Curta história alegórica sobre a realidade do conflito no Iraque

É o sexto aniversário do Sharif. A família juntou-se em Bagdade, os bolos e os doces estão na mesa, há sumo, até há uma garrafa de Coca-Cola, enviada por uma tia em Amã e há um grande bule de chá no centro da mesa. Todos estão felizes, sorrindo. Sharif vira-se ao seu avô, e diz “Tenho seis anos...”

Antes que ele possa dizer”...agora”, ouvem um som algures por cima deles, como se fosse um vulto pesado a entrar no edifício, seguido de perto por uma explosão devastador e um clarão brilhante. Tudo passou numa fracção de segundo, que parecia meia eternidade. Os ouvidos do Sharif, os tímpanos rebentados pela explosão, deitam sangue, o rapaz só ouve os sons da tontura na sua cabeça, tentando compreender o que aconteceu.

Tossindo, tremendo, um formigueiro geral o envolve como um invólucro. Através da neblina de cimento e poeira e o fedor de cordite, ele vê o seu tio Taha vindo a cambaliar, o seu rosto enegrecido, coberto de sangue. Sharif olha para o tio e emite um grito estridente, que estilhaça o silêncio e faz eco na vizinhança, onde os feridos estão a começar a emergir dos destroços. Não muito longe, ouve-se a voz dum ancião: “Allaaaaaahu Akhbar! Allaaaaaahu Akhbar! (Deus é Grande).

Tio Taha diz ao Sharif que tem de ser corajoso e põe os seus braços a volta dele, pegando o rapaz perto do peito dele para abafar os seus gritos. “Onde está o Papá?” “Onde está a Mamá?” soluça, o desespero na sua voz traindo o terror crescente que acompanha a realização do que aconteceu. Antes que o tio Taha possa responder, Sharif vê a mão do seu pai, Rashid. Está por baixo dum monte de detritos, por cima da tampa da garrafa de Coca-Cola. Reconhece o relógio que ele comprou para o seu pai, com o dinheiro que a mãe lhe dera. Lembra-se do sorriso do pai quando lhe entregou o relógio, lembra-se dos longos caminhos pelas ruas da cidade, a sua maozinha, confiante, naquela mão grande, forte, confortável, firme, seguro...

“Papá!” Puxa a mão, esperando desesperada e inocentemente que o seu pai irá seguí-la, saindo intacto por debaixo da poeira de gesso e tijolos. Taha tapa os ouvidos ao ouvir o grito, tão horrífico como o terror nos olhos deste rapaz inocente de seis anos. Taha fecha os olhos quando vê a mão carbonizada e parte do antebraço de Rashid nas pequenas mãos de Sharif.

“Allah Tenha Piedade!” grita ele, apressando-se a colocar o corpo dele entre o aniversariante e outra aparição que acaba de ver – o corpo da mãe de Sharif, meio-nu, um estilhaço de vidro de vinte centímetros saindo do ventre, coberto pelo sangue que ela vomitou

Na parede, um cartão de anos, em inglês, enviada pelo seu primo Ali, de Norfolk, Virginia. “Espero que tenhas um dia que nunca vais esquecer!” Não muito longe de Ali, George W. Bush e Donald Rumsfeld inauguram uma fábrica militar. As suas cabeças viradas para a bandeira dos EUA, as palmas da mão direita ao coração, cantam, de viva voz, “Deus Abençoe a América!”

Rumsfeld vai falar do sucesso da sua campanha e os alvos destruídos e Bush irá proferir um discurso acerca da campanha “Corações e Mentes” para ganhar a confiança do povo iraquiano.

Taha e Sharif saem dos destroços do seu sexto aniversário. Na mesa, orgulhoso, sozinho, quase sem marca, o grande bule de chá.

Parabéns, Sharif...

Timothy BANCROFT-HINCHEY PRAVDA.Ru

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