NÃO SE DEVE REVER A HISTÓRIA

Agora que se assinalam os 90 anos do início da Primeira Guerra Mundial e no próximo ano se completam os 60 anos da vitória sobre a Alemanha fascista, para a qual a URSS deu a principal contribuição, os autores do projecto colocam o objectivo de rever a história. A finalidade oficial da referida organização é a defesa dos interesses dos alemães que foram desterrados das suas regiões de origem, entregues a outros países, e dos territórios vizinhos da Alemanha, em conformidade com as resoluções da Conferência de Potsdam de 1945.

Os países da Europa de Leste incluíram na altura esta organização nas listas de organizações revanchistas, mas hoje os promotores do projecto asseveram que não tencionam "avivar as chagas".

Eles consideram que os povos da Europa devem conhecer as privações vividas pelos milhões de alemães desterrados já depois da Segunda Guerra Mundial. Os autores da ideia qualificam o seu projecto de "contribuição para a aproximação entre os povos", pois uma sólida compreensão mútua entre eles só é possível com base num pleno e objectivo conhecimento dos factos da história.

Na realidade, eles não estão muito longe da verdade. Todas as vítimas inocentes da guerra têm direito à compaixão e solidariedade sem distinção da sua nacionalidade e isto inclui também os alemães.

No entanto, constitui o cúmulo da má fé aproveitar esta compaixão e solidariedade com o intuito de fomentar uma atmosfera de hostilidade em relação a um povo que fez os maiores sacrifícios para garantir o futuro pacífico da humanidade, ou seja, ao povo russo. Porém, é justamente isso que acontece em torno da ideia da criação do "Centro de Expatriados".

Até mesmo um conhecimento superficial dos factos acontecidos há 60 anos dá uma ideia bastante inesperada acerca do papel desempenhado pela URSS na questão do desterro dos alemães.

Dir-se-ia que os soviéticos não tinham motivos para simpatizar com os alemães depois dos crimes cometidos pelas Forças Armadas e tropas SS no território soviético por elas ocupado. No entanto, foram justamente as autoridades de ocupação soviéticas da Alemanha que dirigiam a Moscovo reiterados pedidos para que fossem tomadas medidas a fim de aliviar as condições de deslocamento da população alemã dos países vizinhos. As autoridades militares soviéticas nas regiões da Alemanha Oriental adjacentes à fronteira com a Checoslováquia e Polónia (especialmente, em Herliz, onde se reuniam os fluxos de deslocados dos Sudetes e do oeste da Polónia) informavam constantemente nos seus relatórios sobre as condições desumanas de expulsão dos alemães por parte dos checos e polacos.

No Verão de 1945, as autoridades militares soviéticas nestas povoações transmitiam para Moscovo informações de que os alemães dos Sudetes, quase todos mulheres, velhos e crianças, tinham apenas uma hora para os preparativos, só podiam levar consigo bens num valor de 5 marcos e não recebiam meios de transporte. O calendário de chegada dos expatriados à Alemanha não era coordenado com a parte soviética, o que dificultava extremamente a concessão até mesmo de uma residência provisória nas povoações afectadas pelos combates.

A chegada dos alemães sem quaisquer meios de subsistência ao território quase inteiramente destruído da zona soviética de ocupação da Alemanha logo depois das operações militares criava uma situação incrivelmente difícil para a população local e a administração militar soviética (a população era abastecida com géneros alimentícios provenientes exclusivamente das reservas do Exército Vermelho). Uma parte considerável dos desterrados morria no caminho. Entre as pessoas que chegavam ao território alemão eram frequentes casos de suicídio. E os oficiais soviéticos, que ainda havia pouco haviam estado em guerra contra os alemães, relatavam com inquietação tudo isso ao seu comando.

As condições de transferência dos alemães da Silésia, incluída na Polónia, foram ainda mais dolorosas do que o processo de desterro dos alemães dos Sudetes. As autoridades militares soviéticas informavam reiteradas vezes que entre a população alemã passava fome, que as autoridades polacas se recusavam a abastecê-la de alimentos, que membros dos grupos armados polacos matavam arbitrariamente alemães, que os desterrados eram presos infundadamente e condenados a longas penas de prisão onde eram espancados e sujeitos a vexames. Informava-se sobre factos de violência contra elementos antifascistas entre a população alemã.

Os actos de retaliação eram motivados com frequência pela cooperação dos alemães com o Exército Vermelho. Os alemães recebiam 20 a 30 minutos para os preparativos para a partida e só podiam levar consigo, no máximo, 20 quilogramas de bens pessoais. Os alemães pediam com frequência ajuda aos soldados soviéticos.

Às vezes, os deslocados incendiavam as suas casas para que os polacos não se apoderassem delas. Entre os alemães da Silésia, que chegavam à zona soviética de ocupação da Alemanha, havia grande número de doentes de sarna, disenteria, tifo exantemático e hipotermia. Eles eram transportados em carruagens não equipadas adequadamente e não aquecidas, sem entendimento prévio com as autoridades soviéticas.

