O gosto pelo poder

Diz a lenda que no fim do mandato dos governantes nem mesmo o cafezinho é servido com o zelo e a qualidade habituais, uma cruel demonstração de ingratidão por quem se dispôs a servir a sociedade com tanto empenho que não mediu esforços na disputa pelo sufrágio de seu nome para merecer tamanho privilégio.

O poder é fascinante, e o simples prenúncio de seu fim apavora e desperta uma atroz melancolia na maioria das pessoas investidas em cargos de comando, seja um presidente da República, de um sindicato ou clube, um síndico de prédio ou o mandachuva de uma grande empresa.

Imaginar-se sem o assédio e as mesuras do dia-a-dia pode ser aterrador para quem se acostumou a ser o centro das atenções, o alvo de críticas e elogios, raramente sinceros. O poder não é para qualquer um, e talvez por isso seja tão difícil ter a pessoa certa naquele lugar que o presidente Lula chamou de “o ápice de um ser humano”.

As pessoas erradas, tão freqüentes em presidências, prefeituras, gerências e que tais, são as que se deixam embriagar pelos voláteis eflúvios do poder, as mesmas que tentam quase heroicamente resistir à ordem superior – em geral a voz do povo – para apear do cavalo.

Embora o jogo do poder tenha regras, a tentação de quebrá-las é quase sempre inerradicável. Que o diga a legião dos inconformados, aterrorizados ante a perspectiva do fim do mandato: o venezuelano Hugo Chávez, que providencia a mudança da Constituição para poder se reeleger perpetuamente; Álvaro Uribe, da Colômbia, de olho em um terceiro mandato; Vladimir Putin, que, mais engenhoso, sai em 2008, é nomeado primeiro-ministro, reforma - como o leitor certamente adivinhou - a Constituição da Rússia e se reelege em 2012.

Bill Clinton, decerto saudoso dos bons tempos de presidente, poderá ter o consolo de ser o consorte de Hillary, se tudo der certo, quem sabe, por oito anos. Néstor Kirchner foi mais original, cedendo a vez à mulher na presidência da Argentina para, revigorado, tentar em 2012 uma reprise da recém-concluída dança de cadeiras conjugal.

Um dos pilares da democracia é a alternância do poder, embora muitas nações permitam que o mandatário da vez repita a dose em uma ou mais reeleições. Mas o tempo, esse tirano, sempre torna tudo efêmero; e o inescapável fim das coisas logo desponta ao fim de uma curva.

Como é preciso manter as aparências, modificar a Carta é a artimanha preferida também na América Latina. Fernando Henrique Cardoso fez isso em 1997, emendando, sabe-se lá a que preço, a Constituição votada apenas nove anos atrás, para poder reeleger-se, e dizem as más línguas que o presidente Lula muito apreciaria antecipar para 2010 a sua volta prevista, se os ventos lhe forem favoráveis, para 2014.

Mas Lula jura que não, que com a democracia não se brinca, e manda aquele seu discretíssimo assessor Luiz Dulci e ministros afirmarem com ensaiada convicção que ele desautoriza a iniciativa e não tem nada a ver com a idéia absurda de um terceiro mandato sucessivo. Enquanto isso, a proposta de emenda constitucional que renovaria as regras do jogo a partir de uma espécie de “começar de novo” tramita na Câmara...

Desde que as sordidezes petista, tucana e pemedebista, com esta ou aquela exceção, se tornaram tão evidentes quanto indistinguíveis, que tanto faz Lula como Aécio Neves ou José Serra, a emenda do tri que favoreceria o carismático ex-metalúrgico tem, sim, boas chances de prosperar.

Lula da Silva surfa em invejáveis 60% de aprovação, o país conquistará o grau de investimento, a Bovespa saiu de 14.400 pontos em 2002 para 65.317 em outubro de 2007; a indústria e os bancos lucram como nunca antes, a construção civil está a toda e o consumo segue em alta acelerada; a Polícia Federal prende às mancheias, agora sem alarde; e para completar, a Copa de 2014 será no Brasil, o éden tropical.

Logo, por que correr riscos? Certo pelo incerto, para os pragmáticos é mais fácil embarcar no carisma de Lula e praticamente garantir o futuro à sua sombra.

Pelo sonho de consumo do poder eterno, ou quase, sempre se dá um jeito; toma-se, de preferência, o caminho mais curto, cômodo e seguro.

Luiz Leitão

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http://detudoblogue.blogspot.com

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