Olhem para o MacGyver

Criou-se este imaginário de que qualquer sociedade alienígena de meia-tigela é absolutamente à frente de nós, tanto intelectual quanto tecnologicamente. Algo como uma raça superior, que provavelmente assim é porque nunca a vimos.

É como na Terra, onde se tem a mania de admirar apenas quem está longe. Elimina-se desta forma o risco de pequenas decepções, como ficar sabendo, por exemplo, que a Malu Mader também vai ao banheiro. (shhhhh!!! Não espalha!)

Os terráqueos já tiveram muitas experiências com as ditas “raças superiores”, conseqüência lógica na disputa entre nacionalismos exacerbados, logo desmistificada pela História. Hitler foi o último grande líder da política institucional que conseguiu a façanha de driblar a biologia e convencer um monte de marmanjos de que suas teses eram reais.

Quase que paralelamente, os americanos decidiram roubar a cena do nazismo, admitindo a eficiência dos métodos de Hitler, mas decididos a não colocá-los em prática de forma tão brutal. Em outras palavras, não tão rápido.

Já no começo do século XX, o decano dos jornalistas americanos, Walter Lippmann, já estava elaborando de forma magistral os primeiros passos das novas técnicas de propaganda norte-americana. Reconhecia, entre outras coisas, o valor da Cultura para a nossa sociedade, coisa que a esquerda demorou anos para entender e até hoje tem dificuldade.

Foi mais ou menos desta forma que os Estados Unidos, de forma notável a partir dos anos 40, começaram a investir pesado na indústria cinematográfica. No intervalo de apenas 20 anos, os governantes americanos conseguiram transformar uma população extremamente progressista — e que não via motivos para entrar em uma guerra européia — em um verdadeiro “rebanho assustado”, como descreveu Noam Chosmky.

Por meios biológicos, diziam, não é possível afirmar que somos melhores. Mas por meios culturais, já dizia Marx, podemos dominar a “classe” de espectadores que nada tem a ver com a política. Somos nós, da “classe especializada” em mandar, que determinamos as regras. Vocês, que não entendem disso, devem escolher alguém da classe especializada. No máximo, como aconteceu recentemente, alguém que saiba se especializar devidamente. Como nós.

É nesta lógica que emerge toda a grande produção cinematográfica norte-americana. O alienígena que pode tudo — realizando inclusive o conserto de cafeteiras e vasos quebrados — era encarado com uma ficção inútil. Puro entretenimento.

Não era, portanto, suficiente. Necessário era criar figuras que pudessem ser facilmente identificadas com o povo, já que o povo é, para o bem ou para o mal, o grande alvo das ações políticas. Poderíamos ficar horas citando os garotos-propaganda da indústria de mentes, mas um me chama a atenção: MacGyver (“Profissão Perigo”).

A homônima série de televisão começou em 1985 e durou sete temporadas. Enquanto o governo Reagan realizava diversas intervenções militares criminosas nas barbas dos americanos, com destaque para os sangrentos episódios de El Salvador e Nicarágua, este seriado mostrava um homem destemido que não bebia, não fumava, não usava drogas e ainda por cima era contra o uso de armas.

O governo já não precisava convencer ninguém de que a guerra era importante, porque neste momento eles já estavam em guerra. Caía como uma luva tais personagens, que ensinavam capítulo por capítulo os caminhos da moralidade judaico-cristã ocidental.

MacGyver nada mais era do que o referido alienígena: Logo nos primeiros episódios da série ele desarmou um míssil com um clipe de papel, deteve um vazamento de ácido com uma barra de chocolate, fez uma bomba com cápsulas de remédio e sódio metálico e transformou uma pistola de sinalização em um foguete de empuxo.

A diferença é que MacGyver é humano e — melhor ainda — americano.

Voltemos à pergunta inicial: Onde se faz política?

A esquerda sempre enfrentou, de uma maneira geral, a cultura como um valor menor, e mesmo a social-democracia — que passou no mundo todo por um processo de ajustamento à ordem vigente — não tem muito interesse pelo âmbito cultural. A “resistência” no campo das Artes não pode ficar restrita a livros sobre os fóruns globais alternativos, ou ainda a documentários com forte conteúdo político meramente institucional.

São estes importantes instrumentos de mobilização, sem dúvida. No entanto, a prática mostra que um bom filme pode ter (e geralmente tem) um efeito político muito maior do que uma boa audiência pública no Congresso, que não é tão “pública”. Política, que Aristóteles definiu como “a arte de governar os povos”, só pode ser colocada em prática onde há povo. Sem povo não há política.

Quem se informa sobre as atividades políticas promovidas pela Casa Branca nos últimos 50 anos não consegue entender como ainda há pessoas que não ficam indignadas com toda a carnificina e desrespeito pelos direitos humanos. Em geral se voltam para líderes como George W., Ronald Reagan e Bill Clinton, no caso dos EUA.

Não é para ele que temos que olhar. É para o MacGyver.

Gustavo Barreto editor da revista Consciência.Net (www.consciencia.net), colaborador do Núcleo Piratininga de Comunicação (www.piratininga.org.br), estudante de Comunicação Social da UFRJ e bolsista do Programa Institucional de Bolsa de Inciação Científica (PIBIC) pela ECO/UFRJ

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