Discurso do MRE da Cuba na ONU

Senhor Presidente:

Todos os anos cumprimos nas Nações Unidas o mesmo ritual. Assistimos ao debate geral sabendo de antemão que o clamor de justiça e paz de nossos países subdesenvolvidos será ignorado mais uma vez. No entanto, persistimos. Sabemos que temos a razão. Sabemos que algum dia conquistaremos a justiça social e o desenvolvimento. Sabemos também que não nos serão dados como presentes. Sabemos que os povos teremos que arrancá-los aos que hoje nos negam a justiça, porque sustentam sua opulência e arrogância no desprezo a nossa dor. Mas não sempre será assim. Dizemo-lo hoje com mais convicção do que nunca antes.

Dito isto, e sabendo – como sabemos – que incomodará a alguns poderosos – poucos – aqui presentes, e sabendo também que são partilhadas por muitos, Cuba dirá agora algumas verdades:

Primeira: Após a agressão ao Iraque, não existe a Organização das Nações Unidas, entendida como foro útil e diverso, baseada no respeito aos direitos de todos e com garantias também para os Estados pequenos.

Vive o pior momento de seus já próximos 60 anos. Languesce, ofega, aparenta, mas não funciona.

Quem maniatou as Nações Unidas às que o Presidente Roosevelt lhes deu nome? O Presidente Bush.

Segunda: As tropas norte-americanas terão que ser retiradas do Iraque.

Depois que a vida de mais de 1 000 jovens norte-americanos fosse sacrificada inutilmente para servir os interesses espúrios de uma camarilha de amigões e sócios, e após a morte de mais de 12 mil iraquianos, fica claro que a única saída para o ocupante perante um povo insurreto é reconhecer a impossibilidade de dominá-lo e de retirar-se. Apesar do monopólio imperial da informação, os povos sempre chegam à verdade. Algum dia, os responsáveis e os seus cúmplices encararão diante da História e de seus povos as conseqüências de seus atos.

Terceira: Não haverá por agora reforma válida, real e útil das Nações Unidas.

Requereria que a superpotência, que herdou a prerrogativa imensa de usufruir sozinha uma ordem concebida para um mundo bipolar, renunciara a seus privilégios. E não o fará.

Desde agora sabemos que o anacrônico privilégio do veto será mantido, que o Conselho de Segurança não poderá ser democratizado como deveria, nem alargado com países do Terceiro Mundo, que a Assembléia Geral continuará sendo ignorada, e que nas Nações Unidas continuar-se-á agindo segundo os interesses impostos pela superpotência e seus aliados. Os países Não Alinhados teremos que formar uma trincheira em defesa da Carta das Nações Unidas, porque caso contrário, também será reescrita e tirado dela todo vestígio de princípios tais como: a igualdade soberana dos Estados, a não intervenção e o não uso nem a ameaça do uso da força.

Quarta: Os poderosos conspiram para nos dividir.

Os mais de 130 países subdesenvolvidos devemos construir uma frente comum em defesa dos interesses sagrados de nossos povos, de nosso direito ao desenvolvimento e à paz. Devemos revitalizar o Movimento de Países Não Alinhados. Devemos fortalecer o Grupo dos 77.

Quinta: Os modestos objetivos da Declaração do Milênio não serão cumpridos. Chegaremos ao quinto aniversário da Cimeira numa situação pior.

Propusemo-nos diminuir à metade, para o ano 2015, os 1 276 milhões de seres humanos em pobreza extrema que existia no ano 1990. Seria preciso reduzir mais de 46 milhões de pobres cada ano. No entanto, excluindo a China, entre 1990 e o ano 200 a pobreza extrema cresceu em 28 milhões de pessoas. A pobreza não diminui, cresce.

Gostaríamos diminuir à metade, para o ano 2015, os 842 milhões de famintos registrados no mundo mas, era preciso diminuir 28 milhões por ano. Contudo, apenas estivemos reduzindo 2,1 milhões de famintos por ano. A este ritmo a meta seria conseguida no ano 2215, duzentos anos após do previsto e isso apenas se a nossa espécie sobrevive à destruição de seu meio ambiente.

Proclamamos a aspiração de conseguir no ano 2015 o ensino de primeiro grau universal. Não obstante, mais de 120 milhões de crianças, 1 de cada 5 nessa idade escolar, não assistem ao ensino de primeiro grau. Segundo a UNICEF, ao ritmo atual, essa meta será alcançada depois do ano 2100.

Propusemo-nos reduzir em dois terços a mortalidade em crianças de cinco anos. A redução é simbólica: de 86 crianças que morreram por 1000 nascidos vivos em 1998, agora morrem 82. Todos os anos continuam morrendo 11 milhões de crianças por doenças que podem ser prevenidas ou curadas, cujos pães perguntar-se-ão, com razão, para que servem as nossas reuniões.

