Iraqgate agora

O sufixo –gate tem sido utilizado, não só nos Estados Unidos da América, para classificar uma acção por um governo, um membro deste ou uma administração, que foi desonesta e errada do ponto de vista ético. Exemplos são Watergate, Irangate, Collorgate e Iraqgate, agora.

O Iraqgate pode entrar na história como a maior justiça ou injustiça já cometida pelo Homem, dependendo se é permitido que se proceda à investigação. O cerne do Iraqgate visa dizer a verdade, garantindo que o bem vence o mal, visível e tangívelmente, testando os mecanismos que constituem as linhas-guia da lei internacional e assegurando que estão a funcionar, construindo a base para uma gestão de crises que é fundamentada em diplomacia, discussão e diálogo - os princípios da democracia - e não ameaças, arrogância, chantagem e prepotência, os requisitos para a demagogia.

O Iraqgate não se trata da derrocada dum regime não democrático (quantos governos na região foram eleitos democraticamente?) nem se trata da queda duma figura tirânica (Mugabe?)

O Iraqgate trata-se dum acto de violência não justificado nem justificável, contra uma nação soberana, fora do fórum existente de lei, um acto em que muitos milhares de civis foram chacinados. O Iraqgate trata-se de uma tentativa deliberada de esconder ou destorcer os factos para apresentar um causus belli, onde nenhum existia.

O Iraqgate trata-se dos governos dos EUA, Reino Unido, Portugal, Espanha, Polónia e Austrália, mentirem às suas instituições, ao seu povo, citando falsidades como se fossem factos, apresentando documentação forjada e boatos como se fossem evidência, ou apoiando os o fizeram, com os seus líderes a mostrarem qualidades para serem peixeiras, sim mas estadistas, de certo que não.

O Iraqgate trata-se dum puro e inteiro desrespeito para os canais apropriados da lei e da diplomacia internacional pelos que perpetraram esse acto de maldade, esses crimes de guerra, esse sinal de alarme que assinala o ponto de viragem entre uma liberdade e democracia de facto e os primeiros sinais duma renascença de fascismo numa escala global.

O Iraqgate trata-se da pior espécie de traição de valores, visível no acto de total desrespeito e menosprezo mostrado à Organização das Nações Unidas, cuja Secretário-Geral Kofi Annan ganhou o Prémio Nobel de Paz no ano passado e que não mereceu esta bofetada na cara, nem tampouco a Organização a que ele preside merecia essa apunhalada nas costas.

O Iraqgate trata-se do acto de forjar documentos para apresentar um caso à Agência Internacional de Energia Atómica (sobre o urânio yellowcake supostamente exportado a Bagdade), a apresentação de documentação juntada com tamanha falta de profissionalismo (partes até foram coladas do Internet e eram 12 anos fora de prazo) e declarada como provas duras que o regime em Bagdade estava em quebra material das Resoluções da ONU sobre o desenvolvimento de Armas de Destruição em Massa.

O Iraqgate trata-se da política de mentir deliberada e sistematicamente à Organização das Nações Unidas, desprezando os termos da lei internacional e desconsiderando as normas da diplomacia. Tal comportamento, exacerbado pelo facto que os únicos actos de destruição em massa foram cometidos pelas forças da coligação, em que se perderam tantas vidas inocentes, vai contra o grão da opinião pública mundial.

Como Hitler, Pol Pot, Bokassa, Suharto e outros, Bush, Blair e o seu nojento bando de sicofantas cometeram um ultraje contra a civilização. A História está pronta para julgar não só esses, mas também a Humanidade, para ver se tem a coragem de lançar o Iraqgate, ou então esquecer convenientemente que as primeiras etapas da criação dum estado totalitário e antidemocrático, numa escala mundial e massiva, já foram postas em marcha.

Em nome do bem, da razão, dos valores para os quais o homem tanto lutou, sofreu e sacrificou, não seria justo se não exigíssemos o Iraqgate, agora.

Timothy BANCROFT-HINCHEY PRAVDA.Ru

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