Armadilha ucraniana para a velha Europa

Entretanto, respeitáveis organizações europeias têm opinião distinta. Digamos, a "British Helsinki Human Rights Group" cujos observadores assistiram de facto à votação e estiveram de corpo presente em mesas de voto ucranianas afirma: as eleições eram correctas e justas. Acaso algum europeu sabe das conclusões do Grupo Britânico de Helsínquia? Agora toda a informação referente ao tema ucraniano é tão cuidadosamente peneirada a favor de Viktor Yuschenko que não deixa a mínima margem para a contrária que é imediatamente descartada.

Hipnotizada com o posicionamento intransigente dos EUA, a Europa passou a desacreditar os defensores imparciais dos direitos humanos dando mais fé a aqueles observadores da União Europeia e da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) que ainda há pouco ficaram encantados com o "carácter democrático" das eleições no Afeganistão e no Kosovo, ainda que a vontade de muitos afegãos e de cerca de 300 mil sérvios kosovares desalojados da sua província nativa tivesse ficado fora das parêntesis.

Na Rússia são poucos que duvidam que as reclamações do Ocidente a respeito das eleições na Ucrânia são formuladas a partir da política de "critérios duplos". Mesmo assim, a elite política russa não quer atirar-se contra todo o Ocidente no seu novo ataque de russofobia. O Ocidente é bastante heterogéneo, opinam em Moscovo. Os políticos russos referem ao mundo ocidental benévolo mesmo aqueles politólogos e analistas para os quais a "guerra fria" era sinónimo da luta contra o comunismo mundial, a luta pela democracia em lato senso. Estas forças intervêm hoje como aliados da Rússia, pois esta última foi, no final das contas, a maior vítima do regime comunista e que fez soberanamente a opção democrática.

A verdade é que nos Estados Unidos e na Europa sobrevivem as forças que consideram a "guerra fria" como uma contraposição eterna entre o Ocidente e a Rússia. Para estes ideólogos, depois do desmoronamento da União Soviética, a Rússia restabelece-se como potência autoritária e contrária à civilização ocidental. Segue dai a sua conclusão peremptória: há que arrancar da sua influência os países que permanecem na sua órbita geopolítica. Quer dizer, criar no espaço pós-soviético, à volta da Rússia um cordão sanitário. Neste jogo as forças neoconservadoras do Ocidente apostam em novos territórios e mercados para lançar produções, para estender o controlo político e militar. Neste sentido uma das últimas acções foi aproveitar com agilidade o descontentamento de certos segmentos populacionais ucranianos com o regime do Presidente Leonid Kutchma a fim de distanciar a Ucrânia da Rússia sob o pretexto das eleições presidenciais ilegítimas.

Para alcançar esta meta, os meios foram escolhidos há muito. Como mostra a experiência, o espaço pós-soviético é muito vulnerável à deformação através da tecnologia de anarquia nas ruas. E é quase inútil convencer hoje alguém de que as manifestações da oposição ucraniana constituem um projecto bem ideado, confeccionado e financiado de fora. A remuneração aos chefes dos destacamentos estudantis, as diárias para os manifestantes, fogões improvisados que preparam a comida quente, montagem de 1.200 tendas a 200 dólares cada, enormes écrãs de plasma, poupa e calçado de Inverno: tudo isso é distribuído grátis. E conforme estimativas do "Guardian" londrina, custa 15 milhões de dólares por cada dia que passa. Desde que o respeitável jornal do principal aliado dos Estados Unidos, que é a Grã-Bretanha, fala disso e faz estes cálculos, já lá se sabe quem são os instigadores e financistas dos distúrbios. Tanto mais que a nenhum espectador dos acontecimentos ucranianos não escapa a semelhança destas cenas a aquelas que haviam sido transmitidas da Jugoslávia, da Geórgia, da Bielorrússia. Em todos os casos anteriores e presentes o cenário da conquista do poder foi escrito como que a papel químico. Será que deste modo se pretende dar a entender aos habitantes do espaço pós-soviético que todos os assuntos sérios - quer políticos, quer eleitorais, quer constitucionais - se pode resolver com a euforia da multidão?

O primeiro cenário foi posto à prova em 2000 na Jugoslávia tendo sido mobilizados para o efeito um exército de tecnólogos políticos, consultores versados na manipulação da opinião social, diplomatas, partidos e organizações sociais locais - todos coordenados e manipulados pelo então Embaixador dos EUA em Belgrado, Richard Miles. No ano passado, já na qualidade de embaixador norte-americano na Geórgia, este mesmo alto diplomata pôs em uso o mesmo padrão tendo ensinado a Mikhail Saakashvili como derrubar Eduard Chevardnadze. Mais tarde, o Embaixador dos EUA na Bielorrússia Michael Kozak, outro mestre diplomático em confeccionar e efectuar semelhantes estratagemas e desígnios, montou uma campanha parecida com o intuito de derrubar o regime de Aleksandr Lukachenko. A tentativa foi por água abaixo, muito porque o estadista bielorrusso não tem escrúpulos e delicadezas em tratar as forças oposicionistas.

