Para o menino que ainda vive em mim

E o carro vai cortando a chuva na noite mansa do Sul de Minas. Como se fosse contra o tempo, sigo a estrada com o facho de farol apontando o caminho na noite sem lua, sem luz. Me busco no tempo, estou atrás de uma história que é a minha história, de tantas e alvissareiras memórias. No carro, não mais o toca-fitas, mas o som de outrora me embalando a viagem à voz de Belchior. A nossa origem é sempre a mesma, diferente apenas a forma de contá-la, de vivê-la.

Enquanto subo a montanha, o tortuoso caminho de me reencontrar, revivo cenas, imagens, estou de volta, como sempre fui, o eterno sonhador em busca de alguma coisa que até hoje eu não sei o que é. Ainda assim, vou, o meu destino é seguir o caminho que me leva ao que eu não sei o que sou, e vou, tocado por Deus, pelas coisas dele... é bom me sentir assim, é muito bom ser assim, alma sem tempo, vida em sentimentos e esse desejo louco de alcançar a aurora e pintar com ela as páginas vivas de minha história... sei que vou chegar, sei que estou no caminho certo, por isso vou me catando junto às curvas do caminho. Partes esquecidas de mim no meu eu mesmo. Os sonhos deixados estão de novo aqui: ao meu lado, comigo, comungo. Como de vocês preciso...

A cidade ainda é pequenina, semente, bem menor que a minha saudade. Já não falta água, já não falta luz e o pôr do sol, com seus raios penetrando por cada viela, por cada fenda urbana, varre todas as coisas ruins das ruas para o outro mundo, aquele que a paz não é imprescindível. Estou no alto da montanha, aquela mesma que meu compadre diz ser mágica, São Thomé das Letras. Aqui eu vi e cri que viver é muito além desse mundo tátil normal, aqui eu vi e cri que o arco-íris pinta nossas vidas de girassóis, aqui eu cri que ser é muito mais que ter, que querer é uma comunhão diária com o imponderável; e que buscar é acreditar e que acreditar é não se entregar, é beber o infinito na poesia viva de um breve e simples momento.

Estou de volta a bela cidade e a cidade em mim. Gratidão, talvez seria tudo. Melhor seguir contando histórias, pequenos pedaços de glórias e fazer, com a palma da minha mão, minha casa só de boas lembranças. Afinal, viver é isso, ser a soma de nós mesmo, de nossas lembranças, de nossas crenças, de nossos valores, sabendo que a vida não termina aqui, vai longe, longe, bem longe, no tempo, rumo à eternidade...

Petrônio Souza Gonçalves é jornalista e escritor

http://petroniosouzagoncalves.blogspot.com

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