Al Nakba - A Catástrofe Global

Semana passada telefona um novo amigo, a quem aprendi a admirar pela cordialidade e sabedoria, me convidando para uma reunião de militantes da causa palestina.

Fui. Pelo amigo e pela causa.

Recebido com cordialidade por alguns que já conhecia e muitos que não conhecia, encontrei o Nildão, vizinho e sergipano que ameniza minhas saudades do nordeste.

Usufrui da conversa de pessoas de diversas idades e observei a beleza de suas mulheres, muito naturalmente trajadas e participativas. Apenas duas tinham a cabeça envolta por panos a protegê-las do frio daquela noite de final de outono. Uma delas num lenço cinza pastel e sem estampa, e outra com os desenhos de losangos em fundo vermelho. Realçava-lhes a profundidade do olhar.

O amigo do convite explicou que o nome daquele lenço dos losangos é hata. Quando brancos, um sinal de paz; os rubros indicam guerra. Ninguém mais, homem ou mulher, o exibia, e imaginei naquela moça bonita uma guerrilheira de Gaza, ou vinda da Cisjordânia, apesar de seu perfeito português sem nenhum sotaque.

Tomamos chá, serviu-se esfirras. Depois fomos convidados a entrar numa sala com umas quantas cadeiras de platéia e outras tantas postadas à frente, onde evidentemente sentariam aqueles que discorreriam os temas da reunião. A bela guerrilheira da hata vermelha assumiu a palavra explicando a palavra título do evento: Al Nakba quer dizer A Catástrofe. Assim se denomina aquele dia em que se completavam os 61 anos de invasão da Palestina.

Expressou sensibilidade pelo sofrimento das crianças e mulheres de Gaza e Cisjordânia, mas suas palavras não me pareceram tão aguerridas. Talvez por usar um português tão nosso, imaginei. Como se lesse meus pensamentos, contou ser brasileira e descendente de italianos, ainda que envolvida com a causa palestina por senso de humanidade.

Daí chamou para compor a mesa ao Nildão, o Nildomar Freire, na qualidade de Presidente do Comitê Catarinense de Solidariedade ao Povo Palestino.

Um senhor, Abdel, que não consegui depreender o sobrenome, mas é da Associação Palestina de Santa Maria, no Rio Grande do Sul. Fauzi El Machine, ex-embaixador da Palestina no México. Walid Altamimi, recém chegado dos campos de refugiados do Iraque. E, entre outros brasileiros, para meu espanto, chamou a mim, anunciando-me como poeta.

Cometo meus versos, é verdade, mas os sei modestos e sem maiores pretensões, além do que, isso de ser indicado como poeta em meio a povos arábicos, é coisa de muita responsabilidade. Eles são os pais da arte. A Europa ainda estava nas redondilhas quando os mouros trouxeram para a Península Ibérica suas odes, seus épicos e narrativas de longo fôlego, dando origem às grandes obras literárias que envaidecem todos os povos e culturas. Não é a toa que a gesta Mio Cid, de autoria desconhecida, surgiu em Espanha. Também anônima e espanhola é a primeira novela picaresca, precursora do realismo literário: Lazarillo de Tormes.

Ainda há pouco um clérigo espanhol e arabista renomado descobre que a Divina Comédia, a principal e mais antiga obra prima da literatura ocidental depois da Ilíada e Odisséia de Homero, nada mais fora do que uma adaptação ao toscano (uma aproximação do latim ao italiano atual) de antiga composição árabe. O que, entendem os estudiosos, em nada diminui o gênio do mestre florentino, pois como bem sabem os tradutores, poesia não se traduz, se as reescreve. Para se traduzir um poeta há de ser tão poeta quanto aquele que concebeu os versos originais.

De toda forma, que poeta era eu ali, para atender ao cochicho da guerrilheira pedindo minha participação com o dizer de algum poema próprio ou de outrem, que se acomodasse ao tema daquela noite?

Enquanto ouvia meu simpático vizinho, naquele vozeirão nordestino, transmitindo brasileiras homenagens à resistência do povo palestino, tentava catar memórias de João Cabral de Melo Neto. Mas na cabeça as estrofes se misturavam às de Manoel Bandeira e Gregório de Matos Guerra, pois há muito já se foi o tempo que conseguia reproduzir, sem tropeço, todo O Século ou o Navio Negreiro do Castro Alves.