Importa ressaltar aqui que em todos os países referidos e igualmente na Ucrânia o papel de força de choque foi atribuído aos estudantes. A única diferença era nos nomes das organizações juvenis, a saber: na Jugoslávia - o movimento "Otpor" (Resistência), na Geórgia - o "Kmara", na Bielorrússia - o "Zubr" (Bizonte) e agora na Ucrânia - "Pora" (Chegou a hora!). O que une todas essas organizações estudantis é que foram formadas e constituídas com dinheiro dos "patrocinadores" ocidentais. Eram os mesmos instrutores e agentes que ensinavam-lhes como dirigir e manipular a multidão, como assaltar e assediar os edifícios e sedes dos órgãos neurálgicos de direcção, como construir as barricadas, entre outras coisas.

Sucede que estas arruaças pouco parecem às manifestações do povo em sua forma pura. Nestes casos o povo é convidado por organizadores destas acções só na qualidade de figurante na encenação da revolução. Impõe-se dai uma conclusão: os "tecnólogos" políticos ocidentais propõem-se fazer da insubordinação civil um método para alcançar a vitória nas eleições alheias, eleições estrangeiras.

Ao menos, é assim como se vê o assunto desde a Rússia. Também me faz pensar aquela armadilha que a Ucrânia preparou para a Velha Europa. Ninguém vai contestar o facto de os Estados Unidos terem bastante preocupação de que a União Europeia possa acabar com o controlo norte-americano. Só basta recordar os tempos recentes quando a França e Alemanha brigaram com os americanos por causa do Iraque. Exacerbadas divergências entre Washington e Bruxelas tomaram vulto por causa da formação da política militar única e coordenada da União Europeia. A administração norte-americana é bastante preocupada com o status em decadência da NATO enquanto veículo principal da política americana na Europa e não querendo perder o controlo sobre o espaço europeu, está pronta a fazer tudo para prevenir tal evolução.

E agora vejamos um plano que na realidade não parece tão hipotético como à primeira vista. Que tal que a ideia central que Washington está realizando na fumaça da crise ucraniana não se resume apenas a separar a Ucrânia da Rússia, mas sim tem em vista juntar pelo menos a parte ocidental da Ucrânia à Polónia e, talvez, à Lituânia fazendo assim ressurgir uma nova edição da Rzecz Pospolita no território formado e com a população de cerca de 90 milhões de habitantes?

Desta maneira Washington poderia elevar o status da Polónia como aliado Nº1 dos Estados Unidos entre novos associados da União Europeia. Ou seja, igualar a Polónia à França e à Alemanha com vista a impossibilitar a Paris e a Berlim a realização duma política externa concordada da União Europeia. Tanto mais que as aspirações da Polónia a ser representante de destaque dos países da Europa Central e do Leste já transparecem no comportamento ambicioso da Varsóvia. Este comportamento já se fez patente nos debates em torno dos termos de ampliação da UE e da Constituição da União Europeia, quando a Polónia interveio como principal perturbador da tranquilidade.

Em outras palavras, o estratagema de Washington consiste, provavelmente, em dividir a União Europeia em Velha Europa e Nova Europa atribuindo à Polónia a liderança nesta última. Parece que para os EUA um dos meios para alcançar este desígnio é entregar à Polónia a Ucrânia como um protectorado.

É também digno de atenção ver quem é que se apresenta como teórico principal da cisão da Ucrânia da Rússia. É esse mesmo Zbignew Brzezinsky, ex-assessor do Presidente dos EUA para a segurança nacional. E quem assumiu a função do organizador do movimento juvenil ucraniano "Pora"? É um tal Adrian Karatnycky, amigo e discípulo de Zbignew Brzezinsky que dirige a estrutura oficiosa americana "Freedom House". Vê-se logo que os encenadores dos acontecimentos na Ucrânia são da diáspora polaca dos Estados Unidos.

Neste sentido o projecto de impor Viktor Yuschenko como Presidente tem forte cheiro do tandem americano-polaco e parece muito ser uma cilada para a Velha Europa. Este projecto está virado tanto contra a Rússia, como também contra a França e Alemanha. Ajudando a entronização de Viktor Yuschenko os franceses e alemães preparam para si um problema sério no seio da União Europeia, sem sequer suspeitar esse perigo.

Vladimir Simonov observador político RIA "Novosti"

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