Quando a falta de bom senso fala mais alto

Por Gustavo Barreto, editor Consciência.Net, 26/3/2006

O programa de Luciano Huck (“Caldeirão”), exibido no começo das tardes de sábado na Rede Globo – maior emissora privada do Brasil -, possui um quadro em que uma pessoa de baixa renda (em geral negra) relata suas dificuldades financeiras e passa por uma “prova” – jogar dardos e fazer pontos –, de forma a conseguir o dinheiro que tanto necessita. Neste sábado (25/3), uma mulher de 33 anos, desempregada, negra e moradora de Honório Gurgel (periferia do Rio de Janeiro), é a “contemplada”. Ela afirmou com toda a sinceridade que estava lá pelos filhos.

Com isso, a Globo nutre uma falsa esperança de que é possível ganhar prêmios de forma mirabolante e – pior – humilha uma trabalhadora que, por amor aos filhos, se desespera e faz qualquer coisa – até mesmo jogar dardos por dinheiro, ao vivo, para milhões de brasileiros. É o desemprego estrutural, um problema cuja solução é – pelo menos para os astutos produtores do programa de Huck – tentar reafirmar que uma classe poderosa, detentora de grande poder, é “amável” o suficiente para doar migalhas para alguns dos pobres coitados da plebe e, ainda por cima, achar que está fazendo caridade.

Prisioneiros da ilusão

O comportamento da elite ante a “classe inferior” já passou por muitas mudanças históricas. Com o fim do escravismo legal, por exemplo, os fazendeiros paulistas tiveram de passar por um processo de adaptação ao trabalhador livre. A História do século XX nos ensina que muitos trabalhadores “assalariados” sofreram maus-tratos e raramente viam a cor do dinheiro. O pagamento ao qual tinham direito não passava, por vezes, de uma quantia hipotética, representada por vales - um valor descontado pelas compras que eram obrigados a fazer nos armazéns das fazendas. Muitos imigrantes – trazidos de países como Itália, Japão etc – se endividavam para obter gêneros de primeira necessidade e viam-se obrigados a permanecer na fazenda até saldarem suas dívidas.

Nos tempos atuais, a “prisão” é quase que inteiramente simbólica. Acorrentados na ilusão dos “prêmios” – que, no caso de algumas “caridosas” transnacionais de alimentos, são tirados da própria produção, tal como nos armazéns das fazendas -, milhares de pessoas que continuam a enviar cartas para tais programas e apostar semanalmente em lotéricas se configuram como nossos escravos modernos.

------------------------------------------ Gustavo Barreto é editor da Revista Consciência.Net e colabora com meios como Fazendo Media (editoria de Internacional), Revista Viração e Núcleo Piratininga de Comunicação. Integrante do Movimento Humanista.

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