Por que Chávez venceu

Num texto especial sobre o referendo venezuelano, Tariq Ali sustenta: a vitória do presidente terá repercussões em toda a América Latina

Tariq Ali

A vitória de Chávez terá repercussões além das fronteiras do país. É o triunfo dos pobres contra os ricos e é uma lição que Lula, no Brasil, e Kirchner, na Argentina, deveriam estudar atentamente. O conselho de Fidel Castro, não o de Jimmy Carter, foi fundamental para levar o referendo adiante. Chávez depositou sua confiança nas pessoas, dando poder a elas, que responderam de modo generoso. A oposição apenas irá ficar mais desacreditada ao desconfiar do resultado.

As oligarquias venezuelanas e seus partidos, que foram contra esta Constituição em um referendo (tendo antes falhado em derrubar Chávez através de um golpe bancado pelos EUA e por uma greve petroleira liderada pela burocracia sindical corrupta) agora o utilizaram para tentar livrar-se do homem que fez avançar a democracia na Venezuela. Eles falharam. Apesar de seu choro e angústia, na verdade todo o país sabe o que aconteceu.

Uma série de vitórias nas urnas

Chávez derrotou seus adversários democraticamente e por quatro vezes seguidas. A democracia na Venezuela, sob os revolucionários bolivarianos, surgiu em meio a um sistema corrupto de dois partidos favorecidos pela oligarquia e seus amigos ocidentais. E isto ocorreu apesar da total hostilidade dos donos da mídia privada: os dois jornais diários, Universal e Nacional, assim como os canais de TV de Gustavo Cisneros e a CNN não fizeram esforços para mascarar seu apoio à oposição.

Alguns correspondentes estrangeiros em Caracas convenceram-se de que Chávez é um caudilho opressor e estão desesperados para transformar suas fantasias em realidade. Eles não conseguiram fornecer provas da existência de prisioneiros políticos. Nada de prisões estilo Guantánamo ou de remoção de executivos de TVs ou de editores de jornais.

Há poucas semanas tive, em Caracas, uma longa conversa com Chávez. Fomos do Iraque a pormenores da história da Venezuela e ao programa bolivariano. Ficou claro para mim que Chávez não está tentando nada além de criar uma democracia social radical na Venezuela, que dê poderes aos setores mais baixos da sociedade. Nestes tempos de desregulamentação, privatização e modelos políticos anglo-saxões, os objetivos do presidente parecem revolucionários, muito embora suas medidas não sejam diferentes das apresentadas pelo Partido Trabalhista britânico no pós-guerra. Um pouco do lucro do petróleo gasto para dar saúde e educação aos pobres.

Um pouco menos de um milhão de crianças de favelas e vilas pobres agora têm educação de graça; 1,2 milhões de analfabetos aprendem a ler e escrever; o ensino secundário está ao alcance de 250 mil jovens, que não tinham este privilégio antes devido a seu status social; três novos campus universitários entraram em funcionamento em 2003, e a eles se agregarão outros seis até 2006.

Saúde, Educação, Moradia

No que se refere a saúde, 10 mil médicos cubanos, que foram enviados para ajudar o país, têm mudado a situação em locais pobres, onde clínicas de bairro foram abertas com um orçamento de saúde triplicado. Adicione-se a isso o apoio financeiro aos pequenos negócios, as novas casas construídas para os pobres, a lei da reforma agrária que foi assinada e levada adiante apesar da resistência (legal ou violenta). No final do ano passado, 2,26 milhões de hectares haviam sido distribuídos para 116.899 famílias. As razões para a popularidade de Chávez são óbvias. Nenhum regime anterior tinha este comprometimento com os pobres.

Mas não se trata de uma mera divisão entre ricos e pobres, é também uma questão de cor de pele. Os chavistas tendem a ter a pele mais escura, refletindo seus ancestrais escravos e índios. A oposição tem pele mais clara e alguns de seus apoiadores mais abjetos chamam Chávez de "macaco preto". Um teatro de bonecos com um macaco fazendo o papel de Chávez foi montado na embaixada dos EUA em Caracas. Mas Colin Powell não achou graça e o embaixador teve de pedir desculpas.

O argumento sustentado em editorial hostil do The Economist esta semana chega a ser bizarro. Segundo a revista, tudo isso foi feito para ganhar votos. Na verdade, é o contrário. Os bolivarianos querem o poder para que verdadeiras reformas possam ser implementadas. E tudo o que as oligarquias têm a oferecer é mais a volta ao passado e a remoção de presidente. A cobertura da Venezuela no The Economist e no Financial Times consistiu em argumentos pró-oligarcas. Raras vezes repórteres responderam, no cumprimento de suas atividades, de modo tão pouco crítico às vontades dos proprietários dos veículos onde trabalham.

Em vez do dogma, a revolução

É ridículo sugerir que a Venezuela está à beira de uma tragédia totalitária. É a oposição que tenta levar o país nesta direção. Os bolivarianos têm se mostrado incrivelmente contidos. Quando perguntei a Chávez sobre sua filosofia, ele respondeu:

"Não creio nos postulados dogmáticos da revolução marxista. Não aceito que estejamos vivendo um período de revoluções proletárias. Tudo isso precisa ser revisto. A realidade nos diz isso todos os dias. Estamos buscando na Venezuela a abolição da propriedade privada e a sociedade sem classes? Não creio. Mas se me disserem que por causa dessa realidade não se pode fazer nada para ajudar os mais pobres, as pessoas que tornaram esse país rico através de seu trabalho -- sem esquecer que alguns fizeram trabalho escravo --, para eles eu digo: 'Aqui nos separamos'. Nunca aceitarei que não possa haver redistribuição de renda na sociedade. As classes mais abastadas não gostam nem mesmo de pagar impostos. Está é uma razão pela qual me odeiam. Nós dizemos: 'vocês precisam pagar seus impostos'. Eu acredito que é melhor morrer na batalha, ao invés de levantar uma bandeira revolucionária pura e não fazer nada. Faça sua própria revolução. Vá ao combate: avance, mesmo que seja um milímetro, na direção certa -- ao invés de sonhar com ilusões".

Foi por isso que ele venceu.

Publicado em www.planetaportoalegre.net: 17/08/2004

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