Depois falou o senhor Abdel. Não seria correto interpretar mansuetude em seu tom, mas havia uma indignação contida, e não o ódio tão propalado como tônica dos corações palestinos. Enquanto isso eu tentava recompor os versos de Brecht, exortando reação contra os usurpadores e dominadores, buscando lembranças das coxias e dos ensaios de amigos que interpretaram as obras do dramaturgo alemão.

Falaram outros, palestinos e brasileiros, e os olhos da italiana vestida de guerrilheira anti-sionista, ali me cobrando pela memória que não vinha. Tão identificada é, que assumiu aquela expressividade árabe no olhar para exigir-me uma poesia de minha autoria. Imaginem! De minhas só decorei uma do único livro publicado no gênero: A Cabeça de Pinochet. E ainda assim por não ter mais do que três ou quatro versos para concluir que se o tirano lera Neruda, o fizera tão mal como nenhum analfabeto o faria. Mas como justificar, com isso, o Al Nakba?

Então falou Walid, o refugiado, em árabe. Enquanto um patrício o traduzia, o som daquelas palavras, que se iniciavam no fundo da garganta para depois estalar no palato, me sussurrou os rubaiyat de Omar Khayyam. Mas como recordar a tradução adaptada em versos alexandrinos por si tão complexos, ainda que insuficientes para transmitir a refinada estrutura algébrica do matemático persa que influenciou Descartes?

Além disso, embora o tradutor reduzisse a dor do falar, no brilho daqueles olhos se refletia tantos horrores que, mesmo me fosse possível reproduzir os versos, impossível, ali, a celebração do astrônomo Khayyam a brindar, em galáxias e nebulosas das noites árabes, a beleza das silhuetas das mulheres.

Entre brasileiros e palestinos, não recordo a exata seqüência dos que se pronunciaram, pois do Omar Khayyam pulava para Vinícius de Moraes, numa relação lógica às influências daquele clássico ao nosso “poetinha” moderno. Mas claro que também Vinícius não se coadunaria ao momento.

Outra que falou foi Gina Couto, uruguaia e secretária do MST, vinda ao evento do Vale do Itajaí, onde diretores do INCRA e Sem Terra foram rendidos à mão armada pelo governador Luís Henrique da Silveira, através da Polícia Militar que impediu a posse de área desapropriada pelo desmatamento ilegal promovido pelos ex-proprietários.

Enquanto o ENTRA aguarda o apoio da Polícia Federal para enfrentar a reação armada do governador e dos jagunços dos madeireiros, Gina contou que os Sem Terras e sem seus mantimentos, agasalhos e colchões confiscados pela PM junto com as ferramentas de trabalho, estão acampados às margens de rodovias com suas mulheres e crianças, sob temperaturas que nas noites variam de 5 a 3 graus, no município de Taió.

O relato confundiu-se à dor da tristeza úmida nos olhos do Walid, mas o sotaque daquela mulher que deixou seu país para lutar com nossa gente pelos territórios ocupados por invasores e especuladores do ganho fácil e irresponsável, me trouxe à lembrança seu conterrâneo Mário Benedetti e nem poderia imaginar que iríamos perdê-lo dois dias depois.

Lembro que, por fim, falou o diplomata Fauzi, me impressionando com uma extensa relação de intelectuais, cientistas, oficiais militares de alta patente, todos judeus, mas anti-sionistas. Nominou um a um e reproduziu as palavras desses israelenses, reprovando a covardia e violência sionista contra o povo palestino.

Lamentei não mais lembrar o Kaddish de Allen Ginsberg, norte-americano de origem judaica, que bem poderia servir de incentivo a todos judeus para exorcizarem os fantasmas que os sionistas lhes impregnam na alma, alimentando-os da paranóia que tanto infelicitou a mãe de Ginsberg e a infância do próprio poeta.

Impressionou-me muito o profundo e sincero agradecimento do ex-embaixador à solidariedade desses tantos judeus que apóiam a causa da criação de um estado palestino. Também agradeceu, de forma muito comovente, a solidariedade mundial e, especificamente, a brasileira. Nem por isso deixou de ser duro contra grupos árabes que se vendem aos interesses sionistas ou a eles se associam na exploração e comércio do petróleo da região, através da espoliação de seus povos, particularmente do genocídio de palestinos.

