Jazigos contam história de Mogi das Cruzes

PRISCILA RIBEIRO

As 9,4 mil sepulturas que hoje podem ser encontradas no Cemitério São Salvador, no Parque Monte Líbano, não representam apenas mogianos ou pessoas que faleceram na Cidade. Os túmulos, com seus modelos arquitetônicos e verdadeiras esculturas, relembram a história de Mogi das Cruzes a partir do século 19. Apesar de os documentos da Ordem Terceira do Carmo indicarem que o jazigo mais antigo data de 1875, a arquiteta mogiana Ana Maria Abreu Sandim conta que o local teria sido inaugurado em 1867.

"Nessa época de Brasil colonial, os túmulos ficavam atrás ou dentro das igrejas. Então, havia cemitérios ao lado da Catedral de Santana e dos Carmelitanos, por exemplo. Porém, anos depois, inauguraram o chamado campo santo, em que hoje se encontra o São Salvador", descreve.

De fato, segundo consta no livro "História de Mogi das Cruzes", do historiador Isaac Grinberg, foi em 1867 que a Câmara Municipal baixou uma ordem proibindo a prática de enterro nas proximidades das igrejas. "E são sepulturas dessa época que podem ser encontradas cercadas dentro do cemitério. Ao entrar no local, à direita, esse espaço já pode ser visto. Além de abrigar famílias tradicionais, a área conta com túmulos dos carmelitanos e de freiras. É um cemitério dentro de outro", explica.

Para detalhar tendências arquitetônicas e história do local, a arquiteta percorreu o São Salvador com a reportagem de O Diário. O trajeto foi seguido cronologicamente, assim como estão instalados os jazigos, a começar pelo cemitério carmelitano. "Neste espaço cercado pelo muro, encontramos verdadeiros monumentos, como o túmulo do Deodato Wertheimer, Basílio Batalha, além das famílias Ferreira Lopes e Mello Freire. Percebemos que, nessa época, eram muito utilizados materiais como mármore branco, granito, grandes estátuas e objetos de bronze", destaca.

O problema, acrescenta ela, é que muitas dessas estruturas estão abandonadas. "O próprio mausoléu da família Arouche de Toledo, ao que consta construído no início de 1900, encontra-se em precárias condições. Apesar de possuir estátuas típicas da época e verdadeiras obras de arte, a estrutura já está se desfazendo", observa.

De acordo com ela, as proporções e detalhes das sepulturas estariam diretamente relacionados ao poder aquisitivo e posição social da família. "Na verdade, sempre houve uma preocupação muito grande em representar essa passagem da vida para a morte. Essas estruturas são feitas para que as pessoas não tenham o rumo perdido na história. É uma tradição. No século 16 e 17, os reis já tinham esse costume, o que também passou para as famílias dos burgueses. É uma linguagem, uma forma de mostrar o poder econômico e social", aponta.

Logo atrás do muro que cerca o cemitério carmelitano, podem ser encontradas diversas tumbas ainda do início do século 20. "Isso mostra que a população começou a crescer e avançar, portanto, na utilização do espaço. As características, no entanto, ainda são mantidas", avalia.

Próximo dali, uma área chama atenção dos visitantes do São Salvador, já que é composta apenas de pequenos túmulos, que abrigam bebês e crianças falecidas na época referida. "Essa ala mirim é uma tradição do século passado que poucas pessoas sabem que existe. Esse é um dos poucos cemitérios que possuem esse espaço infantil. O que acontecia é que esses pequenos eram vistos como anjinhos e, por isso, não eram enterrados junto com as respectivas famílias, apesar delas já possuírem túmulos. Por isso, as crianças eram sepultadas sozinhas e tinham esse destaque especial", explica a arquiteta, ao apontar para o monumento do pequeno Pedro Mello Freire, nascido em 13 de julho de 1914 e falecido em 24 de dezembro do mesmo ano. O túmulo da criança é representado por uma estátua de anjo. "É uma peça delicada e muito bem trabalhada, que representa a importância da criança para a família. É uma pena que outras obras como essa estão sendo perdidas aqui, já que muitas estão abandonadas e acabam sendo deterioradas pelo tempo. Vemos muitas estruturas de mármore branca que eram trabalhadas de forma bruta e, por isso, hoje estão completamente porosas, se desfazendo", conta.

Na alameda principal, observa Ana, estão localizados, em sua maioria, nomes de famílias tradicionais na Cidade, como Straube e Alves dos Anjos. "Isso porque terrenos nessa área eram vendidos por um preço mais elevado", justifica.

Ao continuar o trajeto, aproximando-se de sepulcros datados da década de 40, é possível notar a chegada de imigrantes no País e na Cidade. Isso porque é nessa região do cemitério, pouco depois de atravessar a alameda principal, que começam a aparecer os primeiros túmulos de famílias japonesas, italianas, espanholas e portuguesas. "A partir daí, começa a mistura de culturas e religiões, que ganha força nos anos seguintes, como pode ser observado em túmulos das décadas de 60 e 70. Há jazigos de japoneses, por exemplo, que mesclam a cultura budista com a católica", analisa.

Ainda nas estruturas dos anos 40, a arquiteta chama a atenção para uma transição de modelos arquitetônicos. "Vemos, agora, menos esculturas e estátuas. Há uma nova tendência de granito claro. Os túmulos estão mais limpos visualmente e passam a contar com portas trabalhadas, que fecham o espaço onde estão enterrados os corpos. Esse material é de bronze e é extremamente caro, mas tem intenção de representar os corpos que jazem no local e também a religião da família", destaca.

Ana explica ainda que, mais adiante, obras modernistas começam a aparecer. "A partir dos anos 60, vemos a substituição da cruz tradicional por outros elementos. Os primeiros que aparecem são portais de transição, que representam a passagem das pessoas. Já quase no final do cemitério, observamos outros símbolos, como pedras trabalhadas que são muito optadas por japoneses. Os monumentos ficam cada vez mais simples, mas ainda são verdadeiras obras de arte", ressalta, lembrando ainda que os azulejos ganharam destaque nas sepulturas a partir da década de 70 .

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