A soberania do povo é apropriada por um novo clero

A CRP evidencia uma lógica piramidal, hierárquica, que coloca no vértice da organização do poder político as altas esferas de nível nacional, os órgãos de soberania - o Presidente da República, a Assembleia da República, o Governo e os Tribunais (art. 110º). Contudo, logo no início do texto (artº 2º) a CRP estabelece que "A República Portuguesa é um Estado de direito democrático, baseado na soberania popular..." e que (artº 3º) "A soberania, una e indivisível, reside no povo, que a exerce segundo as formas previstas na Constituição." Ora, acontece que a CRP através das ditas "formas previstas", ao tornar, de facto, inamovíveis pelo povo os membros dos tais órgãos de soberania, nega precisamente a soberania popular...

Essa soberania, como se sabe, resume-se à votação em actos eleitorais e é truncada no que respeita à elegibilidade para funções de representação, uma vez que a CRP estabelece a mediação dos partidos políticos para o efeito. Estando previstas fórmulas para grupos de cidadãos a nível autárquico, elas são colocadas fora dos procedimentos regulares da "democracia representativa" e rodeadas de dificuldades práticas de ordem burocrática. Somente o PR é objeto de concurso individual, sabendo-se que ninguém terá hipóteses de uma votação apreciável sem apoios de partidos do regime, sem os seus financiamentos (e o dos meios dos negócios) para além dos favores dos media; daí que as pessoas comuns não tenham qualquer possibilidade de apresentar uma candidatura viável uma vez que a disponibilidade de fortunas é o grande condicionador da expressão que se diz democrática. Helena Roseta disse isso mesmo, dias atrás, reconhecendo que lhe falta apoio partidário e portanto dinheiro para se candidatar a residir perto dos pastéis de Belém.

Outro aspeto da truncagem democrática é que os eleitos não cumprem minimamente as obrigações inerentes a um contrato de mandato. O mandato é um contrato em que o mandatário recebe poderes do mandante para que possa atuar e praticar actos em função dos interesses do último. O facto da sua etimologia estar em manum datum (o aperto de mãos que selaria o contrato), dispensando a materialização de uma procuração, significa que o mandato relacionava gente digna de respeito, que honraria os seus compromissos.

Numa representação política, o potencial candidato elabora o seu programa que apresenta ao eleitorado; ao ser eleito torna-se mandatário dos seus eleitores e o seu programa equipara-se a uma procuração, a cumprir escrupulosamente. Se não cumpre os termos dessa procuração, por si elaborada, por inépcia, por má avaliação das suas possibilidades ou, por má-fé, isso deverá permitir que os mandantes coloquem em causa o mandatário e o possam substituir, por um acto formal, um referendo, se o faltoso não tiver a verticalidade de se demitir.

Nada disto funciona na denominada democracia representativa ou de "mercado" e por várias razões. Em regra, os membros da classe política não se sentem vinculados a contrato algum, nem a compromissos, nem a responsabilidades para com os eleitores; sentem-se membros de uma ordem superior, de uma casta e mais propriamente se deveriam designar por ungidos, sacralizados, em vez de eleitos. Por outro lado, o rol de promessas e futilidades chamado programa é coletivo, elaborado pela corte do chefe partidário, sem que com isso se possa ou deva eximir os membros individuais do partido de responsabilidades pessoais que possam ter, por atuação própria ou por estarem incluídos num coletivo que não cumpre os seus compromissos.

Ler na íntegra:

http://grazia-tanta.blogspot.pt/2015/05/um-modelo-democratico-para-os-municipios.html

 

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