Café com Pão

Tenha fome!

Dia desses, fui tomar café na casa de uns amigos. Chaleira no fogo, comia umas bolachas de água e sal e, em função da fome, escapou-me por várias vezes expressões como "hummm, que delícia!", até ouvir o amigo Antônio citar "a fome é o melhor tempero", o que me abriu o apetite para mastigar a questão das várias fomes no Brasil.

Em nosso país há muita fome de justiça, esperança, cultura e, claro, a fome de comida mesmo. Esta, aliás, encontrou em Betinho a definição mais condizente com nossa realidade: "a fome é um crime ético", ensinou-nos o sociólogo. A meu ver, esta fome existe não porque não possa ser resolvida, mas pelas obscuras vantagens políticas e econômicas de sua existência. Ela, meus caros, engorda o poder.

Mas há também a fome de cultura, que garante mais qualidade de vida e cidadania ao operário, ao contrário de votos a nefastos poderes. Só ela realmente alimenta nossa vida e nos permite maior comunhão para com o gosto do pão que se mastiga, do livro que se lê, do estudo que se busca, pois – lembrem Rubem Alves – saborear um alimento é sabê-lo, quanto mais consciência sobre o que a leitura representa, mais saborosa ela se torna.

Não há nenhum acaso no quadro social brasileiro: pesquisa publicada no jornal O Estado de São Paulo (09/09/03) mostra que 67% dos brasileiros são analfabetos funcionais. Para quem não sabe, analfabeto funcional é a pessoa com grandes problemas em ler, escrever e, principalmente, interpretar um texto. Parece pouco? Bom, nesse caso você potencializa ser um analfabeto funcional (não me leve a mal) e, mais perigoso ainda, o analfabeto político tão detestado por Bertold Brecht. Alimente-se!

Perceba-se, por fim, a relação com a frase inicial: se a fome é o melhor tempero, pois nos permite sentir mais sabor/saber no que nos alimenta, a falta de fome pela leitura, cultura e conhecimento nos acostuma à ração estragada servida como ensino "público, gratuito e de qualidade" na maioria de escolas e universidades brasileiras. Para nos acostumar a uma vida amarga, com mais deveres e sabor nenhum.

Tony R. M. Rodrigues*

* "Tony Roberson de Mello Rodrigues é escritor brasileiro, autor de Lágrimas Lapidadas (1998) e verso que te quero povo (2003). Colabora com jornais do Brasil e do mundo e escreve a coluna Café com Pão para publicaÇão no Pravda sempre às segundas-feiras, tratando sempre de assuntos ligados à importância da leitura e do conhecimento como fontes de inclusão e libertação social."

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