Quais são os desafios da Rússia?

Caro Timothy, saudções.

Dentro de sua ampla experiência, você poderia elucidar quais são os pricipais desafios da Rússia hoje para ao menos atingir um PIB equivalente ao da URSS?

Qual é a atual situação do Partido comunista russo? Ele continua com prestígio ou outras vertentes políticas são mais simpáticas aos russos?

Qual seria o caminho para levar a Rússia à uma posição "intermediáia" entre o que foi a URSS e o que é o capitalismo de hoje (se é que é realmente este o anseio do povo russo)?

Pode-se afirmar que a irresponsabilidade de Yeltsin impediu a Rússia de continuar como uma potência de influência e poder econômico similar à URSS?

De uma forma geral, pode-se afirmar que o objetivo da Rússia enquanto nação hoje é similar ao objetivo de Gorbachev com suas reformas (perestroika e glasnost) no final da década de oitenta (claro, observando-se as reais necessidades hoje)?

A solução para problemas nos países ex-soviéticos (como resurgimento do nazismo no báltico e "revoluções" em outros países) seria uma centralização do poder, de forma a preservar-se o país, assim como Putin tem feito?

Seria viável para a Rússia um modelo socialista "de centro" (não ortodoxo), um modelo comunista ou um modelo capitalista "reajustado" (visando o bem comum, de fato)?

O comunismo soviético, mesmo com todos os seus problemas, é nitidamente mais "humano" e viável que o capitalismo. Não haveria a possibilidade de "reajustar" esse modelo, de forma a dinamizá-lo, mas preservando o essencial que é o estado para todos? Não creio que haja um capitalismo que se preste a valorizar a população de uma forma eficaz, os modelos ditos socialistas empregados em países europeus também não parecem ser tão ransparentes quanto se propõe, e o comunismo existente na URSS, até o momento, pareceu-me um modelo administrativo, que com alguns justes às reais necessidades atuais, pode amparar de forma eficiente o povo não só da Rússia, como de outros países.

Grato, Rodrigo BRASIL

Caro Rodrigo,

Agradeço a sua carta, à qual irei tentar responder por partes.

1. Quais são os pricipais desafios da Rússia hoje para ao menos atingir um PIB equivalente ao da URSS?

Primeiro e fundamentalmente, a estabilidade política e económica, que passa pela boa gestão monetária e princípios de boa governação pela classe política em geral. Com Presidente Putin, a Rússia tem o homem certo no lugar certo na altura certa, sem qualquer sombra de dúvida. Quando ao resto, é Presidente Putin que está a tentar fazer com que os outros elementos na classe política correspondam às expectativas e a classe empresarial também.

Essa classe tem de pagar os impostos e tem de vincular-se às suas responsabilidades. Khodorkovsky é um belo exemplo.

Segundo, leva algum tempo a classe empresarial russa ganhar experiência nos mercados competitivos mas estão entrando e aprendem rapidamente. É uma questão de tempo, mas o PIB está a crescer e deve em pouco atingir o nível gozado durante os tempos dourados da União Soviética.

2. Qual é a atual situação do Partido comunista russo? Ele continua com prestígio ou outras vertentes políticas são mais simpáticas aos russos?

O KPRF (Partido Comunista da Federação Russa) se encontra em segundo lugar na maioria das sondagens, atrás da formação Rússia Unida do presidente. Se encontra bem consigo próprio, se encontra num estado de coesão com seus princípios e se encontra bem gerido e pronto para assumir as suas responsabilidades.

Devemos evitar o erro de assumir que os comunistas têm de agarrar-se ao poder. Não é verdade. Têm de se manter leais aos seus princípios, que mais cedo ou mais tarde, iremos testemunhar o fracasso do modelo capitalista-monetarista-liberal e o ressurgimento dos ideais comunistas.

Cabe aos comunistas estarem atentos e prontos para agir em todos os níveis quando são chamados pelo eleitorado, quer ao nível da DUMA, quer ao nível dos municípios

3. Qual seria o caminho para levar a Rússia à uma posição "intermediária" entre o que foi a URSS e o que é o capitalismo de hoje (se é que é realmente este o anseio do povo russo)?

A chamada terceira via, com um estado que abre um chapéu de chuva para proteger os menos favorecidos enquanto formam parcerias publicas e privadas nos vários sectores da economia e serviços públicos já é uma realidade na Rússia.

Ainda há excelentes serviços públicos garantidos pelo estado, ainda há fornecimento de energia a preços muito reduzidos, providenciando ao russo médio um nível de vida confortável. Os preços destes consumáveis deve aumentar de acordo com o poder de compra, para minimizar os efeitos negativos sobre os consumidores.

Se a Rússia utilizar seus vastos recursos para seus cidadãos, não há necessidade para estes sentirem as diferenças entre os dias de fartura na URSS e os dias de hoje.

