Moita: Bloco intima Câmara Municipal a alargar prazo de discussão do PDM

O Bloco de Esquerda entregou ontem, dia 30 de Setembro, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, um pedido de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias dirigido contra a Câmara Municipal da Moita. Com esta acção, o Bloco pretende obrigar o executivo camarário a alargar o prazo de discussão pública do projecto de revisão do Plano Director Municipal da Moita de 2 de Setembro até ao início do mês de Outubro.

Esta iniciativa pretende salvaguardar o direito, constitucionalmente garantido, de participação dos cidadãos na elaboração de instrumentos de gestão territorial. Recorde-se que a Concelhia do Bloco de Esquerda da Moita entregou, no dia 25 de Julho, ao Presidente da Câmara da Moita, um pedido para que este alargasse o prazo de discussão pública do PDM, evitando assim que esse período coincidisse apenas com o mês de Agosto – a principal época de férias dos portugueses. Como tal pedido não obteve resposta por parte do executivo camarário, o Bloco de Esquerda recorreu aos meios legais com o intuito de proteger a participação dos cidadãos do concelho da Moita na elaboração de um documento vital para a defesa da qualidade de vida e do ambiente do concelho.

Meritíssimo Senhor Dr. Juiz de Direito do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada

Núcleo do Bloco de Esquerda do concelho da Moita e os seus aderentes, com sede na Rua 5 de Outubro, n.º 48 – 2860 Alhos Vedros, vem, ao abrigo do disposto nos artigos 109º e segs. do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro, com as alterações que lhe foram introduzidas pela Lei n.º 4-A/2003, de 19 de Fevereiro, REQUERER A INTIMAÇÃO DA CÂMARA MUNICIPAL DA MOITA, sita na Praça da República – 2864-007 Moita, para prestação de uma conduta positiva para defesa dos direitos liberdades e garantias dos cidadãos residentes no concelho da Moita, com os termos e fundamentos seguintes:

1º A Câmara Municipal da Moita, adiante designada por Requerida, por deliberação tomada em reunião pública desta entidade no dia 9 de Maio de 2005, abriu o obrigatório período de discussão pública do projecto de revisão do Plano Director Municipal, fixando o mesmo no período de 44 dias úteis, conforme anúncio n.º 28/2005, publicado no DR II Série, de 17 de Junho, que se junta como doc. 1.

2º Conforme decorre do anúncio junto como doc. 1., a Requerida fixou 5 sessões públicas de divulgação e esclarecimento sobre o projecto de revisão do Plano Director Municipal da Moita em todas as freguesias do concelho e convidou os interessados a apresentar reclamação, observação, sugestões ou pedidos de esclarecimento sobre tal projecto de revisão, indicando para tal os locais e formas como os munícipes deste concelho devem proceder.

3º O Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de Setembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 53/2000, de 7 de Abril e pelo Decreto-Lei n.º 310/2003, de 10 de Dezembro, que desenvolve as bases da política de ordenamento do território e de urbanismo, define o regime de coordenação dos âmbitos nacional, regional e municipal do sistema de gestão territorial, o regime geral de uso do solo e o regime de elaboração, aprovação, execução e avaliação dos instrumentos de gestão territorial, estabelece o direito à informação dos interessados, o direito de participação, as garantias dos particulares e a participação dos mesmos na elaboração dos planos municipais de ordenamento do território.

4º A Constituição da República Portuguesa garante no n.º 5 do artigo 65º o direito de participação dos interessados na elaboração dos instrumentos de planeamento urbanístico e de quaisquer outros instrumentos de planeamento físico de território, bem como assegura, no artigo 66º, o direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender.

5º O Plano Director Municipal estabelece o modelo de estrutura espacial do território municipal, constituindo uma síntese da estratégia de desenvolvimento e ordenamento local prosseguida, integrando as opções de âmbito nacional e regional com incidência na respectiva área de intervenção, assentando o modelo de estrutura espacial na classificação do solo e desenvolvendo-se através da qualificação do mesmo.

6º O diploma legal referido em 3º, no n.º 5 do artigo 77º, estatui como período mínimo de discussão pública para o Plano Director Municipal o prazo de 44 dias úteis.

