Vivos mortos

Foram assassinados, mas continuam vivos. Não podem ser enterrados.

Testemunham as brutalidades, injustiças, segregações.

Foram exterminados sem violência aparente. São vestígios de tempos bárbaros.

Têm fome, mas não conseguem trabalho. Vez e outra recebem restos dos vivos, atormentados pela psicose da similaridade de espécie.

A esmola é um imposto aos vivos: entorpece o peso de consciência.

Têm frio de coração, sentimento terrível, pior que a tortura mais sofisticada.

Têm dor viva capaz de dilacerar o grito das trevas em rangidos horripilantes.

Os vivos possuem imunidade contra o incômodo e desprazer lixo humano. Não ouvem. Não vêem. Não falam. Não cheiram. Estão vacinados.

Defendem a exclusão dos fracos vivos mortos. Consideram-se vitoriosos.

Os vencidos não merecem participar do usufruto do planeta. Nem faz diferença se têm ou não oportunidades justas. Para estar no paraíso do dinheiro, do poder, da superioridade é fundamental segregar, discriminar, exterminar.

Os vivos sofrem de auto-hipocrisia aguda. Ao mesmo tempo em que excluem, se envergonham das mortes causadas, dos danos ao meio vivente, das privacidades rompidas, das liberdades sufocadas.

Ao mesmo tempo em que juram a paz, constroem bombas de alto poder destrutivo como se tratasse de comportamentos notoriamente compreensíveis, aceitáveis, aprovados.

Ao mesmo tempo em que consideram a importância dos direitos humanos, praticam o jogo de muros intransponíveis.

Os vencidos não acessam o mundo dos vencedores.

Os vivos transitam em carros blindados. Moram em condomínios de alta segurança. Vivem assepticamente distantes e protegidos. Dominam o reino dos opostos. Não possuem escrúpulos. Princípios: ganhar, ganhar, ganhar. Idolatrias: os deuses do dinheiro. Regras: para entrar no paraíso, vale-tudo imaginável e inimaginável.

Criticam a raça pura de Hitler, choram o holocausto e fazem pior. Transformaram o planeta no maior e mais terrível campo de concentração até agora conhecido. Dois terços da humanidade vivem prisioneiros, vivos mortos, excluídos.

Gastam fortunas para alimentar a guerra, produzindo maravilhosas bombas de destruição em massa. Cultivam mitos para justificar suas insanidades.

Não se cansam em pedir perdão aos céus temerosos pelos pecados renitentes. Cultivam religiões hipócritas. Dominam o poder da mentira, da falsidade, do jogo de cena. Oh Senhor, tenha piedade de nós, pobres pecadores!

Os vivos acreditam que os vivos mortos vão arder eternamente no fogo dos infernos. Pode ocorrer o contrário. Seria um grande azar.

Preservam os vivos mortos para garantir platéia.

Definitivamente, o planeta está louco. Os hominídeos são seres incríveis. Fingem-se de mansos e santos quando na verdade não passam dos mais terríveis depredadores, até a autofagia.

Será que os diabos conseguem inventar um inferno pior?

Estamos iniciando o apocalipse.

A humanidade perdeu a vergonha. O planeta vive assombrado. Você tem medo?

Orquiza, José Roberto escritor [email protected]

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