Sobre a dívida externa do Brasil

CARTA ABERTA AO SECRETÁRIO GERAL DA ONU EXCELENTISSIMO SENHOR KOFI ANNAN

UNITED NATIONS United Nations Plaza New York, NY 10017 USA

Excelentíssimo Senhor Secretário Geral,

“Gostaria de ver o governo brasileiro se debruçar não apenas sobre direitos econômicos e sociais, que são obviamente fundamentais, porque uma pessoa ou família de barriga vazia e com fome, sem direito a saúde, sem direito a educação não está interessada em exercitar seus direitos civis e políticos. Mas, é preciso também trabalhar com mais ênfase, com mais vontade de transformar a realidade nesses direitos civis e políticos que são negados a muitas pessoas e a muitas comunidades no Brasil”. Sérgio Vieira de Mello.

Esta é uma denúncia que o Movimento Nova Inconfidência, uma Associação Civil, devidamente legalizada dentro do Estado Brasileiro, submete a vossa judiciosa apreciação. Cientes de que apenas os Países Membros da ONU podem recorrer à Corte Internacional de Justiça e ao Conselho Econômico e Social, não vislumbramos outra alternativa, a não ser através do espírito de justiça de Vossa Excelência, para fazer chegar ao conhecimento dos referidos Conselhos os fatos e os dados abaixo transcritos. Desnecessário lembrar que a Corte Internacional de Justiça "entrará em ação sempre que constatar a ocorrência de delitos graves sem que a justiça nacional se manifeste para processar os culpados". (editado) De igual forma, o Conselho Econômico e Social da ONU-ECOSOC, "é responsável por questões sociais, econômicas, educativas e sanitárias dos países". Dentro desses princípios vale lembrar que a ONU foi criada para "manter a paz e a segurança do mundo, fomentar relações cordiais entre as nações, promover o progresso social, melhores padrões de vida e direitos humanos". (editado). Na Declaração do Milênio, proposta pela ONU, no ano 2000, e ratificada por 189 países, inclusive o Brasil, decidiu-se reduzir pela metade, até 2015, o número de pessoas que vivem abaixo da linha da pobreza. Sabe-se que o desemprego, a violência, a insegurança e a fome são apenas algumas faces da miséria. E o povo brasileiro sempre conviveu com um cenário marcado pela fome e pela pobreza. Segundo o relatório de 2000 do Programa das Nações Unidas Para o Desenvolvimento, sobre a pobreza no planeta, "no Brasil a principal causa é a desigualdade e a péssima distribuição de renda". Esse problema vem se agravando devido ao baixo crescimento da economia, à informalidade do mercado de trabalho e ao desemprego. Com isso o Brasil ocupa um péssimo lugar no Índice de Desenvolvimento Humano-IDH. O resultado desse conjunto de desigualdades, segundo aquele relatório, mostra que "56,9 milhões de brasileiros permanecem na linha da pobreza e que 24,7 milhões de pessoas vivem na extrema pobreza". No caso do Brasil a ONU reconhece nossas dificuldades para solucionar os bolsões de miséria que englobam 600 municípios com 26 milhões de pessoas. Para alcançar os objetivos das Metas do Milênio, será necessário a partir de 2006, um investimento de US$ 135 bilhões anuais, que deverá crescer até US$ 195 bilhões em 2015. "Para efeito de comparação, os governos do mundo gastam US$ 900 bilhões ao ano em armas". A proposta da ONU "é para que os paises ricos invistam 0,7% de seu PIB no Programa de Erradicação da Fome e da Miséria que assolam os países do Terceiro Mundo". Parabenizamos a Organização das Nações Unidas por esse gesto de fraternidade e solidariedade humana. Contudo, temos a convicção de que no Brasil, poderíamos, internamente, resolver tais problemas se pudéssemos nos livrar da espoliação financeira a que nos submetem, há décadas, os mecanismos financeiros internacionais, como o FMI, o Banco Mundial e o Governo dos Estados Unidos. Infelizmente, o Projeto Político Brasileiro tem sido sempre um projeto anti-nacional destinado