Bowling for Columbine - Documentário americano põe em foco a posse de armas nos Estados Unidos

Segundo os jornais franceses, após a projeção o filme foi ovacionado durante quase meia hora. Atualmente, o filme está cartaz em várias cidades dos dois lados do Atlântico e tem conseguido uma boa bilheteria.

Convém lembrar que o documentário, em geral, é um gênero pouco comercializado – os documentaristas vivem sobretudo de encomendas das televisões públicas. Esperemos que os ventos estejam mudando e que a curiosidade do público pelo mundo que o cerca esteja aumentando um pouquinho. De todo modo, uma das explicações para o interesse que este documentário vem despertando na Europa e nos Estados Unidos é o fato de aliar informação, crítica social e muito bom humor.

O diretor Michael Moore, de 48 anos, é um jornalista "de esquerda" bem conhecido nos EUA. Ele já vinha acalentando a idéia de fazer um filme sobre a banalização da posse de armas e da violência civil em seu país há alguns anos, desde que começou a perceber que o NRA, movimento inicialmente voltado para a segurança em matéria de armas de fogo, torna-se cada vez mais um conglomerado de pessoas agressivas e muitas vezes racistas, pregando a liberdade absoluta na compra e no uso de pistolas, metralhadoras e congêneres. O clique final na cabeça do jornalista veio após o trágico episódio de Columbine, no qual dois adolescentes – um com 11 outro com 13 anos - atiraram furiosamente contra seu colegas e mestres (com armas possuídas legalmente por adultos das famílias respectivas).

Inicialmente, Michael Moore pensou em se lançar numa campanha contra a candidatura do fanático Charlton Heston para a presidência do NRA. Chegou a comprar o título vitalício da associação, por 750 dólares, necessário para poder prôpor a sua candidatura. Mas acabou percebendo que demoraria muito tempo para – eventualmente - se eleger. Decidiu, então, abordar o problema por meio de um documentário. Como o próprio diretor definiu, na revista Time: "trata-se de um filme que indaga por que somos tão violentos uns com os outros e porque tendemos a exportar grande parte desta violência mundo afora. No mais, somos um povo bem bacana".

"Bowling for Columbine" reúne entrevistas, desenhos, trechos de noticiários, cenas filmadas pelo circuito interno da escola no dia do massacre e, como cerejas em cima do bolo, provocações ao vivo. As provocações têm caráter militante, como quando o documentarista leva dois sobreviventes de Columbine, um deles paraplégico, à mega loja Wall Mart. Os três afirmam que vieram devolver um produto comprado ali: as balas que até hoje estão alojadas nos corpos dos garotos. Destratados pela gerência do Wall Mart, chamam a imprensa e acabam conseguindo que a firma se comprometa publicamente a não vender mais munição.

Uma das questões principais levantadas por Moore refere-se à(s) causa(s) por trás de tragédias como a de Columbine. Na época do episódio, o roqueiro Marilyn Manson virou bode expiatório e teve que anular vários shows. Outros acusaram os video-games de ação pelo ocorrido. Moore não acredita neste tipo de explicação simplista e daí vem o título irônico "Bowling for Columbine": os dois assassinos-mirim, Dylan e Eric, tinham tido treino de boliche no dia do massacre. No entanto, ninguém acusou essa modalidade esportiva pela crescente violência nos Estados Unidos... O diretor do filme quis sugerir, com esse título, que é tão ingênuo e equivocado acusar o roqueiro Manson como seria acusar o jogo de boliche.

Quais seriam, então, as verdadeiras explicações para tais chacinas nos Estados Unidos? Na busca de respostas, o documentarista percorre três caminhos diferentes. Em primeiro lugar, denuncia a facilidade com que se podem comprar munição e pistolas nos Estados Unidos, além da glamourização da indústria de armamentos. Uma cena tragicômica se passa no North Country Bank, banco com filiais por todo o estado de Michigan que oferece uma arma de brinde para qualquer cliente que abra uma conta poupança. Em outra passagem do filme, os pais de alunos da Columbine High School contam que continuam a trabalhar, orgulhosos, na fábrica de mísseis da vizinhança.

Em segundo lugar, o filme critica o superdimensionamento da violência na televisão e nos jornais americanos, o que acabaria por gerar um pânico geral que inscita à aquisição de armas de fogo. As taxas de criminalidade vem caindo, nos Estados Unidos, desde 1990, não obstante dois terços dos americanos afirmam se sentir permanentemente ameaçados – e isso, mesmo antes do atentado 11 de setembro. É nesse sentido que Michael Moore interroga "por que, numa pesquisa de 1997, com as taxas de crime em declínio, metade da população discordava da afirmação de que o problema da criminalidade começava a ser enfrentado? Nossos medos não tem razão objetiva, na maioria das vezes. São suscitados pelo espaço que a mídia concede à violência, movida pelo desejo de ganhar pontos na audiência".

Um terceiro caminho no qual o documentário se aventura – embora mais timidamente - é o das desigualdades sociais, não atenuadas por nenhum tipo de previdência ou de assistência pública, nos Estados Unidos. Não por acaso, muitas das crianças que cometem atos violentos pertencem a famílias paupérrimas e passam o dia todo sozinhas. Michael Moore levanta todas essas hipóteses, mas na verdade não fecha com nenhuma delas. Não consegue dar uma explicação convincente, por exemplo, para o fato tantas vezes mencionado no filme de que no vizinho Canadá – com as mesmas leis sobre posse de armas - o índice de acidentes com armas é nulo. Enfim, o filme cutuca, faz pensar, mas deixa o espectador sem respostas ou propostas claras.

Na verdade, o que talvez mais impressione sejam as risadas ecoando na platéia, em se tratando de um documentário tão cheio de denúncias. Isso de deve em parte ao estilo debochado de Michael Moore, que não contém a língua nem ao lidar com pessoas poderosas ou perigosas. Mas as gargalhadas (talvez de nervoso?) são geradas também pela perplexidade diante de alguns depoimentos tão absurdos, reacionários e sem senso de realidade, que dão medo. Para não estragar as surpresas do filme, citemos apenas o depoimento do fazendeiro de tofu James Nichols, irmão do legendário terrorista Unabomber. Após mostrar a pistola Magnum 44 com a qual dorme toda noite, Nichols declara que, embora ninguém que ele conheça tenha sofrido qualquer tipo de ameaça, "felizmente a constituição americana permite a posse de armas como forma de defesa individual", completando com a pérola: "apenas as bombas atômicas não devem ser autorizadas, pois há muito louco por aí". Nesse ponto ele está certo.

Ilana GOLDSTEIN PRAVDA.Ru

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