Envolvido pela tragédia de todo o conteúdo ali exposto com tamanha ponderação e sobriedade, que muito mais dignifica o sofrimento daquele povo do que a exaustiva manipulação e exploração do holocausto judaico; não consigo recordar ao certo em que momento a “Anita Garibaldi” das arábias me convocou a falar.

Falar o quê, naquelas alturas? Recitar versos meus ou de quem fosse, nem pensar! Mas mesmo sem rimas ou estrofes, que mais poderia dizer, exprimir, além de um desespero que me engasgava e ao qual todos, ali, pareciam imunes. O que neles era ponderação, em mim era revolta, indignação! O que neles era dor, em mim era ódio!

Tentei falar do Crime Organizado Internacional para explicar porque o Al Nakba, a catástrofe, não é só dos palestinos, mas não consegui demonstrar como estamos, em todo o mundo, em cada país, entre cada povo, submetidos às organizações criminosas. Submetidos pela capilaridade sutil de pequenas organizações, governamentais ou não, sistematicamente centralizadas e comandadas pelos poderes financeiros e econômicos que regem o mundo. São os que determinam quais povos serão extintos à míngua e ao abandono como em África, por bombardeios como no Iraque e no Afeganistão, ou por massacre e humilhação como em Gaza, Cisjordânia e no Taió, do Vale do Itajaí, a mais rica e importante região do estado de Santa Catarina.

São eles que decidem quais massas sociais ou faixas etárias deverão ser inutilizadas ou tornadas inativas pela obesidade dos fast foods, idiotizados pelas drogas, alienados pelo consumismo, como nos Estados Unidos e demais centros das Américas e da Europa.

Difícil demonstrar, assim de repente, como se tem me tornado claro que a partir da 2ª Guerra Mundial se começou a montar uma super estrutura muito maior do que as dos estados nacionais, com poder de manipular os governos destes estados.

Como explicar que, a meu ver, Hitler foi o último verdadeiro ditador, e todos os posteriores, meros tiranetes a serviço de um poder por trás do trono. Depois de Hitler, ou em meio ao caos promovido pela derrocada do ideal da supremacia do estado alemão, alguns detentores de grandes capitais planejaram evoluir a milenar utilização de grupos mercenários que da Antiguidade, se estendeu aos corsários do Império Britânico e ao lumpemproletariado de Bonaparte (analisado no 18 Brumário de Karl Marx); para enfim chegar ao comando do mundo através do capital. Hoje não são os reis e ditadores que contratam os criminosos. Os criminosos é que são os reis e ditadores do sistema político/econômico global, contratando e aliciando ridículos “laranjas” como Bush, Uribe, Berlusconi ou Luís Henrique, para que os povos se acreditem governados.

Seria necessário rastrear a história para identificar, entre aqueles que financiaram o delírio nazista, os nomes dos que se associaram a corporações bancárias desenvolvidas ao longo da história européia. Ninguém, dessas corporações, esteve em algum dos tantos campos de extermínio do nazismo, embora muitos fossem e são judeus que continuam vivendo na Suíça, na Áustria, Itália, Polônia, França, Bélgica, Holanda e outros países ocupados pelas armas nazistas.

Esses não emigraram para Israel, não se expõem a insegurança de um estado em permanente guerra desde sua criação. Assim como judeus mortos e escravizados nos campos e guetos nazistas, em maioria, eram pobres e socialistas.

A primeira manifestação do poder dessas forças acima do poder dos estados e das nações que se recuperavam da 2º Guerra ocorreu em reunião da ONU, onde se criou o Estado de Israel sob a assinatura do brasileiro Osvaldo Aranha. Uma resolução já antes condenada pelos mais atilados observadores e analistas da proposta, muitos dos quais judeus, como Sigmund Freud e Albert Einstein.

Aquele crime praticado contra um povo milenar veio a ser o primeiro de uma série que se comprova pela falta de respostas a milhares de perguntas suscitadas ao longo das últimas seis décadas, por onde se dê atenção aos acontecimentos do mundo. Alguns exemplos aleatórios:

Filho de família tradicional e conservadora, a aproximação de John Fitzgerald Kennedy à Máfia, seria apenas por ser católico? Ou tentava encontrar na Máfia um exército paralelo a lhe oferecer alguma defesa? Contra quem? Lee Oswald?

