Revolução Cidadã equatoriana contra uma direita com 'promessas delirantes e inviáveis'

Revolução Cidadã equatoriana contra uma direita com 'promessas delirantes e inviáveis'

A equatoriana Gina Chávez, doutora em Direito Constitucional, Ciências Políticas e Criminologia analisa, com exclusividade para esta reportagem, pleito presidencial de seu país. Contra a continuação da Revolução Cidadã, a legista observa uma direita sem militância sólida, apoiada na manipulação midiática, na geração de ódio e de desestabilização através das redes sociais. "Articulada com forças internas e externas vinculadas ao capital global e aos interesses estadunidenses", a oposição apresenta "promessas delirantes e inviáveis". 

"A direita está tão acostumada a perder, que está comemorando a chegada ao segundo turno como uma conquista. É essa direita que não tem cara mas interesses, e que será mais uma vez derrotada", afirmou o presidente equatoriano Rafael Correa após a divulgação dos resultados do primeiro turno da eleição presidencial que levou ao segundo turno o candidato governista, Lenín Moreno (Aliança País, AP), indicado diretamente por Correa, e o opositor Guillermo Lasso (CREO - SUMA), um banqueiro com ao menos 50 empresas em paraísos fiscais. 

Disputado na mais absoluta normalidade neste domingo 2 de abril, a sociedade equatoriana decidiu entre a continuidade da Revolução Cidadã de um lado que, inclusiva e regionalmente integracionista, rompeu com o FMI e com o Consenso de Washington, e de outro lado o retorno às políticas neoliberais pró-Washington. O resultado do pleito está previsto para ser divulgado ainda na noite deste domingo.

Após ter enfrentado uma campanha agressiva como jamais vista antes na história do país andino por parte da direita, baseada em insultos, calúnias, violência e sem conteúdo programático, Moreno obteve vantagem de 1.063.940 de votos frente a Lasso no primeiro turno, com 39,36% do total diante dos 28,09% do segundo colocado, tendo faltado muito pouco para que o candidato situacionista tivesse obtido os 40% necessários para ter vencido já no primeiro turno, dado que obteve mais de 10 pontos percentuais de vantagem sobre o segundo colocado, condições para que não haja segundo turno. 

Festa Pobre à Direita

Lasso e seus partidários realmente comemoraram a chegada ao segundo turno, até porque três das quatro instituições de pesquisa apontavam vitória de seu adversário no primeiro turno. Além disso, em duas de suas três vitórias eleitorais, em 2006, 2009 e 2013, Correa venceu no primeiro turno com esmagadora maioria de votos.

Os partidários do CREO haviam dito que se Moreno ganhasse no primeiro turno, alegariam fraude eleitoral, algo que não possui precedentes nestes dez anos de Revolução Cidadã, desde que Correa chegou ao Palácio de Carondelet, em 2007.  

 

Durante a contagem de votos, quando as sondagens indicavam a alta possibilidade de que o candidato por Aliança País vencesse no primeiro turno, militantes do CREO protestaram em frente ao Conselho Nacional Eleitoral de Quito, "impedindo" uma suposta fraude. A contraofensiva do AP, denunciando fraude contra si apresentando denúncia com provas de alteração de cédulas na província de Manabí, acabou neutralizando parcialmente a estratégia da direita. 

A mesma oposição que tardava a contagem de votos do primeiro turno através de conturbações e muita violência, acusava a lentidão da contagem. Mais tarde, ficaria provado que Lasso havia contratado uma instituição de pesquisa para maquiar opiniões públicas envolvendo as intenções de voto.

"Nenhuma força política colocou objetivamente em dúvida a transparência e a eficiência do sistema eleitoral", afirma para esta reportagem a legista equatoriana Gina Chávez Vallejo, doutora em Direito Constitucional, em Ciência Política e em Criminologia pela Universidade de Valência na Espanha, atualmente docente do Instituto de Altos Estudos Nacionais (IAEN) do Equador, com sede na capital do país andino.

"O primeiro turno contou com mais de 200 observadores eleitorais de diferentes organismos internacionais e nacionais, evidenciando uma democracia em pleno e cabal funcionamento. Isso é consequência de dez anos de estabilidade democrática, quando se desenvolveram dez processos eleitorais que incluíram três consultas populares", lembra Gina Chávez. Após a divulgação da "vitória" do candidato neoliberal pelo CREO, isto é, sua ida ao segundo turno, não se falou mais em fraude. Contudo, semanas mais tarde a direita equatoriana repetiria o discurso que antecedeu o primeiro turno: se perderem o segundo turno, alegarão fraude. 