a perpetuar a hegemonia dos Estados Unidos que se baseiam na Doutrina de Segurança Nacional, no Sistema de Bretton Woods e no Consenso de Washington patrocinado, em 1989, pelo Banco Mundial, BID, FMI e o Governo Norte Americano, onde a política econômica para a América Latina foi decidida: "ampla abertura do mercado às importações, maior liberdade para os investidores externos, privatização das empresas estatais, redução dos direitos trabalhistas, etc.etc.etc". Uma estratégia que nos tem levado à imobilidade e à bancarrota, ao desemprego, à fome, à miséria e à submissão. Nossa dívida externa, na casa dos US$ 222 bilhões (novembro de 2004), nos obriga a um desenvolvimento medíocre. Estamos pagando, em média cerca de US$ 4 bilhões de juros e amortizações, por mês, em detrimento da fome e da miséria de nosso povo. De 1978 a 2004, pagamos US$ 200 bilhões a mais do que recebemos, e mesmo assim a dívida quadruplicou no período, de US$ 53 bilhões para US$ 222 bilhões. Nossos credores poderiam ser classificados como “agiotas internacionais” em virtude da taxa de juros praticada pelo Brasil para tais empréstimos. Já chegamos a pagar 49% de juros quando no mundo a taxa girava em torno dos 6%. Os juros praticados foram, em muitos casos, ilegais. Na década de 70, havia abundância de capitais no mercado financeiro internacional, o que levou os investidores a estimularem (com o apoio do FMI e do governo dos países credores) os países do Terceiro Mundo a tomarem vultosos empréstimos, alegando que as taxas de juros estavam baixíssimas: 6% ao ano. Quando todos os países em desenvolvimento estavam endividados, os credores, contrariando sua promessa de “excelentes condições de pagamento”, aumentaram unilateralmente as taxas de juros para mais de 20% ao ano. Se considerarmos as taxas de juros reais (ponderadas pelos preços dos produtos exportados com os quais pagamos a dívida), estas taxas, na verdade, saíram de 2,7% ao ano, na década de 70, para 19,9% em 1981; 27,5% em 1982, e 17,4 em 1983. Essas altas das taxas de juros foram impostas pelos países credores aos devedores como uma forma de repassar os custos da II Crise do Petróleo para o Terceiro Mundo. Com as altas dos preços do petróleo no final da década de 70, o Primeiro Mundo teve de pagar mais por esse produto. Para compensar essa perda, os países desenvolvidos transferiram a conta, através do aumento das taxas de juros, para os países endividados. Isso aumentou a nossa dívida de maneira absurda provocando, desde então, o baixo crescimento econômico, o desemprego, e o desvio de recursos estatais, humanos e produtivos para o pagamento dos altos juros para os credores. Esse processo obrigou o Brasil a realizar o “ajuste estrutural”, imposto pelo FMI, que se traduziu em desemprego e arrocho salarial na tentativa de reprimir a demanda interna, para diminuir as necessidades de importação e desviar os produtos nacionais para a exportação (ajuste esse que ocorre até os dias de hoje), ampliando assim o saldo comercial, que nos fornece os dólares para o pagamento dos juros da dívida externa. Essa situação nos leva, permanentemente, a drenar nossas riquezas para o Primeiro Mundo, na tentativa de pagarmos os crescentes juros de uma dívida que nos impede de atender as necessidades básicas de nossa população que, em pleno século XXI, ainda padece de fome, miséria e péssimas condições de vida. Nesse contexto, é de suma importância condenarmos a alta unilateral das taxas de juros, principal causa da insustentabilidade de nossa dívida. A respeito do aumento unilateral das taxas de juros, vale lembrar que o Artigo 38, do Estatuto da Corte Internacional de Justiça, aceito pelo Direito Internacional Privado, permite à Magna Corte recorrer aos Princípios Gerais de Direito reconhecidos pelas Nações civilizadas. Tais Princípios condenam sumariamente:

