A reaparição de Vladimir Sorokin

Na cultura russa ocorreu um acontecimento que, por enquanto, passou por muitos despercebido: o interna e internacionalmente conhecido escritor Vladimir Sorokin, tendo fugido, por algum tempo, aos olhos do público, reapareceu na qualidade completamente nova.

Poucos se interessaram em saber onde poderia ter estado Sorokin quando se desenrolava o escândalo em torno da ópera "Filhos de Rozental", com o libreto de autoria de Sorokin, levada à cena no Teatro Bolshoi. Naquele momento, Sorokin, considerado um dos cinco mais conhecidos escritores russos no estrangeiro, estava na França, onde foi recebido no Palácio Eliseu pelo Presidente francês, Jacques Chirac. Depois, pode ter-se escondido da imprensa na Alemanha de que gosta muito e onde se preparam para a reedição algumas das suas obras anteriores ou, como dizem fontes fidedignas, pode ter-se fechado na sua casa de campo, cujo endereço só é conhecido a um círculo restrito de pessoas, a escrever um novo romance.

A imprensa e a crítica, saboreando os escândalos em torno do escritor, não notaram que Sorokin rompeu com a sua obra anterior. Sorokin, na sua condição anterior, não existe mais e quer anunciá-lo em voz alta, mas não é ouvido.

"Transformei-me do metafísico hegeliano em metafísico neoplatônico" - diz o escritor. Como devemos entendê-lo?

Poucos se lembram de que Vladimir Sorokin, de 50 anos, começou sua carreia laboral como artista gráfico, como ilustrador de livros soviéticos, no qual era difícil naquela altura descobrir traços do futuro inovador. Estreou na literatura com poesias publicadas em 1972 no jornal do sector petrolífero "Za kadry neftiannikov". O começo bastante prosaico.

Só quando se juntou como terceiro elemento ao grupo "EPC" (Erofeev, Prigov, Sorokin) transformou-se de repente em monstro literário. Uma outra circunstância, também pouco lembrada: naquela altura, Sorokin gaguejava e não podia ler em público as suas obras. Dmitri Prigov lia-as por ele. Mas o que ele escrevia era extraordinário e o seu nome tornou-se rapidamente muito conhecido. Inicialmente, os seus textos circulavam por Moscovo em folhas dactilografadas. As primeiras publicações foram feitas no estrangeiro. Só com o advento da "perestroika" foi possível editar, em 1992, a primeira colectânea de novelas de Sorokin na Rússia.

Hoje, passados 13 anos desde a edição daquele livrinho, podemos dizer com certeza que a "Colectânea de Novelas" de Vladimir Sorokin acabou com o fenómeno da literatura soviética. O seu efeito poder ser equiparado ao tiro do cruzador "Avrora". O escritor examina sob uma fortíssima lupa as moléculas da carcaça ideológica da URSS, dissecando a literatura ideológica do partido comunista por meio de paródias.

Com o tempo, verificou-se um outro traço marcante das obras em prosa de Sorokin. Elas não podem ser relidas, pois não são textos literários, mas sim, uma série de experiências intelectuais; o seu objectivo não é um tema concreto, antes a vivissecção da razão do leitor. Sorokin destrói os pilares éticos da humanidade, o seu objectivo é causar prejuízos irreparáveis ao seu subconsciente. Claro que uma literatura assim não pode deixar de causar escândalos: o subconsciente tenta resistir à vivissecção.

Neste estranho caminho de reforma de todos os ideais, Sorokin criou uma série de obras implacáveis: "A Fila", "A Norma", "O Romance", "Os Corações dos Quatro" e outras, depois das quais não apetece viver e nas quais a verdade atinge o seu ponto máximo.

É neste sentido que se deve compreender o seu interesse por Hegel que colocou objectivos semelhantes à sua filosofia: pôr um ponto final na evolução do pensamento humano, resolver por si mesmo todas as questões fundamentais e abolir assim o conhecimento.

De repente um toque de vara mágica altera tudo!

Nos seus últimos romances: "O Gelo" e "O Caminho de Bro" e no libreto da ópera "Filhos de Rozental", Sorokin rompe com a sua obra anterior e disse que a sua nova obra pede desculpas pelo maximalismo do seu negativismo.

Tornei-me neoplatónico - disse Sorokin no Salão do Livro em Paris (o filósofo Platão adorava a raça humana).

As críticas contra a ópera "Filhos de Rozental" acabarão em breve porque "eu e Leonid Dessiatnikov fizemos uma coisa boa, digna do Teatro Bolshoi e de outros teatros. Acredito que as pessoas normais gostarão da ópera". Antes Sorokin não usava tais palavras, pois considerava que não existia um conceito mais comprometido do que o de "normal" que ele disseca no romance "A Norma". Mas isso foi no passado. Sou outra pessoa, insiste Sorokin, mas a comunicação social não quer largar o brinquedo de estimação e não quer ouvir nem notar o escritor renovado. Do mesmo modo não quer ver que das suas obras desapareceram grosserias. Os defensores da moral acusam a ópera, sem ouvi-la, de pornografia. Não tem nada de porno. Assistimos na verdade a uma narração delicada dos destinos dos filhos clones que perderam o seu pai. É mesmo outro Sorokin.

O futuro dirá se conseguirá Sorokin persuadir o público. Tudo é contra ele: a sua reputação, os seus livros e peças e, finalmente, o seu nome.

Anatoli Koroliov observador político RIA "Novosti"

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