4. Pode-se afirmar que a irresponsabilidade de Yeltsin impediu a Rússia de continuar como uma potência de influência e poder econômico similar à URSS? De uma forma geral, pode-se afirmar que o objetivo da Rússia enquanto nação hoje é similar ao objetivo de Gorbachev com suas reformas (perestroika e glasnost) no final da década de oitenta (claro, observando-se as reais necessidades hoje)?

Pode, sem qualquer sombra de dúvida. Boris Nikolaievich (Ieltsin) foi um traidor e uma vergonha para a Rússia e a sua obra foi tentar destruir uma nação. Mikhail Sergeievich (Gorbatchov) entendeu que eram precisas reformas ao sistema soviético, basicamente porque seus objectivos tinham sido atingidos há muito tempo. Vladimir Vladimirovich (Putin) entende que as reformas têm de ser baseadas na consistência e coesão e de acordo com as posses dos cidadãos. Rússia não é uma ilha e tem de viver com o resto da comunidade internacional.

5. A solução para problemas nos países ex-soviéticos (como resurgimento do nazismo no báltico e "revoluções" em outros países) seria uma centralização do poder, de forma a preservar-se o país, assim como Putin tem feito?

Sim, entendo que sim. Quem lê o livro da história da Rússia vê um constante, e isso é um poder centralizado e forte como a única maneira de garantir o funcionamento do estado. O controlo dos recursos é fundamental para a Rússia e para os russos historicamente e ainda hoje, pois há elementos estrangeiros que querem agarrar os bens da Rússia para eles e isso não vai acontecer.

A única maneira de evitar a implosão da Rússia é através dum poder central forte que protege os interesses do estado, dos cidadãos e cria uma segurança de facto que impede forças estrangeiras hostil a Moscovo de roubarem os recursos que pertencem à Rússia.

A Federação Russa tem todas as armas necessárias para se proteger, quer militar, quer economicamente, quer em termos de recursos naturais e recursos humanos.

6. Seria viável para a Rússia um modelo socialista "de centro" (não ortodoxo), um modelo comunista ou um modelo capitalista "reajustado" (visando o bem comum, de fato)?

Entendo que os cidadãos da Rússia escolheram o modelo atual seguido pelo governo do Presidente Putin porque entenderam que oferecia melhores hipóteses de estabilidade num mundo dominado pela economia de mercado. É uma espécie de terceira via.

7. O comunismo soviético, mesmo com todos os seus problemas, é nitidamente mais "humano" e viável que o capitalismo. Não haveria a possibilidade de "reajustar" esse modelo, de forma a dinamizá-lo, mas preservando o essencial que é o estado para todos?

Sim, há que evitar a tendência de empregar termos como “o colapso” da URSS, “o falhanço” do comunismo, a “derrota” da URSS na guerra fria, e por aí fora, frases absurdas oriundas da demonologia da imprensa comprada ocidental.

A verdade crua e nua é que os objectivos da União Soviética foram alcançados na íntegra. A URSS trouxe paz, segurança do estado, trouxe pão, trouxe um fim à fome endémica, pós fim ao analfabetismo que persistia em manter socialmente imóveis milhões de pessoas, providenciou pleno emprego, habitação garantida, pensão garantida, mobilidade social, educação e um serviço nacional de saúde exemplar.

Nada mau em menos que três gerações, enquanto outros países ocidentais tinham 500 anos para fazer a mesma coisa e olhem o que aconteceu: é um drama comprar uma casa e uma vez comprada, é outra drama financiá-la, o comprador assumindo uma enorme dívida que controla a sua vida até ao final, quase.

Sistemas de educação que vomitam gerações de burros no mercado de trabalho, muitos deles funcionalmente analfabetas, muitos nem sabendo falar suas próprias línguas e fazendo erros de ortografia inexplicáveis, sistemas de saúde que não são grátis e muitas vezes deploráveis se o utente não pagar bom dinheiro, pensões de miséria, falta de estabilidade no mercado de emprego, preços altíssimos quando comparados com os salários, e por aí fora.

O comunismo na URSS teve de lutar constantemente contra um mundo exterior hostil, que tudo fez para a URSS não poder existir mais. Dificultaram a tarefa, mas a URSS cumpriu os objectivos a 100%. Vamos agora testemunhar o final do modelo capitalista-monetarista.liberal, que aliás já entrou na fase final.

Temos um mundo em que o valor da vida humana é menos do que uma nota de dinheiro para aqueles que gerem a economia e não falo naqueles que foram eleitos democraticamente, porque os que controlam a política mundial são o clique de elitistas corporativos que se vê por exemplo atrás da guerra assassina no Iraque.

É isso o cúmulo deste modelo, e como se vê, ninguém gosta dele.

Timothy BANCROFT-HINCHEY PRAVDA.Ru

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