7º A Requerida fixou como período obrigatório de discussão pública do projecto de revisão do Plano Director Municipal da Moita (PRPDMM) o mínimo previsto na lei.

8º Os 44 dias úteis de consulta pública do PRPDMM terminam no dia 2 de Setembro de 2005.

9º O obrigatório período de discussão pública do PRPDMM, único momento previsto para a participação dos interessados antes da aprovação do documento pela Requerida, coincide com os meses de Julho e Agosto.

10º Os meses de Julho e Agosto, como é facto público e notório, é o período que a esmagadora maioria dos portugueses elegem para passar as suas férias em local diferente da sua residência habitual.

11º Os meses de Julho e Agosto, como também é facto público e notório, é o período em que se registam maiores deslocações de pessoas dentro do território nacional.

12º Os cidadãos residentes no concelho da Moita em nada diferem, no que a este aspecto concerne, dos restantes cidadãos portugueses.

13º O período que medeia entre os meses de Julho e Agosto é evitado pelos poderes públicos que compõem o Estado português para realizar quaisquer actos que contendam com a participação dos cidadãos pelo efeito abstencionista que é inerente a tal período do ano.

14º Exemplo do efeito abstencionista que os meses de Julho e Agosto imediatamente comportam, como também é público e notório, é a decisão do Presidente da República de não convocar o referendo para a descriminalização da interrupção voluntária da gravidez porque entendeu “não estarem asseguradas as condições mínimas adequadas a uma participação significativa dos portugueses", escreveu o chefe de Estado numa mensagem enviada ao Parlamento, no dia 2 de Maio de 2005.

15º O Presidente da República reconheceu que a oportunidade da realização de um novo referendo ao aborto "é hoje partilhada por um conjunto de forças políticas representadas" na Assembleia da República. Assim, entendeu que a sua decisão não deve ser encarada como uma "rejeição política" da proposta, pois "Face aos prazos e limites em vigor no actual quadro jurídico", justifica o Presidente da República, a consulta popular "teria de ser obrigatoriamente convocado para um domingo no próximo mês de Julho", isto é, "numa altura em que muitos portugueses já se encontram de férias".

16º A Requerida, apesar de fixar para o obrigatório período de discussão pública do PRPDMM o período mínimo previsto na lei e esse período se situar numa época em que se prevê que a possibilidade de participação dos cidadãos resulta bastante diminuída, nada fez para que os cidadãos interessados tenham conhecimento da possibilidade de participação na elaboração do PRPDMM, v.g. utilizando cartazes, vulgo “outdoors”, anúncios nas rádios e nas publicações locais e disponibilização dos documentos através de recursos a meios informáticos, limitando-se a fazer o mínimo que a lei exige, i.e., a divulgação num jornal local do anúncio publicado no Diário da República e a afixação do mesmo nos locais de estilo.

17º Mais: a Requerida, apesar de, pela voz do seu Presidente, reconhecer que o período de discussão pública do PRPDMM “não é o ideal”, desrespeita o disposto no n.º 3 do artigo 5º do diploma legal referido em 3º, que diz que as “entidades responsáveis pela elaboração e pelo registo de instrumentos de gestão territorial devem criar e manter actualizado um sistema que assegure o exercício do direito à informação, designadamente através do recurso a meios informáticos”.

18º O Plano Director Municipal (PDM) é um instrumento jurídico, com valor regulamentar, que vincula por completo a actuação dos particulares e das autarquias locais na forma como utilizam o solo.

19º O PDM é um instrumento vital na gestão de uma autarquia local, pois ao prever o regime de utilização dos solos, a sua possibilidade de loteamento e edificação, a sua elaboração contende com poderosos interesses económicos, tendo, a aprovação de tal documento, reflexos directos e imediatos na qualidade de vida e no ambiente de milhares de cidadãos e conforma a actuação de todos os executivos camarários.

20º Como é facto público e notório, o Presidente da República decretou a realização de eleições autárquicas para o dia 9 de Outubro de 2005.

21º A Requerida, ao fixar o período de discussão pública do PRPDMM no mínimo imposto por lei, pretende, manifestamente, aprovar tal projecto antes da realização das eleições autárquicas.

