A INFLUÊNCIA RUSSA NA HISTÓRIA MUNDIAL

Recentemente, a versão em português do Pravda.Ru completou um ano. É um fato significativo: há um ano, os povos de Portugal, Brasil, Moçambique, Angola e de vários outros países lusófonos, têm acesso a notícias e análises com o ponto de vista político e cultural russo.

Isto é muito importante, pois a Rússia teve e tem uma notável e benéfica influência no mundo e, se não fosse por este país, a história mundial seria muito diferente, e para pior. Além do mais, a divulgação das idéias russas é salutar, já que, pelo menos aqui no Brasil, vivemos sob uma influência esmagadora e total dos EUA. É importante que conheçamos mais sobre outros países, que nos aproximemos e nos aliemos a eles, para que possamos mostrar aos EUA, todos juntos, que eles não são a "única superpotência" (como tanto gostam de se gabar), e menos ainda podem fazer com o resto do mundo tudo o que querem, ao sabor de seus interesses.

Embora muitos ignorem, a participação da Rússia em vários acontecimentos mundiais foi quase sempre importantíssima, e muitas vezes decisiva. Quero ressaltar, no presente artigo, três momentos significativos da influência russa no panorama mundial, que muito contribuíram à paz mundial: 1812, 1941 e 2003.

O primeiro deles, 1812, marca a invasão da Rússia pelo imenso exército de Napoleão Bonaparte, o famoso revolucionário francês que depois se coroou imperador e desejou unificar sob seu cetro toda a Europa, de Portugal à Rússia. Seu exército, que somava 600.000 combatentes, era de longe o maior que o mundo já havia visto até então; somente um século depois, durante a Primeira Guerra Mundial, apareceriam exércitos maiores. Muitos consideravam Napoleão um grande libertador, eliminador de monarquias hereditárias e instaurador de governos modernos e liberais; o grande filósofo Hegel o chamava de "a razão a cavalo", pois levava a toda a Europa a modernidade, a racionalidade e a liberdade do Estado moderno surgido com a Revolução Francesa. Se Napoleão era tão liberal e moderno, por que se sagrou Imperador, cobriu-se com o manto e a coroa dos Bourbons, e iniciou a dinastia dos Bonaparte (seu filho, destinado a suceder Napoleão, foi chamado desde o nascimento "Rei de Roma", com nítidas pretensões cesaristas)?

Napoleão era um pequeno oficial do exército francês cujo carisma, ambição e talento militar o colocaram no topo da liderança revolucionária francesa. E ao chegar aí, propositalmente esquecido dos compromissos republicanos, sagra-se imperador e parte para a conquista da Europa.

Sua última ambição era a Rússia, distante e exótica terra asiática de czares autocráticos e bárbaros (na imaginação de Napoleão). Parecia muito fácil para um grande militar de uma nação moderna da Europa ocidental derrotar este país tido por atrasado e retrógrado; não o foi. O marechal Kutuzov, comandante das forças russas, deliberadamente atraiu os franceses ao interior do país, evitou ao máximo os combates (pois o exército francês era bem maior que o russo, e este seria facilmente derrotado em um combate direto), e deixou os franceses ocuparem Moscou. A distância em relação à França, a dificuldade de obter suprimentos, as guerrilhas populares russas e o inverno fizeram o serviço de acabar com os franceses: em dezembro estes são obrigados a deixar Moscou, pela absoluta falta de recursos para manter a ocupação, e o exército russo, intacto, descansado e bem alimentado, nada mais tem a fazer que perseguir as tropas napoleônicas, famintas e congeladas.

Kutuzov conseguiu uma vitória militar com pouquíssimas baixas para seu exército; a Rússia, no entanto, sofreu um enorme prejuízo econômico, ao ter saqueadas todas as terras ocupados pelos franceses, e sua maior cidade, Moscou, pilhada e queimada.

Depois da derrocada de Napoleão, a Rússia assinou, junto com o Reino Unido, os principados alemães, a Áustria e a monarquia francesa restaurada, a Santa Aliança. Esta geralmente é descrita como um movimento reacionário para impedir a propagação dos ideais republicanos e democráticos, o que é verdade. Mas geralmente se esquece que esta aliança foi também a responsável pelo mais longo período de paz que a Europa já conhecera até então, que durou até 1855, quando ocorreu a guerra da Criméia.

