Traição!!

Durante a semana de 20 a 24 de setembro se reuniram em Bruxelas os negociadores do Mercosul, entre eles o Brasil, e os negociadores da União Européia para apresentar as ofertas de tarifas e processos de integração.

Se nas negociações com a ALCA os diplomatas brasileiros tiveram prudência, agora, no caso da União Européia, os ditos "negociadores" se portaram como mercadores de segunda categoria, "vende-pátria', sem respeitar ou consultar nenhum setor de nossa sociedade.

Vejam os resultados abaixo:

1. Natureza do acordo que está sendo negociado

O Acordo birregional entre o Mercosul e a União Européia apresenta, desde a sua concepção, uma "troca" entre os interesses ofensivos do Mercosul em agricultura, que sonham em ampliar suas vendas na Europa e a entrega de nossos mercados para as empresas industriais e de serviços europeus. Já o interesse ofensivo dos negociadores brasileiros concentra-se em algumas matérias primas agrícolas, como carnes, açúcar, álcool e café. Por sua vez, o interesse dos europeus encontra-se nos produtos de maior valor agregado e concentra-se nos temas de investimento, serviços, compras governamentais, propriedade intelectual, vinhos e bens industriais.

Não foram mantidos diálogos setoriais com os principais afetados pelo acordo; nem há estudos técnicos que avaliem o impacto deste sobre o mercado de trabalho brasileiro.

2. Em acesso a mercados

O Brasil ofereceu 90% de acesso ao nosso mercado, o que implica, na prática, que os produtos europeus entrarão sem pagar tarifa; ou seja, tarifa zero de importação no Brasil em até 10 anos. Um dos casos mais preocupantes e patéticos é o caso do leite, que é considerado produto sensível pelo Mercosul, e tem hoje uma tarifa de impostos de 27% para entrada do leite europeu no Brasil e no Mercosul.

Entretanto, a lista de exceção para produtos reconhecidamente sensíveis do Mercosul não está sendo aplicada ao acordo birregional. A agricultura familiar/campesina brasileira é responsável por 82% dos 1,8 milhões de estabelecimentos produtores de leite no Brasil e por, pelo menos, 80% da produção. Se o acordo fosse assinado hoje, a alíquota de importação do leite, que é de 27%, passaria para 0%. A importação, que hoje já é alta, sobretudo no leite em pó e no soro em pó, seria desastrosa e afetaria em muito os preços nacionais e a vida de milhões de pequenos agricultores. Seguramente mais de um milhão de pequenos agricultores que produzem hoje em torno de 30 litros por dia não teriam condições de produtividade para competir com os europeus, e iriam a falência, perdendo trabalho e engrossando as filas do êxodo rural.

Deste modo, com o acordo Mercosul-UE, teremos um incremento do êxodo rural no Brasil.

3. Setor de serviços

No setor de serviços do Mercosul a gravidade é ainda maior, e nos interessa, como brasileiros, embora não esteja relacionado diretamente com agricultura.

Mas o Brasil está se abrindo totalmente nos setores de telecomunicações, serviços ambientais, financeiros, bancários e seguros. Isso significa que as empresas transnacionais poderão operar sem nenhuma restrição ou condicionante em todas essas áreas, controlar esses mercados, que são estratégicos para o futuro do país.

4. Área de investimentos

O acordo Mercosul-UE seria o primeiro compromisso internacional que o Brasil assumiria no setor de investimentos. Apesar de hoje o Brasil ser um país aberto ao investimento estrangeiro, um acordo nesse sentido retiraria o poder de decisão do Governo de legislar e controlar, para proteger os interesses nacionais quando assim for necessário.

5. Propriedade intelectual

A proposta comunitária já excede, em muito, os padrões estabelecidos nas TRIPs, acordados no âmbito da OMC. Por exemplo: a UE pressiona para que seja incluído no acordo a proteção de produtos como o queijo parmesão. Querem nos obrigar a seguir regras de propriedade intelectual além do que o país tem condições de aceitar.

6. Compras governamentais

O Mercosul ofereceu preferência para os europeus, em relação a outros países e regiões, em compras públicas por meio de mecanismo de consulta e transparência. Isto significa que toda vez que houver uma compra pública os europeus têm o direito de solicitar uma consulta. Se a participação dos europeus for negada na licitação, deverão ser informados formalmente. À primeira vista o mecanismo parece inofensivo, mas será que após algumas recusas suportaríamos a pressão dos europeus para a abertura de nossas compras governamentais?

7. Conclusões

Se a diplomacia brasileira soube parar as negociações da ALCA porque estavam longe de atender aos anseios e necessidades brasileiras como projeto de desenvolvimento sustentado e independente, por que deixamos que siga adiante o acordo com os europeus, que na prática esta sendo bem pior do que a ALCA?

Porém, mais do que comparações com a ALCA, esse acordo coloca em risco setores importantes da agricultura familiar, setores importantes da nossa indústria e serviços. Coloca em risco o emprego de milhões de brasileiros. Para não ganharmos nada, com apenas a ilusão do livre-comercio?

Trata-se, na verdade, de um neo-colonialismo vergonhoso, que exige imediata reação da sociedade brasileira, dos setores sociais organizados.

Em Nova Iorque o Presidente Lula afirmou a importância da segurança alimentar e da justiça social. Entretanto, o acordo Mercosul-UE afeta a nossa segurança alimentar. E, portanto, a nossa soberania.

Esperamos que o governo brasileiro honre seus compromissos de campanha com o povo e defenda, pelo menos, nosso trabalho. O que está em jogo são a nossa soberania e o nosso futuro como país. Está em jogo um projeto de desenvolvimento nacional.

Com a palavra o governo brasileiro.

Brasília, 28 de setembro de 2004.

VIA CAMPESINA BRASIL

- Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra-ST - Movimento dos Pequenos Agricultores- MPA - Movimento das Mulheres Camponesas- MMC - Movimento dos Atingidos por Barragens- MAB - Comissão Pastoral da Terra- CPT - Federação dos Estudantes de Agronomia do Brasil- FEAB - Pastoral da Juventude Rural- PJR

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