Eurovisão: Onde a política e a cultura entram em conflito

Pela primeira vez nas 47 edições deste festival de música ligeira, o Reino Unido não recebeu um único voto, e pela primeira vez, uma assistência pública vaiou um concorrente cada vez que ganhou pontos, neste caso, TATU, a dupla russa.

Os que já trabalharam atrás das cenas da Eurovisão sabem que tem a ver com música, mas não exclusivamente. Também tem a ver com contratos entre os editores e há muito trabalho feito atrás de portas fechadas ainda antes que a primeira canção sobe ao palco.

A actuação tecnicamente fraca do duo do Reino Unido foi dura para os ouvidos dos ouvintes. Porém, o elemento político não deve ser esquecido. Um estudo cuidadoso da votação indica que certos grupos de países em certas áreas geográficas votam uns pelos outros, para países amigos e vizinhos. Neste contexto, os zero pontos ganhos pelo Reino Unido têm um significado especial, dado o protagonismo deste país no conflito no Iraque.

A votação a zero foi uma tradução do choque e pavor sentido pela comunidade internacional, em resposta ao flagrante desrespeito pela lei internacional e a campanha assassina e ilegal deste país, fora da autoridade da ONU. Se os EUA tivesse estado presente em Riga, ter-se-ia juntado ao Reino Unido no fundo da tabela.

Houve em Riga uma expressão clara e distinta da opinião pública na primeira oportunidade que essa teve de se exprimir: um cartão vermelho, com a mensagem “Nunca mais. A próxima vez, utilizam o Conselho de Segurança da ONU”.

Também pela primeira vez, uma assistência de espectadores no Festival de Canção da Eurovisão demonstrou uma abominável falta de fair play e desportivismo, o público letão provando de viva voz que tem uma ausência colectiva de boas maneiras, provando-se ser a assistência mais grosseira que alguma vez foi anfitrião duma festival Eurovisão. Uma vergonha.

Os berros de desgosto que a dupla russa, TATU, recebeu cada vez que ganhou pontos pela sua canção “Ne ver, ne bojsia” (que terminou em terceiro lugar, três pontos atrás de Sertab Erener da Turquia, cuja canção “Every way that I can” venceu, e bem) teria sido normal entre um bando de hooligans num claque de futebol, não num evento cultural deste tipo.

Não importa se esta demonstração de falta de maneiras, essa desagradável arrogância foi devido ao facto da dupla TATU serem russas, ou lésbicas.

A audiência letão provou-se a si própria e aos milhões de telespectadores, que no futuro, seria preferível relocalizar eventos culturais a terem lugar em Riga, para São Petersburgo ou Moscovo, onde o público tem o nível de educação, etiqueta e valores culturais para ser anfitrião dum evento cultural e portar-se como deve ser. Ser anfitrião envolve portar-se como tal e o anfitrião que insulta os seus convidados, em público, merece todo o criticismo que recebe.

Sejam ou não lésbicas as TATU e sejam as cenas de beijos chamariz ou não, estão abertas a reações. Contudo, se é que essas duas moças se amam e têm a coragem de assumir a sua relação em público, e recebem um grande número de votos dos juris a volta da Europa, não cabe ao público anfitrião vaiar e apupar como uma cambada de rufiões, pangaios e ignorantes, que se provaram ser.

Timothy BANCROFT-HINCHEY PRAVDA.Ru

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