O Código Florestal e o conhecimento científico

O Código Florestal e o conhecimento científico. 14920.jpegPara pesquisadores proposta de modificação do Código Florestal contraria o conhecimento científico
 

A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciência (ABC) finalmente lançaram, ontem, em Brasília, o livro "O Código Florestal e a Ciência - Contribuições para o diálogo", com 124 páginas, que sintetiza o resultado de mais de 300 trabalhos científicos. Segundo os pesquisadores presentes à entrevista coletiva, se o substitutivo do deputado Aldo Rebelo (PCdo B) ao PL 1.876 vier a ser aprovado, será a primeira vez que o país terá uma legislação florestal totalmente desconectada do conhecimento científico, ou seja, que vai no sentido contrário ao que a ciência diz ser o mais adequado.

 

Tanto em 1934, quando foi aprovado o primeiro Código Florestal, quanto em 1965, quando ele foi modificado, os melhores cientistas da época foram chamados a colaborar na elaboração da legislação. Para saber mais sobre a história do Código Florestal, clique aqui.

Na entrevista coletiva que marcou o lançamento do livro - redigido por 12 pesquisadores de instituições como USP, INPE, Embrapa, e Unicamp - eles e sugeriram que a votação do novo Código Florestal e a punição com multas aos proprietários rurais que desmataram ilegalmente sejam adiadas por dois anos. A votação do substitutivo do deputado Aldo Rebelo está prevista para os dias 3 e 4 de maio e as autuações começam em 11 de junho.

O livro, divulgado ontem, é resultado de uma ampla soma de conhecimentos interdisciplinares. "Se o deputado Aldo Rebelo pinçasse um brilhante pesquisador para participar das discussões, seria a contribuição de uma visão fracionada. No nosso trabalho, aplicamos o método científico. Reunimos idéias, literatura, conhecimento... Peneiramos as idéias em conjunto, em confronto, em somatória... Tudo foi questionado e criticado, refeito e ampliado. É assim que se faz ciência, vamos peneirando, peneirando, para vermos o que fica de pepita", disse Antonio Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).

Entre as muitas conclusões do estudo, está o diagnóstico de que existe um passivo de 83 milhões de hectares de áreas de preservação ocupadas irregularmente e que o impacto da erosão ocasionado pelo uso agrícola das terras no Brasil é de R$ 9,3 bilhões anuais.

Nobre destacou o fato de o Brasil contar com terra de sobra para a agricultura. "Quando se afirma que não há terra suficiente, a afirmação não encontra base alguma na literatura científica." O estudo acrescenta que o país pode resgatar passivos florestais sem prejudicar a produção e oferta de alimentos, fibras e energia, mantendo a tendência de aumento continuado de produtividade das últimas décadas.

'Uma tragédia'

Diante da pergunta sobre o que poderá acontecer se o texto de Rebelo for aprovado no início de maio, a presidente da SBPC, Helena Nader foi enfática: "Uma tragédia para a sociedade brasileira, para a ciência, para a agricultura, para todos."

Helena disse que são muitos os riscos escondidos sob as propostas do substitutivo, em especial no que diz respeito às áreas de preservação permanente. Em relação a essas áreas, o estudo divulgado ontem revela haver consenso entre os pesquisadores de que as áreas marginais a corpos d'agua - sejam várzeas ou florestas ripárias - e os topos de morro ocupados por campos de altitude ou rupestres "são áreas insubstituíveis em razão da biodiversidade e de seu alto grau de especialização e endemismo além dos serviços ecossistêmicos essenciais que desempenham", afirma o texto.

"Os estudos não oferecem respaldo para a redução das APPs. Não é a mesma coisa que dizer que os cientistas são contrários", disse Nobre. Segundo o estudo, a proteção que a lei atual garante às APPs já é insuficiente.