Diante disso tudo, alguma semelhança com o agressivo cinismo e a apelação indiscriminadamente covarde da direita regional?

Sem Identidade, sem Conteúdo, sem Vergonha

Quanto à a falta de identidade da direita equatoriana, o presidente do país andino também tem razão na observação. No caso particular do candidato do CREO - SUMA as evidências são muitas e claras, dadas as profundas contradições nas propostas de campanha, já pobres. "A disputa apresentou muito barulho e pouco conteúdo por parte da oposição. Esta disputou emoções ao invés de debater teses políticas", avalia Gina Chávez. 

Para a docente do IAEN, o CREO, a exemplo de todos os partidos que disputaram o primeiro turno, não conta com uma militância sólida nem com uma base social importante com exceção da AP e, em menor medida, do Partido Social Cristão da candidata conservadora Cynthia Viteri, "o que está sendo vantajoso para a AP".

Para a legista, o CREO tenta preencher esse vácuo através do uso estratégico de recursos midiáticos, velha tática que, segundo a legista, tem servido para "gerar reações espontâneas e controladas nas redes sociais buscando reeditar, no Equador, as novas modalidades de campanhas eleitorais que têm, na construção de uma opinião pública caótica das redes sociais, sua base para debilitar a credibilidade do governo, mais que da própria chapa eleitoral situacionista, e desta maneira falar e explicar o menos possível sobre o conteúdo de seu plano de governo". Gina acrescenta que "a AP tem contra-atacado esta estratégia mostrando suas conquistas de governo, sobre o que ela tem muito a dizer".

A professora doutora do IAEN afirma que a grande mídia equatoriana apostou no fato de que altos nomes do governo, inclusive o candidato a vice-presidente Jorge Glas estaria envolvido nos Papeis do Panamá, o que até agora não ocorreu. "Correa contra-atacou combatendo funcionários da Petroecuador e o ex-ministro de Hidrocarburos, Jorge Pareja Yanuceli, e por outro lado filtrou nomes relacionados ao escândalo da Odebrech que acabaram vinculando personalidades políticas de direita, como o prefeito de Guaiaquil Jaime Nebot, como também o prefeito de Quito Mauricio Rodas". 

Para Gina, está claro que existem forças de direita que conseguiram se recompor muito antes das eleições, especificamente a partir de 30 de setembro de 2010, quando houve a tentativa de golpe de Estado. Para a legista, esta direita "atua articulada com forças internas (classes dominantes) e externas, vinculadas ao capital global e aos interesses estadunidenses, com o único objetivo de ratificar a tese do fim do ciclo progressista que facilitaria a desarticulação dos processos da Bolívia e da Venezuela, aspectos visíveis del Socialismo do Século XXI.

Evidentemente perante isso tudo também, uma reprodução da baixa estatura intelectual e moral dos setores reacionários nacionais, América Latina afora.

Negação Existencial

Nota-se facilmente o conteúdo agressivo e a ausência de propostas concretas, recheadas de contradições a cada declaração dos partidários do CREO e propriamente de Lasso, banqueiro e ministro de Economia e Energia do ex-presidente Jamil Mahuad (1998-2000) que levou o Equador a uma das piores crises de sua história, o que fez com que cerca de dois milhões de equatorianos tivessem emigrado para fugir do caos neoliberal no final da década de 1990.  

Segundo investigação do jornal argentino Página 12, entre 1999 e 2000, enquanto o então presidente Mahuad dolarizava a economia do país, a fortuna de Lasso saltou de 1 milhão de dólares a 31 milhões de dólares. Acredita-se que o banqueiro multiplicou a fortuna especulando sobre títulos do governo antes da dolarização, o que deixou milhões de equatorianos em situação de pobreza.

Recentemente, Ana Mercedez Galarza (CREO), ex-miss equatoriana eleita em fevereiro deputada pela província de Tungurahua, afirmou: "Nosso modelo não é privatizante, tampouco neoliberal. Defendemos alianças público-privadas sem o desperdício dos recursos para sermos estáveis economicamente e mais atrativos ao investimento estrangeiro". 

Uma breve exposição das propostas (em determinados casos, surreais) do candidato Lasso demonstram o quanto é risível a afirmação da nova parlamentar, uma negação da própria existência política. Vê-se, aqui também, outra peculiar característica dos setores reacionários bem conhecidos de todos nós, na arte de persuadir com base em cinismo e covardia excessivos.

