Diante da cópia, melhor o original

O Planalto e o Partido dos Trabalhadores saem profundamente arranhados com os números finais. São Paulo, Fortaleza e Porto Alegre, os três pleitos referenciais, deixam indícios evidentes de que não foram as administrações locais os alvos de julgamento, mas o governo Luis Inácio Lula da Silva e a direção nacional do PT.

Isto ficou claro, no Rio Grande do Sul. Em Porto Alegre, não foi Fogaça quem venceu. Foi o simbolismo petista, a partir da guinada ideológica do governo Lula, que terminou rejeitado. E Raul Pont deixou isso evidente quando explicitou o grande problema encontrado em sua campanha: a necessidade de explicar a inexplicável política econômica de Meirelles e Palocci.

Luizianne Lins, historicamente ligada à senadora Heloisa Helena, não foi preterida pela direção nacional por simples capricho. Foi por razões ideológicas, mesmo. Estivesse ela no embate parlamentar nacional, não seria absurdo admitir que fosse submetida ao mesmo destino da sua ex-companheira de diretório. Pont, apoiado pelo governo, foi derrotado, a despeito da excelente imagem da administração petista da cidade, há 16 anos. Luizianne, rejeitada, venceu com folgas sem nunca ter tido experiência administrativa.

Quanto a São Paulo, o fenômeno se torna gritante. A administração Marta Suplicy chegou ao pleito com muito boa avaliação. E não por acaso. Em termos de políticas sociais, foi muito mais concreta em programas do que o governo federal, com suas variantes virtuais do Fome Zero. O resultado eleitoral não foi, portanto, julgamento de questões locais, único espaço onde se registraram divergências reais entre PT e PSDB. Foi o quadro nacional que determinou o desfecho. Por conta da crescente identificação ideológica entre tucanos e neopetistas, lideranças e militantes históricos da esquerda – Plínio de Arruda Sampaio, em destaque – assumiram publicamente o voto nulo, numa atitude inédita desde os anos de chumbo da década de 70. E também a alta abstenção paulistana, que todos consideravam vir a prejudicar Serra, e se transformou numa variante desse voto nulo, não é sinal que anime José Genoino e seus parceiros de Executiva.

Por conta disso é permitido deduzir que o PSDB se tornou imbatível em 2006? Certamente que não. Mas deu passo importante. E por uma razão muito simples. A votar num clone da política subordinada aos interesses do grande capital financeiro, que marcou os oito anos de mandarinato de FHC, melhor ficar com o original. É mais previsível, e não passível de tensões internas contrárias ao modelo monetarista ortodoxo.

Mas se tucanos e neopetistas estão se encaminhando para uma simbiose, por que se defrontaram de forma tão intensa? Por que polarizaram a disputa?

A resposta não é auspiciosa. Se tal disputa se deu, sem divergências fundamentais sobre os eixos doutrinários, é porque podemos estar caminhando para uma pasteurização ideológica do processo político brasileiro. Não uma americanização da disputa, mas uma espécie de "americanazalhização", para utilizar a expressão de Carlos Nelson Coutinho. Ou seja; longe da luta por projetos estratégicos distintos, estamos marchando para uma batalha sem peias pelo controle do aparelho do Estado, na execução do mesmo modelo.

Resta, de tal reflexão, uma incógnita. Se os dois maiores partidos nacionais, aqueles que certamente disporão dos nomes para a batalha sucessória da presidência da República, tendem a marchar pelo mesmo atalho da moderação centrista, buscando alianças à direita, qual será o destino da grande parte dos 52 milhões de votos que, em 2002, rejeitaram esse caminho, ao derrotar José Serra?

Quem tem a resposta é o bloco combativo dos dissidentes das legendas de tradição de esquerda, ora enquadradas pelo Planalto, mais os que se unem à senadora Heloisa Helena na fundação do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL). Se chegarem a um acordo, mobilizando-se numa candidatura própria, o quadro democrático se reorganiza. Se não...a Deus pertence. É o absentismo por um bom tempo.

Milton Temer (jornalista)

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