Berlim não rendeu prémios para cinema russo

A 55ª edição do Festival Cinematográfico de Berlim não trouxe prémios ao cinema russo (salvo uma excepção). Contudo, nunca antes na Berlinale haviam sido exibidos tantos filmes russos (9).

Primeiro, no concurso principal participou Aleksandr Sokurov com o filme "Sol". No programa de cine experimental, Tatiana Detkina estreou-se com a fita "O Brincalhão". No "Panorama" foi apresentado o filme "Marte" de Anna Melikian e no concurso de curta-metragens foram exibidos "A Certidão de Óbito" de Kira Muratova e "O Fotógrafo Amador" de Irina Guedrovitch. No concurso de filmes infantis participou "O Italiano" do realizador de São Petersburgo Andrei Kravchuk, e na secção juvenil foi apresentado o filme "Cidade Sem Sol" de Serguei Potiomkin. Além disso, foram exibidas mais duas obras russas: o completamente restaurado "Couraçado Potemkine" com a introdução de Trotski e a versão renovada da "Primavera" de Aleksandrov.

Finalmente, no Dia do Cinema Russo, o público de Berlim teve a oportunidade de ver o famoso "blockbuster" de Timur Bekmambetov "Patrulha Nocturna".

Apesar desta participação representativa, a Rússia praticamente não obteve quaisquer prémios.

Como explicar este fenómeno?

Deixemos do lado o filme de Sokurov sobre o imperador do Japão Hirohito e falemos da Rússia de hoje.

Creio que a imagem da Rússia apresentada nos ecrãs já não satisfaz nem o público, nem a elite e a imprensa, nem os críticos de cinema ou membros do júri. Ela já causa algum cansaço.

Apesar da declarada diversidade de temas, todos os filmes referidos pintam em tons escuros uma imagem praticamente igual da Rússia como país da sociedade degradada, desenfreio de vícios e pessoas anormais. Por exemplo, no filme "O Brincalhão", o jovem guarda Pachka, enraivecido contra os donos da casa de campo onde trabalha, faz uma bomba caseira e mete-a dentro de um ursinho de peluche, brinquedo predilecto do filho dos patrões, Vaska. Durante todo o filme o espectador espera que a bomba expluda e despedace a criança. Um espectáculo não recomendado às pessoas de nervos fracos...

O curta-metragem de Muratova, com a duração de apenas sete minutos, apresenta um episódio da vida russa - um homem precisa da certidão de óbito da mãe, enquanto a enfermeira que deve passar este documento precisa... de um homem. Esta situação transforma-se numa farsa absurda.

No filme "Marte" o enredo desenvolve-se numa cidade russa chamada Marx onde abundam a vodca, a sujidade e a brutalidade, mas falta o dinheiro e os trabalhadores recebem, em vez do salário, artigos produzidos na fábrica local de brinquedos: coelhos, crocodilos, ratos.

O cúmulo deste inferno foi o filme "Patrulha Nocturna", que mostra Moscovo como uma cidade de psicopatas, vampiros e pessoas que gostam beber uns copos de sangue fresco de porco acabado de abater. O realizador Bekmambetov ressaltava nas conferências de imprensa que, ao rodar uma história sobre vampiros, queria em primeiro lugar criar uma impressão de realidade dos acontecimentos filmados.

Pelos vistos, ele conseguiu este objectivo. No seu filme, Moscovo causa verdadeiro asco. Entretanto, os habitantes actuais de Moscovo de hoje não reconhecem a sua cidade como ela é mostrada na fita - trata-se mais de uma imagem dos anos 90.

Enquanto os nossos artistas apostam na deturpação da imagem da Rússia, os prémios são recebidos por aqueles que apostam no optimismo.

O Urso de Ouro, grande prémio da Berlinale, foi atribuído à película musical "U-Carmen eKhayeltisha", a versão sul-africana da ópera "Carmen", dirigida pelo realizador Mark Dornford-May. Esta é uma história viva sobre o amor de uma Carmen negra. Este musical enérgico tornou-se um hino ao temperamento africano e à força vital do continente negro, que transformam a pequena localidade morta de Khayeltisha num paraíso de paixão.

Entretanto, a situação real na África do Sul está longe da mostrada no filme e a vida não é tão fácil como parece. Mas, contudo, o prémio pelo melhor filme foi entregue a este trabalho.

O pequeno êxito russo em Berlim também está ligado à tonalidade optimista.

A única fita russa destinguida no festival foi o filme de Kravtchuk "O Italiano". Apesar de tradicionalmente ter sido escolhido um enredo lúgubre - as desgraças de pequenos órfãos que são adoptados por bons italianos - o filme irradia ternura e amor.

A nossa última vitória de nível mundial no festival de Veneza no ano passado - o filme de Andrei Zviaguintsev "A Despedida" - fala também sobre a tragédia de um pai e dos filhos abandonados. Mas a força e beleza moral que cada centímetro da fita transmite conquistaram todos.

Resumindo, enquanto os nossos cineastas não entenderem que a comunidade mundial está cansada da imagem de um país patológico e rejeita instintivamente o negativismo russo, a Khayeltisha "negra" da África do Sul será sempre preferida à imagem deturpada da Moscovo "branca".

Anatoli Koroliov observador político RIA "Novosti"

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