Quem É Quem

A página 47 do plano de governo de Lasso aponta privatização da educação e a 48, da saúde enquanto a Constituição do Equador garante que ambas são um direito. Mas ao invés de serem tratados como cidadãos dotados de tais direitos, o candidato do CREO aplica clara conotação de que sejam clientes diante dos negócios envolvendo as duas áreas em questão. 

Lasso prevê a eliminação de 14 impostos, despedir cerca de 200 mil servidores públicos - polícia professores, médicos etc. Se eleito, reduziria à metade o pagamento de impostos em favor das classes dominantes; cortaria em 150 por cento os investimentos atuais em saúde pública, em 80 por cento os da educação; privatizaria áreas verdes, que deveriam entregues ao setor privado enquanto Lenín Moreno diz que devem pertencer ao povo, já que a biodiversidade é um recurso estratégico e não para uso de uns poucos.

O candidato do CREO promete eliminar diversas instituições públicas, como por exemplo o Ministério de Ensino Superior, Ciência, Tecnologia e Inovação (SENESCYT), e o Conselho de Participação Cidadã e Controle Social (CPCCS) enquanto a Organização Internacional do Trabalho afirma que o Equador é o segundo país com o menor percentual de funcionários públicos da América Latina, a maioria deles concentrados no setor de educação e saúde. Portanto, o esvaziamento proposto por Lasso reduziria o número de médicos e professores.

Lasso promete a geração de 1,5 milhão de empregos, sem dizer como faria isso. Além do mais, no Equador não há hoje mais que 440 mil desempregados - o país andino possui a menor taxa de desemprego latino-americana, 5,3%, conquista da Revolução Cidadã.

A Revolução Cidadã defendida por Moreno traz, em seus dez anos de existência, a triplicação do salário mínimo, 15 mil jovens equatorianos matriculados nas 50 melhores universidades do mundo através de bolsas de estudo fornecidas pelo governo, e diminuição da pobreza em 32%. Enquanto lidera a lista de países latino-americanos que mais investem em educação, o Equador assistiu desde 2007 uma redução vertiginosa da violência, fazendo com que o país seja hoje um dos mair seguros da região.

Moreno promete seguir a premissa de Correa, baseada no "protagonismo da sociedade: alcançar maior politização da sociedade, única garantia de que qualquer mudança programática que realize a Revolução Cidadã, não seja passageira. A irreversibilidade do processo depende apenas de uma sociedade consciente de seus direitos e da importância de suas lutas históricas. Neste sentido, coloca-se muita ênfase no território, em 'escutar as pessoas'. Democracia radical: governar os mercados, colocar a economia a serviço da cidadania (o termo cidadania denota que o cidadão é considerado muito mais que consumidor enquanto dotado de consciência política, de igualdade de direitos diante de um Estado que lhe garante serviços básicos como saúde, educação, segurança, saneamento como direito e não como bens de consumo). Além disso, incentivar os mecanismos de participação cidadã para que a sociedade possa imiscuir-se de uma melhor maneira no governo". Tais propostas estão incluídas no programa do candidato da AP.

Perspectivas

Para Gina Chávez, uma vitória de Lasso significaria "o retorno ao livre mercado que levaria não apenas ao desinvestimento no setor público orientado a debilitar os serviços públicos, e preparar o cenário para privatizar os setores mais rentáveis como os hidrocarburetos, o setor elétrico com as grandes hidrelétricas construídas que agora permitem exportar energia elétrica a nossos vizinhos do continente, a seguridade social, os serviços de saúde, educação e, inclusive, a Policia Nacional".

A legista e docente acrescenta que as políticas neoliberais dos dias de hoje são mais agressivas que das décadas de 1980 e de 1990. "Aponta não apenas à apropriação do Estado e dos recursos públicos, como também à destruição da coesão social para governar sobre o caos social. A intolerância contra o social nos tempos atuais não foi visto sequer durante o fascismo, o qual aplicou uma estratégia de extermínio de caráter racial mas não social. Constrói-se à sociedade, ao cidadão como o inimigo".

Nesta noite saberemos se no Equador prevalecerá o Estado soberano, inclusivo, que favorece as minorias e onde a sociedade é protagonista da própria história, ou um Estado privatizador de tudo composto por cidadãos clientes sem direitos, o que para o Equador significaria um retrocesso de 20 anos - e para a América Latina, um grande passo rumo à velha desintegração e ao entreguismo.

 

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