Dissemos que prestaríamos atenção às necessidades especiais da África. No entanto, muito pouco foi feito. Os povos africanos não precisam nem conselhos nem modelos estrangeiros, mas recursos financeiros, e acesso aos mercados e às tecnologias. Ajudar à África não seria um ato de caridade, senão de justiça, seria saldar a dívida histórica de séculos de exploração pilhagem.

Comprometemo-nos a deter e a começar a reverter para o ano 2015 a epidemia do AIDS. Porém, no ano 2003 provocou quase 3 milhões de mortos. A esse ritmo, em 2015 iriam morrer, apenas por essa causa, 36 milhões de pessoas.

Sexta: Os países credores e os organismos financeiros internacionais não procurarão uma solução justa e duradoura à dívida externa. Eles nos preferem devedores, isto é, vulneráveis. Por isso, embora já pagamos 4,1 milhões de milhões de dólares por os serviços da dívida nos últimos 13 anos, nossa dívida cresceu de 1,4 milhões de milhões até 2,6 milhões de milhões. Quer dizer, já pagamos três vezes o que devíamos e agora a nossa dívida é o duplo.

Sétima: Somos os países subdesenvolvidos os que financiamos o esbanjamento e a opulência dos países desenvolvidos. Enquanto no ano 2003 eles deram-nos como Ajuda Oficial para o Desenvolvimento 68 400 milhões de dólares, nós lhes entregamos como pagamento pela dívida 436 bilhões. Quem ajuda a quem?

Oitava: A luta contra o terrorismo só se pode ganhar através da cooperação entre todas as nações e com respeito ao Direito Internacional, e não mediante bombardeamentos maciços nem guerras preventivas contra “escuros cantos do mundo”. A hipocrisia e as duplas rasas devem cessar. Conceder abrigo nos Estados Unidos a três terroristas cubanos é um ato de cumplicidade com o terrorismo. Castigar cinco jovens lutadores anti-terroristas cubanos, e seus familiares, é um crime.

Nona: O desarmamento geral e completo, incluído o nuclear, é hoje impossível. É responsabilidade de um grupo de países desenvolvidos que são os que mais vendem e compram armas. No entanto, devemos continuar lutando por ele. Devemos exigir que os quase mais de 900 bilhões, que hoje se dedicam cada ano a despesas militares, sejam empregados no desenvolvimento, e

Décima: Existem os recursos financeiros para garantir o desenvolvimento sustentável a todos os povos do planeta, mais falta a vontade política dos que dominam o mundo.

Um imposto para o desenvolvimento de apenas 0,1 por cento às transações financeiras internacionais produziria recursos por quase 400 bilhões de dólares anuais.

Anular a dívida externa aos países subdesenvolvidos lhes permitiria dispor para seu desenvolvimento de não menos de 436 bilhões de dólares anuais, que hoje são alocados ao pagamento da dívida.

Se os países desenvolvidos cumprirem seu compromisso de dedicar 0,7 por cento de seu Produto Nacional Bruto como ajuda oficial ao desenvolvimento, sua contribuição aumentaria desde os 68 400 milhões atuais até 160 bilhões de dólares por ano.

Finalmente, Excelências, gostaria de exprimir claramente a convicção profunda de Cuba de que os 6 400 milhões de seres humanos que habitamos neste planeta e que, segundo a Carta das Nações Unidas, temos iguais direitos, precisamos imperiosamente de uma nova ordem, na qual o mundo não esteja em alerta, como agora, esperando o resultado das eleições em uma nova Roma, nas quais participará apenas a metade dos votantes e serão gastados aproximadamente 1 500 milhões de dólares.

Gostaria esclarecer que não há desalento em nossas palavras. Somos otimistas, porque somos revolucionários. Temos fé na luta dos povos e estamos certos de que conquistaremos uma nova ordem mundial baseada no respeito ao direito de todos: uma ordem baseada na solidariedade, a justiça e a paz, filha do melhor da cultura universal e não da mediocridade e da força bruta.

De Cuba, a qual nem bloqueios, nem ameaças, nem furacões, nem secas, nem força humana ou natural podem afastar de seu rumo, não digo nada.

No próximo dia 28 de outubro esta Assembléia Geral discutirá e votará pela décima terceira vez uma resolução sobre o bloqueio contra o povo cubano. Mais uma vez a moral e os princípios derrotarão à arrogância e à força.

Concluo lembrando as palavras que há 25 anos proferiu neste mesmo lugar o Presidente Fidel Castro:

“O ruído das armas, da linguagem ameaçante, da prepotência no cenário internacional deve cessar. Chega já da ilusão de que os problemas do mundo podem ser resolvidos com armas nucleares. As bombas poderão matar os famintos, os doentes, os ignorantes, mas não podem matar a fome, as doenças, a ignorância. Também não podem matar a justa rebeldia dos povos...”

Muito obrigado.

Felipe Pérez Roque

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