Existe ética para o poder?

Durante a Ditadura Militar, anos em que as balas de chumbo abriram chagas na democracia brasileira, silenciosamente nas redações dos grandes jornais, jornalistas politizados empunhavam sua caneta e duelavam anonimamente contra o sistema ignaro e opressor. Muitos deles, trabalhando no campo subjetivista do jornalismo e das idéias, burlaram a censura burra e noticiaram aqui e ali o novo líder sindical que enfrentava de peito aberto o arroto roto dos golpistas entronados pelos canos quentes das metralhadoras. Ainda assim, munidos de civismo e de uma ética profissional, jornalistas de norte a sul do Brasil, acreditando na liberdade da informação, arriscaram sua própria vida e, timidamente, eficientemente, levaram a todos os novos raios do sol da esperança que nascia diariamente no centro operário paulista e iluminavam todo solo pátria.

Os anos foram passando e o movimento sindical ganhando adeptos Brasil afora. Com o passar dos anos, o ex-operário tornou-se presidente da República e, sabendo como poucos do poder mobilizador da imprensa, já ensaia, timidamente, um golpe para calar aqueles que, de uma certa forma, o levaram a ser o grande portador e orador da esperança nacional. Depois do presidente Lula falar aos quatro ventos sobre denuncismo da imprensa, a Fenaj – Federação Nacional de Jornalistas – acolheu denúncia do presidente e começou a defender o projeto que tenta calar a voz insurreta e democrática daqueles que só existem para informar.

Lula está investindo no caminho mais difícil para acabar com as denuncias diárias contra o seu governo. Deveria ele criar um Conselho de Ética para o Exercício do Governo Federal, pois a ordem natural das coisas diz que a imprensa é que deve fiscalizar o governo, e não o governo a imprensa. Isto é, no mínimo, uma troca absurda de valores morais e éticos, coisa de ditadura caduca e anacrônica.

Se a preocupação da Fenaj e do governo fosse realmente com o jornalismo e sua ética, deveriam eles promover um amplo debate democrático acerca do assunto. Mas não, preferiram impor uma ordem de cima para baixo e a grita justa e honesta dos profissionais da imprensa e de toda sociedade já se ouve em todos os cantos do Brasil. Isto, na verdade, na maneira que está sendo conduzindo e proposto, direciona o nosso pensamento para a dúvida inequívoca: o que eles realmente querem com isso?! Será que os fantasmas das caras pintadas de Collor já começam a assombrar o presidente? Talvez Lula ainda não saiba, mas a imprensa nacional tem o seu Código de Ética e sua Lei de Imprensa e alguns, muitos, jornalistas já foram julgados e até condenados por eles. Se há alguma deficiência neste código, seria pelo menos mais honesto que fosse proposto uma discussão mínima sobre sua eficiência e abrangência. Agora, criar uma terceira via para fiscalizar o quarto poder que é fruto direto da liberdade, nos parece estranho, no mínimo, suspeito.

O Governo Federal, por meio de suas campanhas nacionais, é um dos maiores financiadores da grande mídia. Nas páginas dos jornais, a propagando e a realidade convivem diariamente lado a lado. Com a possibilidade da criação de um órgão interventor para aquele que redige diariamente a realidade pátria, poderíamos acreditar que a grande mídia - ‘por força da grana que ergue e destrói coisas belas’ - seria apenas uma assessoria de imprensa bem remunerada do poder vigente, do governo instituído, e nós todos compraríamos barato o que nos sai muito caro... um descalabro. Assim, não existiria mais o interesse da imprensa, apenas o da empresa e os proprietários dos jornais se veriam livres de terem que impor uma fiscalização nas suas redações. Um privilégio duas vezes conquistado. Uma atitude dessa não poderia nunca ser tomada por um governo que chegou ao poder pelos braços do povo. Definitivamente, não era para Lula e nem para o que ele representava...

Da casa-mor do jornalismo brasileiro, sua Associação Brasileira de Imprensa, o seu destemido presidente Maurício Azêdo colocou as cartas na mesa e declarou: “Conselhos federais são feitos para fiscalizar profissionais liberais. Não é o caso dos jornalistas, que, a meu ver, continuam sendo assalariados”. Fato maior disto tudo é que o direito do cidadão de saber diariamente pelas páginas dos jornais de como a sua vida realmente é, pode ser alvejado pelo medo de alguns de se pronunciar, protestar contra a indigência moral proposta. Enquanto isso, enquanto ainda temos a liberdade de nos pronunciarmos e de darmos nossa colaboração democrática ao debate em questão, vamos nós com a liberdade cívica encarnada e a ética profissional empunhada protestando, sem nunca esquecer que a fiscalização é o dedo em riste da opressão.

Petrônio Souza Gonçalves jornalista e escritor

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