Além disso, foi esta aliança a responsável pela independência da Grécia e de boa parte dos Balcãs, que há séculos haviam sido anexados à força pelo Império Otomano Turco. A Rússia teve uma participação crucial na eliminação do megalomaníaco Bonaparte, na manutenção da paz na Europa por quase meio século, e na independência grega e sérvia.

A maior e mais importante contribuição que a Rússia deu ao mundo, e também a que lhe custou mais caro, foi na Segunda Guerra Mundial. Em 1941, outra vez a maior potência militar da época, desta vez a Alemanha nazista, invadiu a União Soviética, que se encontrava totalmente despreparada e com tropas mal equipadas.

A tática soviética foi, porém, bastante diferente da de Kutuzov em 1812: desde o início o Exército Vermelho combateu as forças nazista, as perdas foram elevadíssimas, e não se pôde evitar o avanço do exército alemão. Algumas batalhas são famosas, como o cerco de Leningrado (hoje São Petersburgo), que os alemães não conseguiram conquistar e mantiveram sob sítio durante mil dias, condenando milhões de civis a morrer de fome; e Estalingrado (atual Volgogrado), onde, depois de um ano de ferozes combates urbanos, o exército nazista sofreu sua primeira derrota. Só em 1943 o exército soviético consegue passar à ofensiva, e começa o longo trajeto de eliminar por completo as forças hitleristas e tomar a Alemanha.

Em 1945, a URSS entra em Berlim, Hitler se mata em seu bunker, e a guerra termina: os soviéticos foram os protagonistas na eliminação do mais abominável regime que já existiu até hoje, o nazismo, que pretendia fazer da Europa um "espaço vital" para as raças germânicas tidas por superiores e eliminar por completo os povos considerados inferiores por Hitler, como os judeus, os ciganos e os eslavos - principalmente aqueles que viviam na URSS, que por serem comunistas eram ainda mais odiados pelo tirano.

O genocídio de populações na URSS pelos nazistas é bem menos conhecido que o holocausto judeu, mas foi igual em crueldade e maior em alcance. A União Soviética perdeu 27 milhões de vidas na Segunda Guerra Mundial, a maior parte civis: pois assim que o exército regular tomava uma cidade, chegavam as temidas SS (tropas de elite que também recebiam um doutrinamento nazista fanático, e eram usadas por Hitler para os trabalhos sujos, como administrar campos de concentração) que trucidavam a maior parte da população, e usavam os sobreviventes como mão-de-obra escrava.

O relato de todas as barbáries nazistas cometidas na URSS ocuparia vários livros. Para refutar aqueles que, seguinda uma moda atual surgida nos EUA, adotam um certo revisionismo e consideram que "HItler não era tão mal assim; talvez fosse bom que ele tivesse vencido, pois o comunismo teria sido derrotado", basta citar o caso da Ucrânia: quando os nazistas entraram em Kiev, foram recebidos com festa por muitos ucranianos, que os consideravam seus libertadores; logo, porém, chegaram as SS e os ucranianos viram o quanto estavam enganados.

Surgiu então na Ucrânia uma das mais fortes guerrilhas contrárias à ocupação nazista. Stalin era um ditador sanguinário, sem dúvida, como os próprios comunistas soviéticos admitiram logo depois de sua morte; mas Hitler conseguia ser muito mais cruel, os extermínios massivos de populações inteiras foi algo que Stalin jamais tentou nem quis fazer. E se não fosse pela importantíssima participação soviética na aliança contra o nazismo, os EUA e o Reino Unido teriam tido muito mais dificuldade para derrotar Hitler: afinal, as forças nazistas tiveram 80% de suas perdas nos combates da frente oriental.

A coragem e o sacrifício dos povos soviéticos foi essencial para a derrocada da mais terrível ideologia. E o fim da Segunda Guerra Mundial inicia o mais longo e estável período de paz na Europa: excetuando os Balcãs, desde 1945 até hoje não houve nenhum combate significativo neste continente.

