A Semana Revista

Sem separar os incidentes, porque a dor dos familiares é igual, há que apontar o 3 de Setembro em Beslan como o dia mais negro na história colectiva do país há muitos anos.

Os factos são conhecidos, mais ou menos e estão na nossa página Federação Russa, juntamente com muitas cartas de solidariedade dos nossos leitores, pelas quais vos agradecemos do fundo do coração.

Se se pode fazer algumas deliberações sobre o acontecido, sem querer tirar louros jornalísticos ao custo da dor dos outros, e sem dizer palavras de ocasião ocas só para dizer, queria pensar em voz alta juntamente convosco.

Antes de mais nada, muito obrigado pelas muitas mensagens que sei e sinto que foram escritas e enviadas do coração. Vão ser lidas sim, porque enviei para tradução e sei que nossos colegas em Moscovo ficaram muito sensibilizados, porque mo disseram que pediram para eu dizer isso a vocês.

Como se pode entender um acto tão bárbaro como este? A natureza humana obriga-nos sem pensar a proteger uma criança, não retê-la em condições desumanas, obrigá-las a fazer as necessidades nas suas roupas, obrigá-las a beber urina e enviar rajadas de metralhadora para o tecto cada vez que uma criança chorou, com gritos e berros do tipo “Calem-se!”

Que crueldade estudada, fria, crua, nua. No entanto, terminado o acto, como se prossegue? A reacção primária seria juntar uns milhares de homens bem armados e chacinar tudo que mexe para lá da fronteira com a Chechénia. Mas seria uma reacção primária e muito pouco inteligente.

Primeiro, devemos apontar as muitas manifestações na Chechénia a favor e em solidariedade com as crianças e devemos lembrar que a vasta maioria do povo checheno quer viver em paz dentro da Federação Russa, foi por isso que votaram no referendo sobre a Constituição em 27 de Março de 2003.

Segundo, não foram todos chechenos os sequestradores e nem se sabe exatamente ainda quem representam. Com certeza, é uma facção muito extremista que vai contra o grão de pensamento da maioria das pessoas e até dos outros extremistas. Nem parece que foi um grupo etnicamente homólogo nem com os mesmos objectivos. Alguns testemunhos apontavam rixas entre eles sobre a necessidade de se suicidarem ou de negociarem.

A questão chechena é bastante mais complexa do que muitos pensavam. Aquela história “lutam pela liberdade” foi daquelas historiazecas tipo “preto e branco” de Bush, onde tem de haver um homem de chapéu preto para justificar que outro use o chapéu branco. Nada tem a ver com liberdade, tem tudo a ver com negócios e influências estrangeiras. Chechénia tem petróleo e tem bandidos que há séculos praticam sequestros como forma de ganhar a vida.

Foram feitos muitos erros desde a explosão da questão chechena em 1994. Eltsin não se lembrou que o Caúcaso é uma região complexa, os líderes da Ingushétia e Ossétia não se lembraram que para as gentes desta região, quando perdem um familiar, preferem vender tudo, comprar uma metralhadora, e não parar de lutar até que matam toda a família do perpetrador, destruindo suas casas. As forças estrangeiras que se meteram ou que tentaram aproveitar da situação em vários graus também nada entenderam a região.

O que resultou foi esse caos em que há muitas facções que querem controlar vários negócios e se apresentarem à população com vários tipos de “empacotamento”.

A lembrar, há vários países “amigos” que dão refúgio a conhecidos terroristas chechenos e se recusam a extraditá-los à Rússia. Por quê é que Espanha e o Reino Unido concedem “asilo político” a Akhmadov e Zakaiev? Se fosse outro estado e se os terroristas eram procurados em relação com ataques contra os EUA, já Londres e Madrid teriam sido acusados de dar abrigo a terroristas e por isso são estados a favor do terrorismo.

Há que haver uma política integrada com muitas fases a funcionarem simultaneamente. Há que aumentar as operações de segurança e de vigilância em toda a Federação Russa, há que vigiar mais perto as fronteiras da Chechénia, há que pagar os militares e polícias russos atempadamente, para que a corrupção seja menos apetitosa, há que prosseguir com uma campanha aberta e outra coberta, de infiltração nas organizações terroristas.

Há também que haver, algures, alguém que fale com outro alguém. Invisível, informal e não oficial, mas tem de haver um ponto de equilíbrio. Pode ser dar mais força ao Presidente recentemente eleito da Chechénia, pode ser retirar tropas russas da Chechénia em fases, em troca de desarmamento e promessas de não praticar actos de violência, pode ser muita coisa.

Mas deixemos que uma coisa seja bem clara e cristalina: seja o que for, esta questão pertence à Federação Russa deliberar e resolver e a mais ninguém. Chechénia foi, é e sempre será, parte integral da Federação Russa e cabe a Moscovo decidir como melhor resolver essa situação, que já foi complicada com demasiada influência estrangeira, nem sempre bem intencionada.

Relativamente a Beslan, o dia 3 de Setembro colocou esta cidade na Ossétia Norte na mapa da consciência colectiva mundial. Ninguém pode apagar o que foi feito, ninguém pode trazer de volta as vidas perdidas, tiradas por um bando de desclassificados. No entanto, as suas mortes serão sempre lembradas como as que unificaram o mundo inteiro no nome do Bem contra o Mal.

Vamos todos lembrar o dia 3 de Setembro de 2004, vamos sempre ser solidários com as vítimas e suas famílias e vamos torcer para que o Bem vença o Mal, porque estas crianças merecem pelo menos isso.

Mais uma vez, um sentido obrigado em nome dos meus colegas na Rússia, alguns dos quais se deslocaram a Beslan e disseram que nunca mais a vida para eles será a mesma coisa. Pediram muitas vezes que eu transmitisse aos nossos leitores que o sentido de apoio que lhes dão faz com que conseguem passar por isso com mais força. Obrigado a todos.

Timothy BANCROFT-HINCHEY PRAVDA.Ru

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