“...a usura e o abuso de direito, como os que constituem a excessiva oneração das prestações, a teoria do risco, a necessária equivalência das prestações, o enriquecimento ilícito, a boa fé, a finalidade objetiva do contrato, a lesão enorme, a equidade, a teoria da imprevisão, a co-responsabilidade dos credores, a inviolabilidade dos direitos humanos, em particular o direito à vida, etc. Os aumentos das taxas de juros também infringem normas consuetudinárias do direito internacional como a “Rebus Sic Stantibus” (locução latina que significa “o mesmo estado de coisas”) a que se refere o artigo 62 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 1969.” (Parlamento Latino Americano, 1999).

Segundo Hugo Ruiz Diaz, a Comissão de Direito Internacional (CDI) da ONU define que “um acontecimento imprevisto e exterior permite ao devedor alegar a incapacidade absoluta de respeitar sua obrigação internacional em virtude do princípio (...) de que ninguém paga [a dívida] que não possui”. A CDI nada mais fez do que “codificar uma prática e uma jurisprudência internacionais estritas e constantes” . Ainda segundo Diaz, o Comitê preparatório da Conferência para Codificação (ocorrido em Haia, em 1930) se pronunciou da seguinte forma:

“...a responsabilidade do Estado está comprometida se, por um dispositivo legislativo... ele suspende ou modifica o serviço total ou parcial (da dívida), a menos que esteja constrangido por dificuldades financeiras”. O autor prossegue, ressaltando a jurisprudência internacional que confirmou estes princípios. A Rússia, em 1917, anulou sua dívida alegando que seus países credores (França e Inglaterra) financiaram a guerra travada contra o país pela Alemanha, que deixou a Rússia sem recursos financeiros, com sua infra-estrutura industrial desmantelada, a sua economia em bancarrota, e condições sociais extremamente graves. Da mesma forma, a Turquia anulou sua dívida com a Rússia, em 1912, através da Corte Permanente de Arbitragem, alegando que se encontrava em condições financeiras de extrema gravidade, ocasionadas por fatores internos e externos. O que foi reconhecido pela própria Rússia, que assim abdicou do direito de cobrar a dívida. De igual modo, foi o caso da anulação da dívida que a Sérvia tinha com a França, em 1929. Essa última reconheceu o direito do devedor, de não pagar sua obrigação por estar impossibilitado por fatores imprevistos. Também há um precedente histórico que envolveu o Brasil, em 1928, quando o governo brasileiro se valeu dessa argumentação para pleitear a anulação de uma dívida com a França, argumentação esta acatada, mais uma vez, pela Corte de Arbitragem. Em 2003 o Relator da Comissão de Direitos Humanos, Jean Ziegler, com base em denúncias de ONGs alemãs de que na Argentina havia 8,7 milhões de indivíduos vivendo na extrema pobreza, intimou o governo argentino a dar explicações à Organização das Nações Unidas sobre essa e outras questões apresentadas pela ONU.