"Um ganho marginal para os proprietários de terra na redução da vegetação nessas áreas pode resultar num gigantesco ônus para a sociedade como um todo, especialmente para a população urbana que mora naquela bacia ou região", afirma o estudo, fazendo referência à possibilidade de diminuição na proteção às matas ciliares e aos topos de morro propostos pelo substitutivo Aldo Rebelo.

Ciência define o equilíbrio

No caso das reservas legais (RL), os pesquisadores afirmam que sua redução aumentaria significativamente o risco de extinção de espécies e comprometeria essas áreas como ecossistemas funcionais, ou seja, como fornecedores de serviços ecossistêmicos e ambientais. Como exemplo desses serviços, o estudo aponta os polinizadores, altamente dependentes da conservação da vegetação nativa, onde encontram abrigo e alimento. "O maracujá, por exemplo, depende em 100% da polinização pela mamangava, que não vive só onde há maracujá, mas se abriga nas matas", disse Nobre.

Os pesquisadores admitem a necessidade de mudanças na legislação e aumento da produção agropecuária. "É preciso dobrar ou triplicar a produção de alimentos no mundo, e o Brasil vai ser um dos grandes responsáveis por isso, mas com respeito à sustentabilidade", disse Elíbio Rech, da Embrapa, representante da ABC.

Para José Aleixo, diretor da SBPC e coordenador do grupo de trabalho, existe um ponto de equilíbrio na amplitude dessess debates. "E a ciência pode ajudar a definir esse ponto de equilíbrio", afirma.

Na Câmara

Depois da coletiva, os pesquisadores foram à Câmara dos Deputados onde defenderam o adiamento da votação do projeto do Código Florestal (PL 1.876), com o argumento de que, com mais tempo para as discussões, será possível produzir uma legislação mais moderna, da qual o País se orgulhe.

Helena Nader, entregou o livro ao presidente da Câmara, Marco Maia. A presidente da SBPC afirmou que a proposta apresentada pela ciência "é a favor da agricultura e da biodiversidade conciliadas". O estudo também será entregue aos ministros da Casa Civil, da Agricultura, do Meio Ambiente, da Ciência e Tecnologia, da Educação e da Integração Nacional.

A SBPC e a ABC também pediram que neste momento seja pensado apenas na solução para o decreto que pode colocar na ilegalidade pequenos agricultores. O Decreto 7.029/09 determina prazo e estabelece punições para os produtores rurais que não regularizarem as reservas legais. De acordo com o código em vigor, a punição se iniciará em 11 de junho deste ano. Os pesquisadores sugerem uma prorrogação não apenas neste caso, como também na votação do substitutivo ao PL 1.876. "Entendemos que um prazo de dois anos para a ampliação dos debates seja suficiente", afirmou Antonio Nobre.

Discussões hoje

Segundo o portal de notícias da Câmara, líderes partidários se reúnem nesta terça-feira (26/4) com os ministros da Agricultura, Wagner Rossi; do Desenvolvimento Agrário, Afonso Florence; e do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, para discutir o projeto de reforma do Código Florestal. A reunião está marcada para as 15 horas, no gabinete da Presidência da Câmara. Haverá também reunião da Câmara de Conciliação que busca um consenso entre os deputados representantes das frentes ruralista e ambientalista. A reunião será às 16 horas no plenário 9.

O texto que aguarda inclusão na pauta do Plenário é o substitutivo do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) que foi aprovado no ano passado por uma comissão especial da Câmara. Atualmente, um grupo de trabalho analisa sugestões de mudanças ao texto. Ainda há divergências, no entanto, entre deputados das bancadas ruralista e ambientalista. Marco Maia já afirmou que o governo precisa ter uma posição única em torno do Código Florestal, para facilitar o processo de votação.

O presidente da Câmara afirmou que mudará a data de votação do substitutivo apenas se houver um movimento majoritário pelo adiamento. Caso contrário, o projeto irá mesmo à votação no plenário na próxima semana. "Estamos muito perto de um acordo de 100% para a votação do código", disse.

(Com informações do portal da Câmara.)

 

ISA, Julio Cezar Garcia

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