A vontade do freguês

Os xingamentos em plenário, as acusações, mesmo fundamentadas, usadas como mero instrumento de retaliação e/ou intimidação, as benesses inaceitáveis, o emprego de amigos e parentes, são apenas a parte visível do pântano da política brasileira.

Há, ainda, a sujeira dos financiamentos de campanha por empresas, os desvios de verbas, os contratos superfaturados, a promiscuidade entre políticos, empresários, sindicalistas e quaisquer outros grupos organizados que possam dar algo em troca de obter o que desejam dos políticos indicando que o fundo do poço, se houver, está ainda muito longe de ser alcançado. Talvez jamais venha a sê-lo, mantidas as condições e regras que definem o modo de fazer política e governar o País.

Os que delas se beneficiam jamais tomarão a iniciativa de modificá-las. Só por imposição da sociedade, se esta conseguir organizar-se, seria possível exigir os legisladores o fim do foro privilegiado, a inelegibilidade de gente processada e condenada, em primeira instância mesmo, em observância ao princípio da mulher de César.

A sociedade perde tempo em pregar a saída de Sarney da presidência do Senado; foi-se a época do "Xô Sarney". Dada a atual correlação de forças na Casa, sua substituição daria lugar a alguém que jamais mudaria o quer que fosse, por minimamente relevante.

Se alguma campanha houver de ser levada adiante, que seja por uma reforma política ao gosto do freguês, o eleitorado, e não dos atuais literais "donos do negócio". Ir à internet, pressionar, sim, mas não por uma inócua troca de comando do Senado.

Michel Temer, seu congênere na Câmara, tampouco está à altura da missão a que se propôs assumir com uma solenidade e destemor rapidamente dissolvidos na sumária absolvição generalizada de incontáveis deputados - um deles com base em pareceres técnicos que custaram várias vezes mais que o indevido dispêndio.

A luta que se impõe é pelo fim da ditadura partidária, vergonhosamente exercida por Lula, seja na imposição da candidatura de Dilma Roussef ou na sua descarada esmagadura da tentativa de escassos membros do PT exercerem o direito de opinião durante a escaramuça senatorial.

Tirania também escancarada na resistência dos mandachuvas do PSDB em aceitar uma convenção partidária que decidiria a disputa entre Aécio Neves e José Serra pela primazia na escolha do candidato oficial à disputa pela Presidência da República.

Mudanças no Senado, renovação de fato no pleito de 2010? Ano sim, ano não, há eleições no Brasil, e a expectativa, sempre a mesma, é invariavelmente frustrada. Os tucanos, por exemplo, garantiram a Orestes Quércia, o grande cacique do PMDB em São Paulo, uma vaga na disputa por uma cadeira na Casa, ano que vem.

As cartas de 2010 estão todas marcadas, os grandes financiadores de campanha sabem muito bem onde apostar suas opulentas verbas, geradas por contratos superfaturados, trocas de favores e nomeações para cargos de peso.

Estará certo quem disser que "sempre foi assim", embora talvez as práticas não fossem tão acintosamente expostas. Por isso mesmo é que na luta por uma democracia de fato deve-se abandonar ilusões a respeito da imutável natureza humana.

Quando o grosso das pessoas que sonham com uma política tão limpa quanto possível resolverem desviar a atenção das monótonas, por triviais, demonstrações de desprezo institucional estampadas nas páginas político-policiais dos jornais para, enfim, reunir forças a fim de conduzir mudanças que permitam o retorno da política ao rol das atividades nobres, a sociedade deixará de iludir-se.

Voto distrital, fim do foro privilegiado – reservada ao presidente da República a prerrogativa de ser processado em segunda instância, onde as decisões são colegiadas, e somente no chamado "juízo natural", na cidade onde reside o acusado - mandato de quatro anos para senadores, e, principalmente, a possibilidade de "recall" do mandato de transgressores, como defende o presidente da OAB, César Britto, são alguns , mas não todos, os pontos fundamentais de uma reforma política digna do nome, urgência urgentíssima.

Ilusão acreditar que algo haverá de mudar nos costumes e regras políticas nacionais a depender da vontade do parlamentar médio brasileiro, quando as más práticas decerto se reproduzem nas dezenas de Assembléias Legislativas dos Estados e nos milhares de Câmaras de Vereadores dos 5.564 municípios desse vasto País.

O debate a as pressões precisam ser intensos e perseverantes, para que se possa não sonhar, mas caminhar na direção de uma democracia que só será uma utopia se as pessoas insistirem no culto ao individualismo. Os limites às malfeitorias, hoje praticadas à farta pela quase totalidade da classe política, devem ser definidos, impostos e exercidos pelos eleitores. Pela simples razão de que a prática demonstra, descontadas as exceções, a tendência de semelhantes protegerem seus pares.

Afinal, por que cargas d’água o velho dito “O freguês tem sempre razão” não haverá de valer na política, praticada num Estado de Direito?

A demanda por transformações que levem ao poder de a sociedade exercer a desejável prerrogativa de fiscalizar o Congresso tem boas chances de sucesso se conduzidas por entidades da sociedade civil como a Ordem dos Advogados do Brasil, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, que patrocinou o único projeto de Lei de Iniciativa Popular aprovado no Parlamento, ONGs como a Contas Abertas e a Transparência Brasil, entre várias outras.

Finalmente, cumpre observar que a CNBB e a OAB têm outros PLs de iniciativa popular, como o da vida pregressa de candidatos a cargos eletivos. É fundamental apoiá-los; muito mais útil que propagar campanhas virtuais pela renúncia do presidente do Congresso Nacional.

Luiz. Leitão [email protected]

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