Os excessos da justiça

O bancário Ricardo Neis foi condenado a quase 13 anos de prisão em regime fechado, acusado de atropelar um grupo de ciclistas em fevereiro de 2011, à noite, no cruzamento das ruas José do Patrocínio com República, em Porto Alegre.

Não houve ferimentos graves, muito menos mortes, entre os ciclistas atingidos.

Arriscando críticas dos politicamente corretos e desagradando profundamente minha especial amiga Vanessa Melgaré, que sempre apoiou o movimento dos ciclistas de Porto Alegre, vou dizer que acho um absurdo atribuir uma pena tão grande para alguém, que pode ter sido negligente, até irresponsável, mas que não agiu com dolo no sentido de ferir alguém.

O que sobraria então para aqueles play boys que faziam racha na Avenida 24 de Outubro e causaram ferimentos graves numa mulher junto ao Parcão?

Obviamente havia toda uma corrente de opinião pública que  condenava de antemão o bancário e deve ter influenciado o júri.  São pessoas que confundem a luta de classes com sentimentos individuais de raiva contra alguém aparentemente mais rico.

Azar do réu que enfrentou um julgamento como este, onde as opiniões foram previamente formadas pela mídia. Some-se a isso uma série de elementos contrários à sua defesa para entendermos a enormidade da pena.

Primeiro, a expectativa da sociedade, assustada com o aumento da violência e disposta a inverter aquela famosa frase latina "in dubio pro reo", cuja leitura passa a ser, na dúvida, contra o réu.

Segundo a fúria condenatória dos jurados que querem meter todo mundo na cadeia, ainda que, com o perdão da palavra, as cadeias estejam botando pelo ladrão.

Terceiro: enquanto a promotoria dispõe de todas as informações sobre os jurados e testemunhas, através do acesso às consultas integradas da polícia, a defesa conhece na hora quem vão ser os julgadores.

Quarto: no caso específico do julgamento do bancário, uma das juradas caiu em sono profundo no momento que o réu estava expondo suas razões. Obviamente, essa jurada já tinha feito sua escolha e não estava interessada em ouvir a defesa.

Nunca tive bicicleta e hoje não tenho também carro, mas posso entender o sentimento de pânico de uma pessoa fechada dentro de um carro, cercada por dezenas de ciclistas, nem todos com atitudes amistosas.

Seria interessante que os seus acusadores se colocassem no lugar do motorista assediado, por alguns momentos, para entender o que deveria estar passando na sua cabeça naquela ocasião.

Vamos concordar que ele estava dentro de um carro numa posição menos vulnerável que os ciclistas, mas nada me impede de pensar que 30 homens e mulheres que cercavam o carro, estavam também numa posição numericamente muito mais forte do que o motorista sozinho.

Quem anda pelas ruas de Porto Alegre sabe que nem todos os ciclistas são santos e nem todos os motoristas são demônios.

Apesar dos quilômetros de ciclovias já construídos pela cidade, nada mais comum do que ver ciclistas rodando pelas calçadas e ameaçando a segurança dos pedestres.

Sou contra qualquer violência no trânsito parta ela de motoristas, ciclistas e até mesmo pedestres, mas continuo achando uma demasia a condenação do bancário e não vou deixar de pensar assim, porque, como disse uma vez o Millôr Fernandes, livre pensar é só pensar.

Marino Boeira é jornalista, formado em História pela UFRGS

 

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