Porque as mais proficientes instituições policiais do mundo até hoje não explicaram quem teriam sido os assassinos do presidente de seu país, nem os assassinos de seu suposto e impossivelmente único assassino? Alguma relação com a anunciada indisposição daquele presidente a iniciante Guerra do Vietnam?

Contasse que após o conclave que o elegeu, João Paulo I teria comentado: “Alguém mais forte do que eu e que mereceria o lugar, esteve sentado à minha frente”. Premonição ou coincidência ter sido Karol Wojtyla quem se sentara a frente do escolhido pelo próprio João XXIII, responsável pelo movimento Teologia da Libertação, para sua sucessão. João Paulo I morreu um mês depois.

Coincidência Ratzinger, o secretário de Wojtyla que mais perseguiu a Teologia da Libertação e cassou nosso Leonardo Boff, ser o sucessor de João Paulo II?

Voltando à Máfia, evidentemente dela não se pode pretender fidelidade partidária, mas por qual razão, após a proximidade com o democrata John Kennedy, compareceu em peso a posse do republicano Ronald Reagan? Depois disso foi glamorizada pelo seriado Godfather e ultimamente anda no ostracismo. Será por causa da Operação Mãos Limpas na Itália?

E Berlusconi, que é ridicularizado aos olhos do mundo, flagrado comendo caca de nariz, como sai e consegue voltar ao poder em tão pouco tempo?

Como que, no estado de Santa Catarina, recentemente afetado por um cataclismo climático que deixou dezenas de mortos e centenas de desabrigados, se aprova uma resolução de desmatamento que reduz para 1/3 a determinação do Código Florestal Federal? Isso apesar de todos os avisos de cientistas e ambientalistas nacionais e internacionais sobre os graves riscos de carência de água potável já para as próximas gerações! E enquanto esse mesmo governo se divulga por comerciais de TV, dizendo-se exemplo de preservacionismo!

Como que no Japão, país tão rígido e eficiente em todos os sentidos, se mantém a Yakuza?

Porque a família Bush, conhecida por financiar Hitler mesmo depois dos Estados Unidos declararem-se em guerra contra o nazismo, se indispôs com o mesmo Sadam Hussein poucos anos antes colocado no governo pelo também republicano Reagan?

Associados à família de Bin Laden, porque a despacha tão as pressas para a Arábia Saudita às vésperas do 11 de Setembro?

Se os Bush financiaram o nazismo e são sócios da família de Ben Laden, porque são tão queridos e apoiados pelos sionistas?

Claro que levantando ali todas essas questões, não colaboraria com a compreensão da extensão do conflito do Oriente Médio, mas acredito que refletir sobre as tantas perguntas sugeridas pelos acontecimentos do mundo, nos dará a exata dimensão das fronteiras do Al Nakba – A Catástrofe.

Quais as fronteiras de uma esfera?

Todos os crimes cometidos contra a humanidade e todas as catástrofes que nos abatem em qualquer parte do mundo, são um único Al Nakba. Uma única catástrofe relacionada a tiranetes manipulados por poderes econômicos regionais que, num processo sistêmico, respondem a uma Organização Criminosa Internacional.

Nada mais foi globalizado pelo liberalismo econômico, além do crime internacional e da catástrofe da humanidade. Ou terá sido apenas o muro de Berlim que impedia a emigração das tantas máfias:coreana, chinesa, albanesa, turca, russa, siciliana, etc.? Foi a queda do muro que possibilitou Carlos Menem? A privataria no Brasil? Os golpes políticos perpetrados por instituições de mero entretenimento e transmissão de informações? A promulgação de leis notavelmente irresponsáveis e imprevidentes, como as dos ruralistas de Santa Catarina?

Difícil saber se o Crime Organizado Internacional é comandado exclusivamente por loiros de olhos azuis, mas certamente não o será por negros, índios, ou pelos piratas da Somália.

Não são nenhum desses que ameaçam e humilham os Sem Terra de Taió. Os algozes daqueles camponeses são similares, praticamente os mesmos que humilham e trucidam palestinos há 61 anos.

Raul Longo

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