Sem bases de proteção, insegurança em Terras Indígenas afetadas por Belo Monte aumenta

Sem bases de proteção, insegurança em Terras Indígenas afetadas por Belo Monte aumenta

Isabel Harari

Estruturação de um plano de proteção territorial é uma condicionante que deveria anteceder a construção da usina. Ibama, Funai e Norte Energia se comprometeram fiscalizar as áreas protegidas

Em 2018, houve um aumento dos índices de desmatamento e invasões em áreas protegidas na área de influência da Usina Hidrelétrica (UHE) Belo Monte, no Pará. Na Terra Indígena (TI) Ituna/Itatá, por exemplo, foram desmatados 756 hectares de floresta apenas em junho. Morada de indígenas isolados, a TI localiza-se a menos de 70 quilômetros do sítio Pimental, principal canteiro de obras de Belo Monte, e a destruição das florestas vem aumentando exponencialmente desde 2011. É ali que deveria ter sido construída um posto de vigilância, o que ainda não aconteceu.

Outras duas Unidades de Proteção - Base Operativa Cachoeira Seca e Posto de Vigilância Rio das Pedras - também deveriam ter sido implementadas na TI Cachoeira Seca do Iriri, nas imediações da BR-230. Desde janeiro foram desmatados 1.096 hectares no interior da área protegida, que tem o triste registro de ser a Terra Indígena mais desmatada no país nos últimos anos.

Em reunião realizada na última terça feira (14) em Brasília, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Fundação Nacional do Índio (Funai), Defensoria Pública da União (DPU), ISA, Cláudio Curuaia, representante da Associação Indígena Nativa Kuruaya de Altamira (Inkuri) e o deputado federal Arnaldo Jordy (PPS), discutiram a implementação e descumprimentos de condicionantes socioambientais da usina de Belo Monte, com enfoque na urgência da estruturação e implementação do plano de proteção nas áreas de influência da barragem.

Essa reunião foi a segunda realizada neste semestre junto à presidente do Ibama, Suely Araújo. A primeira ocorreu em abril, logo após audiência na câmara dos deputados na qual lideranças indígenas das etnias Arara e Parakanã denunciaram o alto índice de desmatamento e invasões das Terras Indígenas Cachoeira Seca e Apyterewa. [Saiba mais]
Após nove anos bases ainda não saíram do papel

A estruturação de um plano de vigilância e fiscalização das Terras Indígenas afetadas pela UHE Belo Monte é uma condicionante da Licença Prévia (LP) da usina, ainda em 2009. Em 2011, a Funai concluiu a elaboração do "Plano Emergencial de Proteção às Terras Indígenas do Médio Xingu sob Influência da Usina Hidrelétrica de Belo Monte" e sua implementação foi então incluída como condicionante da Licença de Instalação (LI) no mesmo ano. O plano inclui a instalação de bases operacionais e postos de vigilância em regiões estratégicas, a disponibilização de recursos humanos e a estruturação de um sistema de monitoramento remoto.

"As evidências no chão demonstram que o desmatamento e as invasões de áreas protegidas tem piorado", aponta Carolina Reis, advogada do ISA. A destruição da floresta é acompanhada mês a mês por meio do Sirad X, o sistema de monitoramento de desmatamento do ISA. As denúncias são encaminhadas sistematicamente aos órgãos responsáveis, mas apesar da realização de operações pontuais, o desmatamento vem aumentando vertiginosamente. [Acesse aqui os boletins Sirad X]

A base na TI Ituna/Itatá é uma das três que ainda não foram construídas. As demais, localizadas na TI Cachoeira Seca do Iriri também são em áreas com altos índices de desmatamento, invasões e degradação ambiental.

Segundo Eduardo Camillo, superintendente de Relações Institucionais da Norte Energia, as empresas contratadas para a construção das bases foram impedidas de continuar o trabalho por problemas de segurança: "as coisas estão andando, mas ainda não conseguimos". A concessionária da usina solicitou apoio do Exército e da Força Nacional para encaminhar as obras. O Ibama irá verificar a possibilidade de articulação com outros órgãos governamentais para apoio e proteção para a construção das bases. Camillo afirmou que, se houver apoio do governo federal, a primeira base será finalizada ainda em 2018.