22º A aprovação de um documento vital para a gestão da autarquia condicionará, necessariamente, a actuação de executivo camarário que resultar das eleições democráticas, coarctando opções políticas que o povo poderá eleger como maioritárias, ou, seguramente, adiará o cumprimento dessas mesmas opções políticas com manifesto prejuízo para os munícipes e para o cofre da autarquia.

23º O Requerente, no dia 25 de Julho, entregou em mão ao Presidente da Requerida o documento que se junta como doc. 2. e se tem por integralmente reproduzido.

24º Neste documento, o Requerente solicita ao Presidente da Requerida que “seja prolongada a discussão efectiva do PDM da Moita para o período pós eleitoral de forma a permitir um maior esclarecimento sobre os diversos aspectos inerentes ao desenvolvimento do nosso Concelho. Que seja aproveitado esse período para uma campanha de divulgação, esclarecimento e sensibilização junto das associações, escolas, empresas para que haja uma maior participação da população na vida do nosso concelho”. Solicita-se ainda que “para que essa discussão seja efectiva e que envolva um maior número de munícipes que os órgãos autárquicos editem um boletim municipal extra, distribuído à população e exclusivamente dedicado à discussão do PDM, para que a maioria da população possa tomar conhecimento daquele dossier de extrema importância para o futuro do Concelho”.

25º Até a este momento, tal solicitação ainda não obteve qualquer tipo de resposta por parte da Requerida.

Conclusões

1- A omissão de resposta por parte da Requerida ao pedido do Requerente, a escolha do prazo mínimo imposto por lei para a discussão pública do PRPDMM, o facto deste período coincidir com os meses de Julho e Agosto, a falta de cumprimento do disposto no n.º 3 do artigo 5º do diploma legal referido em 3º e a falta de qualquer tipo de divulgação do PRPDMM, para além do mínimo imposto por lei, junto da população num período de férias generalizado, consubstancia a violação do direito à participação dos interessados na elaboração dos instrumentos de planeamento urbanístico e de quaisquer outros instrumentos de planeamento físico de território.

2- O direito à informação dos interessados, o direito de participação, as garantias dos particulares e a participação dos mesmos na elaboração dos planos municipais de ordenamento do território, legal e constitucionalmente garantidos, são objectivamente defraudados pela escolha consciente por parte da Requerida.

3- O direito à qualidade de vida e ao ambiente, à defesa do mesmo, confere aos cidadãos o direito inalienável de participação na elaboração dos instrumentos de gestão territorial e constitui e direito fundamental dos mesmos, sendo que o acto praticado pela Requerente, estabelecendo o período de discussão pública de um documento vital para a qualidade de vida e do ambiente para uma época de férias e de ausência da residência habitual da generalidade dos cidadãos do concelho da Moita, constitui uma violação do conteúdo essencial desse direito fundamental.

4- “São nulos os actos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental (artigo 133º, nº 2, alínea d), do Código de Procedimento Administrativo). II – Estão dentro da previsão da norma referida em I a violação dos direitos, liberdades e garantias do Título II da Parte I da Constituição, bem como os direitos de carácter análogo àqueles espalhados pela Constituição ("direitos fora do catálogo"), ou mesmo que se encontrem fora da Constituição, com assento em norma de direito internacional (ou comunitário) ou em lei ordinária (artigo 16º, nº 1, da Constituição), como é o caso dos direitos especiais de personalidade consagrados no Código Civil, tais como o direito ao nome (artigo 72º), o direito à reparação dos danos em geral (artigo 483º) e o direito à audiência.III – Poderão estar dentro de igual previsão a violação dos direitos económicos, sociais e culturais do Título III da mesma Lei Fundamental e os respectivos direitos análogos, entre os quais se contando os direitos ao ambiente e à qualidade de vida (artigo 66º da Constituição), por força do seu artigo 16º, nº 1, desde que tenham sido objecto de concretização legislativa e os actos que violem tais direitos afectem o seu "conteúdo essencial" ou o seu "núcleo duro"”, cfr. Ac. STA de 26 de Outubro de 2000 (R. 46321).