Por fim, neste ano, a Rússia teve uma participação muito diferente das anteriores, pois não entrou em combate; pelo contrário, fez tudo o que pôde para evitar uma guerra, a invasão do Iraque pelos EUA e Reino Unido. Considerada por muitos como um país decadente, derrotado pelos EUA na "guerra fria", em crise, a Rússia teve no entanto uma participação crucial junto com outros países que não aceitam o unilateralismo de Washington e mostrou que ainda é importantíssima no cenário mundial. Não existe, é claro, uma "aliança anti-EUA", como existiu uma contra Hitler na Segunda Guerra Mundial; mas vários países decidiram se unir contra a tentativa estadounidense, usando argumentos absurdos, como armas de destruição em massa que nunca existiram, de submeter o Iraque à sua esfera de influência e ter acesso à imensa reserva de petróleo deste país. A França, a Alemanha e a Rússia tiveram sem dúvida lugar de destaque na tentativa de dissuadir Bush de seu criminoso ataque. De nada adiantou, e os EUA, que se auto-intitulam "a única superpotência do mundo", atacaram assim mesmo, dizendo que não precisam do apoio de nada e de ninguém, e que diante da incompreensão mundial resolveriam tudo sozinhos.

Longe de trazer a paz e a democracia ao Oriente Médio, tudo o que os estadounidenses conseguiram foi gerar o caos: não só suas forças são continuamente atacadas, mas também a sede da ONU em Bagdá foi explodida e até o principal líder xiita do Iraque foi assassinado. Diante de uma situação explosiva, Bush muda radicalmente o discurso: pede à comunidade internacional que não fique de braços cruzados, que a ONU aja imediatamente para estabilizar a situação no Iraque.

A coisa fugiu ao controle da "única superpotência", e agora ela precisa desesperadamente de ajuda. Enfim, tudo isso já havia sido advertido, bem antes dos primeiros bombardeios contra o Iraque, pela Rússia, França, Alemanha e vários outros países que se opuseram ao ataque. Se Bush fosse um pouco mais sensato e menos prepotente, tudo isso teria sido evitado.

Além disso, é importante ressaltar as tentativas de Moscou de aproximar-se e aliar-se com vários países do mundo, em todos os continentes. Ao contrário dos EUA, que se afastam cada vez mais do resto do mundo, com sua arrogância militar e seu protecionismo econômico, a Rússia está fazendo acordos com vários países.

Na América do Sul, a Rússia tem tido relações cada vez mais profundas e melhores. A visita de Putin ao Brasil, em janeiro de 2002, selou o desejo dos governos brasileiro e russo de aumentar as relações comerciais e políticas. Os ministros de relações exteriores da Rússia e da Argentina se encontram anualmente para realizar consultas mútuas acerca de questões de política internacional. Também já se pensa em acordos comerciais do Mercosul com a Rússia.

Além disso, é importante notar que a Rússia é dos poucos países que têm boas relações com países do chamado "eixo do mal", como gosta de dizer George W. Bush, como o Irã e a Coréia do Norte. Diante das ameaças estadounidenses de ações militares também contra esses países, parece que uma vez mais a Rússia terá um papel crucial na tentativa de evitar conflitos. Resta saber se os EUA decidirão tomar o caminho da diplomacia desta vez, ou repetir o do confronto bélico, com todas as conseqüências desastrosas como as que vemos no Iraque. No passado, a Rússia participou ativamente na eliminação de ameaças mundiais e na consolidação da paz. Agora, agindo diplomática e pacificamente (pois uma guerra da Rússia contra os EUA seria destrutiva como nenhuma outra, principalmente por causa das armas nucleares), a Rússia está ajudando a formar um consenso mundial, que começa a congregar vários países, como França, Alemanha, China, Índia, Brasil, Argentina, África do Sul, Egito, e muitos outros, que querem unir-se diplomaticamente para tornar o mundo mais seguro e próspero pelo comércio justo e igualitário.

Se os Estados Unidos seguirem a tendência de George W. Bush, isolar-se-ão cada vez mais, e não tardará muito para que deixem de ser "a única superpotência" e se tornem um país periférico: como já admitiu a secretária de segurança nacional, Condoleeza Rice, seu país considera perigoso um mundo multipolar, e prefere um mundo unipolar onde, naturalmente, este pólo único seria a "única superpotência".

Esta atitude arrogante dos EUA gera repúdio em quase todos os países do mundo, e com razão. Por outro lado, se a Rússia seguir a tendência de Putin (e tudo indica que seguirá), não será um líder mundial, um pólo que congrega ao redor de si todos os demais países, mas um país inserido na comunidade internacional e aliado em igualdade com outras nações que também buscam a paz e a prosperidade - que é, afinal, o que a maior parte do mundo deseja. Carlo MOIANA Pravda.Ru MG Brasil

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