A equipe da Diretoria de Licenciamento Ambiental (Dilic) do Ibama se comprometeu a convocar uma reunião com a equipe de licenciamento da Funai (Cglic) para discutir o status de implementação das condicionantes indígenas, do Plano Básico Ambiental Indígena e, em especial, o Plano de Proteção Territorial. A realização dessa mesma reunião era um dos encaminhamentos da reunião realizada em abril, que não aconteceu. Em novembro será convocado um novo encontro para apresentar os encaminhamentos da reunião e um cronograma de trabalho conjunto entre os órgãos.

Volta Grande do Xingu em risco

A região das cachoeiras do Jericoá é um local sagrado para os Juruna (Yudjá) que vivem na Terra Indígena Paquiçamba, na Volta Grande do Xingu. Essa TI é uma das mais impactadas pela construção da UHE Belo Monte e os indígenas denunciam sistematicamente as consequências na fauna, flora e seu modo de vida. Uma delas, a sobrepesca no Jericoá, tem colocado a segurança alimentar e o sustento econômico dos Juruna em risco.

Em audiência pública realizada no início de 2017, os Juruna denunciaram a entrada de pescadores ilegais em seu território, fato que foi reforçado em carta protocolada no Ibama em junho deste ano e levantado novamente na reunião em Brasília. Eles pedem a construção de um posto de vigilância na TI Paquiçamba e que a demarcação física seja finalizada. O Ibama e a Funai afirmaram que irão analisar a demanda de construção de um Posto de Vigilância na região.

Uma outra ameaça também preocupa os indígenas: a disputa pela água. Com o barramento definitivo do rio em 2015, a quantidade, velocidade e nível da água na região não derivam mais do fluxo natural do Xingu, mas dependem da Norte Energia. Por meio do chamado "Hidrograma de Consenso", a empresa vai limitar ainda mais o volume de água que passará pelas comportas da usina, descendo pela Volta Grande do Xingu.

Os Juruna fizeram um minucioso monitoramento durante quatro anos e comprovaram que reduções de vazão ainda maiores na região da Volta Grande vão provocar impactos socioambientais irreversíveis, e que o hidrograma do jeito que está proposto não será capaz de garantir a vida na região.[Saiba mais].

Os indígenas exigem que a medida seja revista imediatamente e demandam uma reunião em outubro, na região da Volta Grande, para debater o Hidrograma junto aos órgãos de governo. A presidente do Ibama, Suely Araújo, sinalizou que o órgão poderá ir e irá verificar a possibilidade da participação.

RUC Pedral

A reunião também teve como pauta a realocação de famílias indígenas, ribeirinhas e extrativistas para o Reassentamento Urbano Coletivo (RUC) Pedral, em Altamira. Algumas delas esperam há quase quatro anos a finalização desse bairro. O Pedral fica na beira do Xingu, diferentemente dos outros cinco construídos pela empresa que são localizados longe do rio e do centro da cidade, não assegurando condições de vida adequadas.

Claudio Curuaia, liderança indígena e secretário executivo do Grupo de Trabalho (GT) Pedral, órgão de acompanhamento da instalação do bairro, cobrou andamento das obras e os compromissos assumidos pela empresa, como a construção de muros e varandas das 150 casas que serão entregues. Ainda que o prazo de entrega previsto na LO tenha expirado há quase três anos, a construção ainda está em curso.

Na reunião, o Ibama se comprometeu a finalizar o Parecer Técnico com definições sobre reoferta do RUC, além de estruturar um fluxo de inclusão de famílias elegíveis.

https://www.socioambiental.org/pt-br/blog/blog-do-xingu/sem-bases-de-protecao-inseguranca-em-terras-indigenas-afetadas-por-belo-monte-aumenta

 

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