Quando, em 1964, os militares brasileiros, com o apoio dos Estados Unidos, derrubaram o governo legítimo de João Goulart, nossa dívida girava em torno de US$ 2 bilhões. Importante observar que o jornal The New York Times, de 03 de março de 1964, publicou a seguinte notícia: "Os Estados Unidos não mais punirão as juntas militares por derrubar Governos Democráticos na América Latina". Uma atitude onipotente e indigna de um país, que desde sua fundação tem defendido as liberdades democráticas e se coloca como o maior exemplo de democracia do mundo. Ressalte-se, ainda, que os USA reconheceram em 03.04.64, o novo governo militar brasileiro que sequer havia sido constituído! As informações sobre o apoio norte-americano à ditadura brasileira encontram-se disponíveis no setor de documentação histórica do Congresso americano (http://lcweb2.loc.gov/frd/cs/brtoc.html), Library of Congress Country Studies, na Biblioteca Lyndon Johnson no Texas, Lyndon Baines Johnson Library Museum. http://www.lbjlib.utexas.edu/johnson/museum.hom/museum_exhibit_pages/museum_exhibits/timeline/timegate.asp). Quando o regime militar brasileiro devolveu o país à democracia, em 1985, nossa dívida estava na casa dos US$ 100 bilhões. Apenas recentemente, no período de 1995 a 1999, pagamos US$ 75 bilhões de juros e US$ 120 bilhões de amortização, além dos juros políticos impostos pelos credores. Acreditamos que a prática de juros extorsivos, efetivada pelos mecanismos financeiros internacionais tem colaborado com o status quo, que nos levará a viver eternamente na condição de subdesenvolvimento. Temos pago a dívida com juros de espoliação, miséria, fome e morte. Quem paga US$ 14 bilhões de juros por ano, não tem como assentar famílias nos campos, não pode atender à saúde pública nem à educação, não pode cuidar de suas rodovias, não pode atender aos programas de saneamento básico, não pode criar empregos, não pode investir em segurança, não pode matar a fome de sua gente. A ONU foi criada para auxiliar o crescimento das nações e não pode permitir que sejamos espoliados por nações como os Estados Unidos que têm a benesse de emitir a moeda internacional sem o lastro abolido pelo Presidente Nixon em 1971. Diante do desinteresse de nossos dirigentes em apurar ou mesmo permitir uma auditoria de nossa dívida, rogamos à interferência de Vossa Excelência junto à Corte Internacional no sentido de agir onde a justiça nacional se mostra inoperante ou até mesmo conivente, e ao ECOSOC que cuida do progresso econômico e social das nações, para que apurem as causas que nos levam à condição eterna de país subdesenvolvido. Não nos custa repetir que a dívida externa força nosso governo a adotar políticas recessivas. Essas políticas por si só violam os direitos Humanos porque provocam, em cadeia, situações que geram afrontas à dignidade das pessoas. Os Empréstimos posteriores ao Regime Militar destinaram-se, basicamente, para pagar juros e fazer o re-escalonamento da dívida. Temos a convicção de que uma Auditoria Internacional irá comprovar a ilegitimidade, a ilegalidade de nossa Dívida Externa e que a mesma já foi definitivamente paga em função dos juros extorsivos. Quanto à ilegitimidade da dívida, gostaríamos de lembrar que ela foi contraída à revelia de qualquer participação popular ou discussão política; foi contratada para a manutenção do regime militar; prejudica a maioria em benefício de uma minoria rica e vem sendo paga com a fome de nossa gente. O que estamos solicitando à ONU é uma análise dos contratos da Divida. Um exame do mérito dos termos, das cláusulas e principalmente, das finalidades para as quais nosso governo recorreu aos empréstimos externos sem a participação de nosso povo. Temos para nós que se empréstimos foram feitos a um regime ditatorial, sem a necessária aprovação dos brasileiros, os credores foram co-responsáveis pela manutenção de um regime autoritário, políticamente inexperiente, em detrimento da democracia defendida ferrenhamente pelos Estados Unidos. A nosso ver um contra senso absurdo que poderia esconder interesses espúrios. A esse respeito citamos o ex-prefeito de Frankfurt, Rudi Arndt: "Acho que governos democráticos, na América Latina, não deveriam assumir a dívida contraída por regimes ilegítimos ou ditaduras". Neste ponto, cabe-nos citar o relatório de 1987, do Senado Federal Brasileiro, assinado pelo então senador Fernando Henrique Cardoso (que presidiu o Brasil de 1995 a 2002): “O engajamento dos países em desenvolvimento nesse processo foi possibilitado, obviamente, pelos