A GUERRA FRIA NUNCA TERMINOU

Oficialmente, segundo os governos europeus, norte-americano e russo, a Guerra Fria é coisa do passado, esses países são agora aliados, e as poucas diferenças que existem podem ser facilmente superadas. A Rússia, realmente, tem seguido tal política, buscando aproximar-se de todas as maneiras dos Estados Unidos e da União Européia. Estes últimos, porém, têm mostrado relutância nesse acercamento, e até buscam deliberadamente afastar-se e enfrentar-se com a Rússia.

Se a Guerra Fria houvesse realmente terminado, alguns fatos recentes seriam incompreensíveis. Por que a OTAN, a aliança miltar entre Estados Unidos e a Europa, ainda existe, se sua contraparte, o Pacto de Varsóvia, desapareceu em 1989? E não somente existe, como está em contínua expansão ao Leste, cada vez mais próxima às fronteiras russas. Por que tanta histeria em relação aos acordos entre os países da antiga União Soviética, que buscam aumentar sua integração econômica, política e estratégica, sendo que tal integração não ameaça ninguém? Porém, os EUA e a UE chamam isso de “imperialismo russo”, que busca reconstruir à força o “império soviético”. Por que tantas críticas a Putin, chamando-o de tirano, sendo que ele tem um governo muito mais democrático, liberal e pró-Ocidente que o seu tão celebrado antecessor, Boris Yeltsin? Por que dão asilo a reconhecidos terroristas chechenos, considerando-os “políticos que lutam pela liberdade de seu povo”? Por que a Europa permite o regime de apartheid contra as populações de língua russa em seus novos membros, principalmente Letônia e Estônia? E por que o Parlamento Europeu se envolve em assuntos fora de sua jurisdição, apenas para mostrar sua posição anti-russa, exigindo a Moscou que “devolva” as Ilhas Kurilas ao Japão, “ocupadas” depois da Segunda Guerra Mundial?

Nem a Europa nem os Estados Unidos querem extinguir o clima da Guerra Fria e ter relações amigáveis com a Rússia. Claro, os interesses econômicos e estratégicos são muito importantes: ambos querem ter acesso às riquezas dos novos países da antiga URSS, trazendo para sua zona de influência as cidades industriais da Ucrânia e da Bielorússia, e as riquezas minerais e a localização estratégica do Caucaso e da Ásia Central. O método é a instalação de governos-títeres, como os de Yushchenko na Ucrânia e o de Saakashvili na Geórgia, que chegaram ao poder através de golpes de estado disfarçados de “revoluções populares” financiadas pelos EUA e a UE. E, obviamente, para alcançar este objetivo é essencial afastar esses países da Rússia.

Mas parece haver um outro fator para a russofobia: a cultura. As populações dos EUA e da Europa estão acostumadas a considerar a Rússia como seu inimigo eterno, e qualquer governo que afirme combater o “imperialismo e tirania russos” terá uma política externa popular em seus países. George W. Bush, no primeiro mandato, tinha uma postura considerada branda em relação à Rússia: para ganhar as eleições, passou a seguir mais os conselhos de sua “especialista em assuntos russos” e ministra do exterior, Condoleeza Rice, e assumiu uma atitude mais dura com Moscou.

Países como França, Alemanha e Grã-Bretanha estão acostumados, há séculos, em considerar a Rússia como a grande ameaça, o terrível império asiático, tirânico e atrasado, sempre pronto a conquistar a Europa ocidental e destruir sua civilização. Embora a Rússia tenha salvado a Europa várias vezes, livrando-a de Napoleão e Hitler, e esforçando-se por conseguir uma paz duradoura e reciprocamente vantajosa na região, a postura russófoba européia nunca mudou muito.

Os Estados Unidos não têm uma tradição anti-russa tão antiga. Até a década de 1920, este país quase não tinha relações com a Rússia. Na década seguinte, empresários e técnicos estadunidenses, muito bem pagos pela URSS, foram a este país ajudar a construir seu parque industrial. Durante as décadas de 30 e primeira metade da de 40, as relações dos EUA com a URSS foram muito boas. Mas, necessitando criar um inimigo para justificar a presença militar dos EUA no exterior depois da Segunda Guerra Mundial, o governo de Truman não hesitou em inventar a “ameaça comunista”. A propaganda anti-soviética encontrou eco na tendência apocalíptica da cultura norte-americana: a URSS era o “império do mal”, que necessitava ser combatido incondicionalmente até o fim, quando o bem perfeito (os EUA e sua democracia capitalista) triunfariam. Nada disso aconteceu, felizmente nunca houve a “batalha de Armagedon” nuclear, mas os EUA ainda assim afirmam ter vencido a Guerra Fria e querem ter domínio absoluto sobre o mundo inteiro.

O fim da URSS foi um acidente histórico, uma causalidade histórica que poderia (e deveria) não ter acontecido, e não se deve a nenhum esforço por parte dos EUA. Mas, agora que a Rússia está voltando a ter uma participação importante na arena mundial, com sua economia crescendo, o nível de vida de sua população melhorando e seu poderio militar em aumento, os planos dos EUA se vêem frustrados. A Rússia é o único país com indústrias bélicas e algumas tecnologias (como a espacial) capaz de competir com os EUA. A China, muitas vezes considerada “a nova superpotência”, embora tenha uma economia muito grande, é ainda um país com nível de vida inferior ao da Rússia ou da América Latina, e totalmente dependente de Moscou para adquirir armamento sofisticado. Mesmo o programa espacial chinês, que em 2003 lançou um cosmonauta ao espaço, depende do fornecimento de tecnologia russa. Para os EUA, a Rússia é um rival muito mais temível que a China.

Porém, já há 20 anos que a URSS e sua sucessora, a Rússia, tem seguido um caminho de melhorar as relações com os EUA e a Europa Ocidental, sem grande sucesso. A Rússia fez muito por melhorar suas relações com as principais potências ocidentais. A lista é imensa, e podemos citar as mais importantes: permitiu a reunificação da Alemanha e o fim do Pacto de Varsóvia na Europa Central. Primeiro reclamou, mas acabou aceitando, a expansão da OTAN rumo ao leste, e não tomará nenhuma atitude se a Ucrânia e a Geórgia se integrarem à aliança militar, como tudo indica que ocorrerá em breve. Reduziu unilateralmente seu arsenal nuclear, enquanto os EUA continuam desenvolvendo novas armas atômicas. Não interfere nos países da antiga URSS, mesmo quando estes são claramente manipulados por potências estrangeiras, como ocorreu na Geórgia e na Ucrânia. Permitiu a instalação de bases militares dos EUA no Azerbaijão e na Ásia Central, e ofereceu uma importante ajuda para a luta contra o terrorismo e o fanatismo islâmico no Afeganistão. Mantém a produção de petróleo e gás natural ao máximo, para impedir que os preços subam ainda mais, beneficiando as economias dos EUA e da UE, amplamente dependentes de combustíveis. Tudo isso com poucos resultados: os Estados Unidos e a Europa ainda insistem em considerar a Rússia uma ameaça e uma tirania.

Seria mais interessante, para os Estados Unidos, a Europa e o resto do mundo, que as relações com a Rússia fossem amigáveis e de confiança. Falta apenas que o Ocidente aceite e responda à altura aos gestos e ações de Putin. Ele não é inimigo, nem sequer rival, de nenhum outro país: tudo o que ele busca é desenvolver seu país através de relações mutuamente vantajosas com o resto do mundo, sem imposições ou unilateralismos.

Carlo MOIANA Pravda.ru Buenos Aires

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