

E a reacção à crise de saúde do ex-coronel da FSB, Aleksandr Litvinenko, é um caso clássico de histeria anti-russa. Esse senhor fugiu da Rússia por alguma razão. Comprometeu seus próprios compatriotas por revelar matéria sensível, tão sensível que as autoridades dos EUA tinham pedido aos colegas do Reino Unido, onde Litvinenko decidiu esconder-se (juntamente com Zakaev e um ror de criminosos e mafiosos traidores da Rússia) dados sobre o tipo de material revelado.

As acusações

E o que acontece? As autoridades da Rússia, país que sofreu 9,15 milhões de baixas na Primeira Grande Guerra e 23.200.000 dos seus filhos e filhas na Grande Guerra Patriótica (Segunda Guerra Mundial), país que salvou a Europa de Hitler, são acusadas sem uma sobra de provas.

E acusadas como? Primeiro, disseram que Litvinenko foi “deliberadamente” envenenado com Tálio, nas palavras do Professor John Henry, que “não tinha dúvida” que este metal pesado e tóxico foi administrado cerca do dia 1 de Novembro. Estranho, especialmente porque os efeitos de Tálio levam entre 12 e 48 horas a aparecer. Litvinenko ficou doente não dois dias, mas duas semanas, depois.

Pouco depois, disse o mesmo Professor que havia “sintomas adicionais” e que “uma substância que não seja Tálio está envolvida”, citando três opções: Tálio mais uma substância cito-tóxica, Tálio mais um composto radioactivo ou Tálio radioactivo.

Entretanto o consultor da University College Hospital (UCH), Dr. Amit Nathwani, dizia que “Litvinenko poderá não ter sido envenenado com Tálio” porque os sintomas eram “improváveis” a terem sido provocados por esse metal. Quanto a Tálio radioactivo, “nem todos os seus sinais e sintomas estão consistentes com a toxicidade radioactiva” na opinião do porta-voz da UCH. Geoff Belligan, director da Unidade de Cuidados Intensivos agora vem dizer que intoxicação com Tálio é “pouco provável” e que está “preocupado com a especulação dos média”.

O motivo

Litvinenko, convidado a um evento num bar de Londres, tinha afirmado de viva voz, e em russo, que Presidente Vladimir Putin era responsável pela morte de Anna Politkovskaya, tal como a imprensa ocidental agora acusa o Kremlin de estar envolvido na morte dele. Como os outros no bar de Londres, estava a milhares de quilómetros da Rússia, milhares de quilómetros de Grozny, Chechénia, em cujas autoridades locais e seus negócios ilícitos, Politkovskaya se tinha interessado.

Os que conhecem a situação na Chechénia, e infelizmente isso não inclui, aparentemente, qualquer fonte de notícias ocidental, os que metem os dedos no tráfico de drogas, no tráfico de armas, no tráfico de seres humanos (é essa a questão chechena) fica com os dedos queimados. Litvinenko era amigo da Politkovskaya, com o adendo importante que conhecia detalhes acerca de agentes secretos estrangeiros.

As peças do puzzle não presentes nesta história são que Litvinenko tinha sido pago por Boris Berezovsky há uma década, esse Berezovsky que se projectou ao estatuto de bilionário na Rússia de Eltsin e que fugiu para Londres em 2000, ganhando o asilo político em 2003.

O outro lado da moeda

Se Berezovsky tem os seus inimigos (tem havido numerosos tentativas na vida dele desde 1994, anos antes do Vladimir Putin estar numa posição de poder) então Litvinenko tinha mais. Quão sensível era o material ao qual ele tinha acesso? Quanto ele sabia acerca dos movimentos dos agentes secretos britânicos ou norte-americanos? Quem poderia incriminar? Por quê é que as autoridades dos Estados Unidos demonstraram tanto interesse no tipo de material que ele tinha? Por quê é que alguém empurrou um carrinho de bebé cheio de explosivos contra a porta da sua casa em Julho? Isso parece o modus operandi de uma operação do FSB? Por quê é que ninguém fala na possibilidade de Litvinenko ser vítima do sindroma Landry-Guillian-Barre que pode ser causado por via genética ou viral e que cria o mesmo tipo de sintomas que intoxicação por Tálio? Mais: para formar uma acusação, tem de haver provas e onde estão as provas da ligação do Kremlin com qualquer destes casos? Sendo a resposta “não há”, o Kremlin teria o direito de processar todos os órgãos de (des)informação por difamação e injúrias.

Já agora, e Zakaev?

E falando de Londres e Rússia e terrorismo e crime, com que então aquele terrorista checheno Akhmed Zakaev, acusado de crimes de terrorismo na Federação Russa e sujeito de várias tentativas de extradição, recusadas por Londres, onde tem asilo político? Londres, ameaçado por ataques terroristas, mas que abriga o homem acusado de ataques horríveis contra soldados e civis russos entre 1996 e 1999 e no incidente com os reféns no teatro em Moscovo em 2002.

Ninguém deve regozijar acerca da morte de qualquer ser humano. Mas culpar o Presidente da Federação Russa é tão risível como culpar as fadas no fundo do jardim. Porém, o quê esperar daqueles que afirmaram que Saddam tinha Armas de Destruição Massiva e que passaram anos a mentir antes de usarem equipamento militar contra objectivos civis no acto da destruição do Iraque?

Timothy BANCROFT-HINCHEY

PRAVDA.Ru

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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