bancos internacionais, que concediam os empréstimos; endossado pelo FMI, que acompanhava a avaliava, anualmente, as economias dos seus membros; e, encorajado pelos governos dos países credores, que deram apoio político à estratégia de crescimento econômico com financiamento externo. Torna-se evidente, desta perspectiva, que a crise da dívida externa do Terceiro Mundo envolve a co-responsabilidade dos devedores e dos credores.” (página 6) Rudolf Strahm, antigo conselheiro econômico junto à Conferência das Nações para o Comércio e o Desenvolvimento, demonstra como são cruéis e injustos os mecanismos que eternizam e aumentam a dívida dos países do Terceiro Mundo. Segundo esse autor “não há países desenvolvidos e países em desenvolvimento e sim economias dominantes e economias dominadas; economias que exploram injustamente outras economias e economias que são exploradas. A distância entre países ricos e países pobres só tende a aumentar. Esse é o maior escândalo de nossa era em matéria de Direitos Humanos. Uma afronta aos princípios humanitários defendidos pela ONU: "A fome como negação fundamental dos Direitos Humanos"! Relatórios da CEPAL - Órgão também ligado às Nações Unidas, mostram que apesar dos bilhões de dólares repassados aos países credores, a dívida ao invés de diminuir só tem aumentado. Jean Zielger, da Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas para o direito à alimentação, referindo-se à pobreza na Argentina, assim se pronunciou, em 2003, prometendo colocar o caso argentino na agenda da Assembléia Geral da ONU: “Tanto o governo argentino quanto o FMI, o Fundo Monetário Internacional são co-responsáveis por flagrante violação do direito à alimentação”. O Bispo francês D. Jacques Gaillot publicou em 1991 um livro onde afirmava que não era Sadam Hussein que ameaçava a ordem do mundo, mas que a grande ameaça à ordem mundial e à paz, advém das desigualdades extremas que se perpetuam nas relações internacionais. A escritora Susan George declara que a Dívida Externa é uma decisão calculada e sórdida dos donos do mundo. O Papa João Paulo II, em sua encíclica "Centesimus Anuns" afirma que “um Estado devedor não pode pagar a dívida com a fome do seu povo e que isso, por si só, a torna ilegítima”. Não poderíamos, também, deixar de citar representantes dos responsáveis pela existência de nossa dívida, que nos tornam dependentes e submissos aos países desenvolvidos: o ilustre, agraciado com o Premio Nobel da Paz, Henry Kissinger: "Nenhum dos maiores países devedores será capaz de, simultaneamente, pagar a sua dívida, conseguir o crescimento econômico e manter o seu equilíbrio político e social. Quando os devedores são obrigados a tomar dinheiro emprestado até para pagar os juros, chegamos a uma condição historicamente sem precedentes e politicamente insustentável, na qual os países em desenvolvimento se tornaram exportadores de capital". Eric Toussaint, historiador e cientista político, assim se refere sobre a Dívida Externa brasileira: "A dívida se paga, é pagável. O problema é que é inaceitável o pagamento da dívida. É escandaloso o povo pagar uma dívida que nunca contraiu. O tesouro utiliza os impostos pagos pela população para cumprir o pagamento. No Brasil, a arrecadação fiscal é uma das mais altas do mundo. Os mais pobres pagam impostos altíssimos quando compram combustível ou alimentos. Esse imposto que gera receitas, deveria ser investido em gastos sociais, como geração de empregos, investimento na saúde e educação. No entanto, serve para o pagamento da dívida externa. Isso é escandaloso, injusto e inaceitável. Uma dívida que já foi paga várias vezes, contraídas pelas ditaduras militares ou por regimes democráticos que pediram novos empréstimos para pagar a divida antiga. Isso não tem nenhuma legitimidade. A conclusão de um auditoria da dívida seria de que a dívida não é legítima". Poderíamos, ainda, citar o pensamento de Lord Harold Lever, ex-secretário de Finanças do Tesouro da Grã-Bretanha; Norman Gall, especialista americano em matéria de América Latina; Noam Chomsky, escritor americano e tantos outros pensadores e economistas internacionais, inclusive colaboradores da ONU, que defendem a tese da ilegalidade, da ilegitimidade e da exploração praticada na cobrança de juros de nossa dívida. Se Vossa Excelência perguntasse "por que não é o próprio Governo do Brasil que faz o Pedido de Auditoria de sua Dívida Externa", poderíamos responder que: · Nossas elites se opõem à sua realização porque obtêm lucro com nosso endividamento;

