Diplomacia a preto e branco

Esta administração norte-americana, que acaba de cometer crimes de guerra no Iraque, tem uma visão a preto e branco da situação internacional, uma posição simplista talhada para as mentes dos cidadãos dos EUA, os votantes que irão escolher a próxima administração, que por sua vez irá garantir 4 anos de poder para os grupos de pressão que rodeiam a Casa Branca.

Esta visão a preto e branco é visível na frase “Se não estiver connosco, é contra nós” e no mais sinistro “Iremos rever os programas de apoio de votar contra nós”. Alguns líderes, subservientes, comprados ou já assimilados, caíram como patinhos. Um bom exemplo é José Barroso, o Primeiro Ministro de Portugal, que proclamou ontem de tom bradante e em alta voz no seu parlamento que a questão do Iraque é uma escolha entre “Tirania ou Democracia”.

Expressões como estas são fáceis de colocar na mente do povo, porque são simples de digerir e fáceis de compreender. Como uma boa cowboiada com o cowboy bom, de chapéu branco e o mauzão, de chapéu negro, este tipo de frase, nas doses adequadas, proporciona um estado de conforto entre a população, que pensa que afinal, isso se trata duma luta do bem contra o mal.

Porém, não é bem assim e quando se examina este tipo de posição em pormenor, cai no absurdo e ridiculariza quem a proferiu. Cabe a cada nação escolher o padrão de governo mais adequado ao seu estado social, antropológico, económico e político. Pergunta-se ao Primeiro Ministro de Portugal, na sua subserviência às políticas dos EUA, quantos países na região do Golfo têm democracias parlamentares?

Como regra, o modelo de governo nesta região geográfica é autocrático, baseado na autoridade dum restrito grupo de indivíduos. Como regra, a população nesta área geográfica respeita este sistema. Se Saddam Hussein fosse um tirano, se fosse aquele ditator sanguinário, aquele demónio em carne humana, como explicar que a população xi’ita no sul do Iraque, que era suposto levantar-se contra a sua autoridade, não o fez? Como explicar as imagens de inúmeras pessoas no iraque a proclamar que ele é um grande homem, que vão defender o seu presidente com o seu sangue? Como explicar que há mais iraquianos a tentar entrar no país para defender o seu presidente do que a tentar sair?

Que Saddam Hussein já cometeu ou fomentou actos de assassínio, não haja dúvidas. O Suharto também, mas ninguém invadiu a Indonésia, ninguém falou em mudança de regime. Os amigos do José Barroso, os EUA, até apoiavam o regime!

Que George W. Bush, como Governador de Texas, já enviou pessoas à sua morte, não haja dúvidas também. Que George W. Bush está a cometer um acto criminoso e assassino no Iraque, também não.

Cabe à população do Iraque decidir o seu destino, sem interferência do exterior. Se Saddam Hussein fosse assim tão mau, se o seu regime fosse tão vil, nunca haveria tanta resistência por parte do seu exército e nunca haveria tanta vontade entre o seu povo de o defender. Não se trata de uma escolha entre a democracia e uma tirania. Nenhum dos países nesta área têm o modelo ocidental de governo, porque é alheio à sua estrutura. É importante ver o cerne da questão e de visualizar o contexto como é, e não como se fosse o John Wayne a massacrar um bando de índios selvagens com um Gattling. Trata-se dum ataque criminoso contra um estado soberano, fora da autoridade da ONU, violando a Carta das Nações Unidas e porque há mortos, cometeu-se “crime de guerra”.

Neste contexto, quem é o mauzão?

Resta dizer que só a administração de George W. Bush poderia reunir o consenso de opinião mundial contra ele, contra a administração norte-americana e a favor do homem que é suposto ser o tirano, que passa a ser o coitadinho.

É risível que pessoas como José Barroso ainda vêm a política internacional como se fosse uma cowboiada, ainda por cima a preto e branco.

Timothy BANCROFT-HINCHEY PRAVDA.Ru

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