Com base nas informações dos militares, Moscovo empreendia tentativas para conseguir pela linha diplomática um certo alívio dos métodos de desterro dos alemães da Checoslováquia e Polónia (de forma muito cautelosa para não estragar as relações que se criavam com estes países). Como se depreende dos documentos, as autoridades checoslovacas respondiam de boa vontade às solicitações da parte soviética, as polacas prestavam menos atenção a este problema.

Aliás, não se tratava apenas de casos isolados de deslocamento de populações: da Checoslováquia foram desterrados cerca de 3 milhões de pessoas e das terras ocidentais da Polónia cerca de 4 milhões. A possibilidade de uma solução mais humana do problema da transferência dos alemães para o território da Alemanha foi provada pela prática usada pelas autoridades soviéticas em relação à população da Região de Kaliningrado que em 1945 foi incluída na URSS.

A maior parte da população alemã foi transferida daquela região nos anos de 1947 e 1948, quando a situação na zona soviética de ocupação da Alemanha se normalizou mais ou menos. Esta foi uma deportação bem diferente do que nos casos acima descritos (embora não passasse igualmente de uma deportação). A primeira composição ferroviária com os expatriados foi despachada de Kaliningrado para a zona soviética de ocupação da Alemanha em Outubro de 1947. As pessoas podiam levar consigo cerca de 300 quilogramas de bens pessoais por família em conformidade com as regras alfandegárias comuns da URSS.

Cada pessoa recebia uma "ração fria" destinada a 15 dias segundo as normas soviéticas de abastecimento dos operários da indústria e comunicações e determinadas quantias em dinheiro eram cambiadas por marcos alemães que circulavam nas zonas de ocupação. As composições, que transportavam cerca de 10 mil expatriados por mês pela via férrea de "bitola europeia", que ainda não tinha sido desmontada, eram acompanhadas obrigatoriamente por médicos e enfermeiras.

Durante um ano foram desterradas mais de 100 mil pessoas. Nos relatórios enviados a Moscovo sobre o decurso da transferência da população alemã assinalava-se especialmente que os desterrados não apresentavam queixas. Os alemães deixaram aos funcionários de escolta soviéticos cerca de 280 cartas com a expressão de agradecimento pelo tratamento humano.

Mas voltemos ao projecto da União dos Expatriados. Este documento suscitou uma intensa onda de emoções em Varsóvia e Praga. Este facto deve-se às medidas empreendidas simultaneamente pela fundação "Tutela Prussiana" com vista a intentar acções nos tribunais internacionais no sentido de devolver os bens aos desterrados ou pagar-lhes a respectiva indemnização. Para não agravar as relações entre a RFA e os novos membros da União Europeia, o governo alemão entabulou consultas com a Polónia e a República Checa a propósito do projecto. E aqui iniciou-se o mais interessante.

Os representantes da Polónia exigiram a ampliação do tema discutido incluindo nele o destino de todos os expatriados da Europa, antes de mais nada os polacos, que teriam sido desterrados violentamente do território da Ucrânia Ocidental e da Bielorrússia Ocidental depois da inclusão destas últimas nas Repúblicas Socialistas Soviéticas da Ucrânia e da Bielorrússia. Lembremos que naquela época as populações da Ucrânia Ocidental e da Bielorrússia Ocidental resolviam por si próprias a questão da escolha da cidadania e, por conseguinte, decidiam livremente se deviam mudar para a Polónia ou ficar na terra natal.

As próprias autoridades polacas insistiam na mais rápida transferência dos habitantes destes territórios, já que estavam interessadas no povoamento imediato das suas terras ocidentais, que se despovoavam à medida que eram desterrados os alemães da Silésia. A própria partida foi um processo absolutamente normal durante o qual os deslocados recebiam a máxima ajuda e apoio possíveis. Em consequência, em nome da "manutenção da paz" na União Europeia, as autoridades oficiais da RFA, Polónia, República Checa, Eslováquia e Hungria planearam criar uma "rede europeia" de centros de documentação sobre a deportação e os desterrados em vez do "Centro de Expatriados" de Berlim.

A julgar pelas declarações de alguns participantes do projecto, no primeiro plano da actividade dos referidos centros devem ser colocados agora (imagine-se!) os crimes estalinistas. Parece que a "Rede de Memória e Solidariedade", como deve ser denominado o sistema projectado de centros de documentação, será no fim de contas uma rede de alienação e ódio, que ressuscitará e fomentará todas as discussões étnicas, territoriais e confessionais que existiram, existem ou apenas surgem na Europa.

Os problemas declarados pela União dos Expatriados da RFA existem realmente. Mas eles não estão isolados das realidades criadas pelas acções criminosas da Alemanha, que desencadeou a Primeira e Segunda Guerras Mundiais, bem como pelo comportamento dos políticos de outros países que lhe concederam esta possibilidade. O estudo dos acontecimentos ocorridos ao longo do século XX não é um assunto dos actuais políticos, mas sim dos cientistas - historiadores e politólogos, demógrafos e economistas - que deverão ter à sua disposição todos os documentos iniciais necessários.

Vale a pena, possivelmente, pensar sobre a criação do Instituto Europeu de História do Século XX para elaborar um estudo colectivo que resolva, enfim, o problema da apresentação objectiva dos acontecimentos deste século, importante para a Europa e o mundo.

Igor Maksimytchev Doutor em História

RIA Novosti

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