5- A escolha consciente por parte da Requerida, ao determinar que o período de discussão pública do PRPDMM coincida com um período onde a abstenção de participação por parte da população cresce exponencialmente configura a violação da princípio da boa fé, previsto no artigo 6º-A do Código de Procedimento Administrativo e que obriga a Administração, no exercício da actividade administrativa e em todas as suas formas e fases a agir e a relacionar-se com os particulares segundo as regras da boa fé, devendo, para tal, ponderar-se os valores fundamentais do direito, relevantes em face das situações consideradas, em especial, a confiança suscitada na contraparte pela actuação em causa e o objectivo a alcançar com a actuação empreendida.

6- Sendo que, como em todos as entidades que compõem a Administração Pública, os particulares têm que presumir que a mesma age de acordo com a lei e os princípios que a ela estão subjacentes, designadamente, o fim para o qual foi conferido tal direito, constituindo, por isso, a escolha consciente do período de discussão pública do PRPDMM por parte da Requerida, uma manifesta violação do conteúdo essencial do direito de participação dos particulares que deveria ser o objectivo a alcançar com a actuação empreendida.

7- “O princípio da boa-fé é acolhido expressamente no artigo 6º/A, do C.P.A. e concretiza-se através de dois princípios básicos: I) tutela da confiança legitima e II) materialidade subjacente. A tutela da confiança assenta por seu turno nos seguintes pressupostos: boa-fé ou ética do lesado; elementos objectivos capazes de provocarem uma crença plausível; desenvolvimento de actividades jurídicas assentes sobre a crença consubstanciada; existência de um autor a quem se deva a entrega confiante do tutelado. O princípio da materialidade subjacente requer que o exercício de posições jurídicas se processe em termos de verdade material, impondo-se uma ponderação substancial dos valores em jogo”, cfr. Ac. STA de 6 de Maio de 2003 (R. 46188).

8- A aprovação de um documento com a importância de um Plano Director Municipal condiciona, necessariamente, a actuação de qualquer executivo camarário que venha a ser eleito nas próximas eleições, conformando o mesmo nas suas actuações e no cumprimento das opções políticas sufragadas para o concelho, acarretando uma maior delonga no cumprimento dessas opções com directas implicações para a qualidade de vida dos munícipes e para o erário da própria autarquia.

Pelo exposto, requer-se, muito respeitosamente, ao abrigo do disposto no artigo 109º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar, e tendo a finalidade de assegurar o núcleo essencial do direito de participação dos interessados na elaboração dos instrumentos de planeamento urbanístico, no caso vertente, no Projecto de Revisão do Plano Director Municipal da Moita, bem como o direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender por parte dos cidadãos do concelho da Moita, que intime a Requerida a praticar os seguinte actos:

a) Alargamento do período de discussão pública do Projecto de Revisão do Plano Director Municipal da Moita para o dobro do prazo inicialmente previsto;

b) Edição de um Boletim Municipal Extra contendo toda a informação sobre o projecto de revisão do Plano Director Municipal;

c) Colocação de cartazes 8x3m nas principais vias públicas do concelho da Moita com a exclusiva finalidade de divulgar o projecto de revisão do Plano Director Municipal e apelando à participação dos cidadãos na sua elaboração;

d) Publicação de anúncios nos jornais locais de maior tiragem e difusão de mensagens nas rádios locais, informando os munícipes para as alterações constantes no o projecto de revisão do Plano Director Municipal;

e) Disponibilizar todos os documentos constantes do projecto de revisão do Plano Director Municipal da Moita através dos meios informáticos disponíveis, designadamente, da Internet.

Mais se requer, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 109º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, que, desde já, emita sentença que produza os efeitos do requerido na alínea a), alargando o prazo de discussão pública do Projecto de Revisão do Plano Director Municipal da Moita para 88 dias úteis.

Requer-se ainda, dada a situação de especial urgência e a possibilidade de lesão iminente e irreversível do direito que “in casu” se verifica que aplique o disposto no artigo 111º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

Junta: Dois documentos, procuração forense e cópia em formato digital.

Testemunhas:

- Joaquim Raminhos, a notificar na sede do Requerente; - António Ricardo Lourenço Rocha, a notificar na sede do Requerente.

P. E. D.

O Advogado com procuração junta aos autos,

Bruno Patrício Pereira. Rua Amato Lusitano, 56 – 1º 6000-150 Castelo Branco. Cédula Profissional n.º 18272 Contribuinte Fiscal n.º 211886998

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