·Uma Auditoria interna sobre a dívida encontra-se prevista em nossa Constituição Federal desde 1988. Nossa Carta Magna, no Artigo 26 das Disposições Transitórias, prevê o exame analítico e pericial dos atos e fatos geradores do endividamento externo brasileiro. Contudo, já decorridos 17 anos, até hoje nosso Congresso Nacional não se dispôs a esse mister; o Congresso deveria cumprir essa missão no prazo de um ano, ou seja, até 1989;

·Nesse período, nenhum Presidente brasileiro se interessou pelo cumprimento das determinações constitucionais;

·O então Ministro do Planejamento, Guido Mantega descartou, em 2003,uma Auditoria da Dívida com a seguinte frase: "Não sei o que descobriríamos com ela!"

· Em 1999, na França, nosso atual Presidente chegou a afirmar: "ou pagamos dívida externa ou a dívida social do Brasil". Desnecessário dizer que depois de eleito sua preferência tem sido pelo pagamento da dívida externa. Para a dívida social tem elaborado propostas como o Fome Zero, o Primeiro Emprego, a Bolsa Escola, etc., cujos resultados deixam a desejar porque o povo brasileiro precisa, de fato, é do emprego inviabilizado pela recessão imposta pelos mecanismos internacionais.

Por tudo isso, lamentando a falta de interesse de nossos governantes consideramos que a ONU foi criada para cuidar do crescimento de todos os povos e não para apoiar dirigentes provisórios que desconhecem ou ignoram a necessidade de seu próprio povo. Lembramos, ainda, que no século 19 os EUA cancelaram a dívida de Cuba para com a Espanha, argumentando que ela era odiosa (Odious debt)! Que no início do século 20 a Costa Rica se recusou a bancar sua dívida com o Banco do Canadá. O caso foi levado a um Tribunal Internacional, cujo juiz, o americano Wiliam Howard Talf, deu razão à Costa Rica. Em 1º de julho de 2003, reportando-se ao Encontro Mundial sobre o Desenvolvimento Sustentável e à própria Declaração do Milênio da ONU, a Santa Sé solicitou a intervenção do Conselho Econômico e Social (ECOSOC) em favor do desenvolvimento rural sustentável: "O mundo contemporâneo está a viver numa paz frágil. Um número demasiado elevado de pessoas vive desprovido de esperança, desiludido com promessas feitas, mas não mantidas, enquanto continua a perder a confiança nos mecanismos internos e internacionais". Ressaltamos, ainda, que o G-8, o Banco Mundial e o FMI decidiram, em 11.06.2005, perdoar 100% das dívidas de 18 países pobres, objetivando reduzir a fome e a miséria mundial, em atendimento aos objetivos humanitários da ONU. Finalmente, ao solicitar que a ONU possa auditar a Dívida Brasileira, sob a fiscalização de entidades da sociedade civil, o fazemos dentro do princípio de justiça que deve prevalecer no mundo da economia. Princípio esse defendido pela Organização das Nações Unidas cujos propósitos visam o desenvolvimento de relações de igualdade de direitos entre as nações; da cooperação internacional para resolver problemas e da prevalência do Direito Internacional. Nosso pedido é um apelo aos princípios universais da justiça e da razão, uma vez que questionamos a moralidade de um sistema que enriquece os titulares de poupança muitas vezes ociosas a partir do empobrecimento do devedor exaurido. Se o dinheiro não puder ser útil para o objetivo maior da ONU que é, em síntese, proporcionar a felicidade e o crescimento do ser humano poderíamos considerar uma blasfêmia a expressão cunhada nas cédulas da moeda internacional:

"IN GOD WE TRUST".

À judiciosa consideração de Vossa Excelência,

Com o nosso mais sincero respeito e consideração.

Belo Horizonte, 31 agosto de 2005

Ivan Kardec Franco Movimento Nova Inconfidência Presidente em exercício

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