A França foi a melhor espiã dos EUA em Cuba

A França foi a melhor espiã dos EUA em Cuba

- Revelações quase inéditas sobre a crise dos mísseis de Outubro de 1962

por Hernando Calvo Ospina [*]

 

A crise de 1962, a mais grave da Guerra Fria, esteve a ponto de desencadear uma confrontação nuclear entre os Estados Unidos e a União Soviética em torno da Revolução Cubana... Pela precisão da informação que os franceses entregaram e pela importância do tema, esse trabalho em favor de uma potência estrangeira é considerado como um dos mais importantes da história da espionagem gaulesa.

A pedido do governo do presidente Harry Truman, em Abril de 1952 o ditador cubano Fulgencio Batista rompeu relações diplomáticas com a União Soviética. Em 4 de Fevereiro de 1960, já com os revolucionários de Fidel Castro Ruz no poder, o vice-primeiro-ministro do governo soviético, Anastás Mikoyán, realizou uma visita oficial a Havana. Sem grandes preâmbulos firmaram-se vários acordos comerciais, os quais foram muito vantajosos para Cuba no momento em que os Estados Unidos começavam sua agressão económica. Também foram acordados outros sobre assistência militar. Três meses depois restabeleceram-se relações diplomáticas.

 

Nessa época, Washington promovia incursões militares e actos terroristas dos leais a Batista, bem como negava à jovem revolução até sobressalentes para o armamento recuperado à ditadura. Além disso pressionava seus aliados para que não vendessem armamento ou não entregassem os que haviam sido pagas por Batista com dinheiro do Estado. Só a Bélgica recusou-se a obedecer e vendeu armas e granadas: no dia 4 de Março de 1960 o navio francês "La Coubre" que os levava explodiu na baía de Havana, deixando mais de 200 feridos e uns 70 mortos.

 

 

Em 17 de Abril de 196l uma força mercenária composta por mais de mil homens, treinada, dirigida e armada pela CIA, tentou invadiu Cuba pela Baía dos Porcos, mas foi vencida em menos de 70 horas. O presidente John F. Kennedy, que considerou esta derrota como uma terrível humilhação para os Estados Unidos, ordenou que se preparasse um plano que contivesse medidas políticas, militares, económicas e propagandistas contra Castro e sua revolução. Assim nasceu, como estratégia de Segurança Nacional, a Operação Mangusto (Mongoose), cujo objectivo final era uma invasão directa dos Fuzileiros Navais (Marines). Enquanto Washington tinha como única finalidade acabar com a revolução, Moscovo continuava a com ela incrementar proveitosos acordos comerciais e ajudava na necessária modernização da defesa militar. Quando os serviços de inteligência soviético comprovaram a finalidade da Operação Mangusto, comunicaram-na a Cuba. É assim que os revolucionários sugerem ao dirigente soviético Nikita Kruchov a instalação de uma força de dissuasão no seu território, que incluísse mísseis balísticos. Esta não se fez rogar, pois pouco antes Washington havia instalado na Turquia e na Itália mísseis nucleares capazes de chegar ao seu território em poucos minutos.

 

Era um passo arriscado, mas assim os soviéticos poderiam dissuadir os Estados Unidos de atacá-los pois a partir de Cuba também poderiam chegar ao seu território nos mesmos breves lapsos de tempo. Na época o fosso do poder nuclear era imenso. Os EUA possuíam 5000 ogivas nucleares, perante as 300 dos soviéticos.

 

Em 21 de Maio de 1962 o Conselho de Defesa soviético aprovou a Operação Anadyr : entre Junho e Outubro de 1962 foram-se instalando, entre outros, forças convencionais e 24 plataformas de lançamento de mísseis balísticos, com a capacidade de transportar ogivas nucleares. Tudo num segredo total, ainda que os dirigentes cubanos houvesses pedido que se tornasse público tal convénio. Os estado-unidenses não prestaram grande atenção ao crescente aumento do tráfego naval soviético em direcção a Cuba. Ainda em 29 de Agosto o presidente Kennedy afirmava, numa conferência de imprensa, que não tinha informações sobre a presença em Cuba de tropas soviéticas e menos ainda de mísseis.

 

 

Paris, segunda-feira 22 de Outubro, 17 horas.

 

Dean Acheson, ex chefe do Departamento de Estado, entrega ao presidente francês Charles de Gaulle uma carta enviada por Kennedy. Nela dava-se conta de uma decisão tomada depois de uma semana de investigações e discussões ultra-secreta: às 19 horas de Washington, meia noite em Paris, anunciaria à Nação a instauração de um bloqueio em torno de Cuba. Este "cobrirá armamento de todo tipo, num futuro próximo também cobrirá os produtos do petróleo e, se se fizer necessário mais adiante, será total". Assim se lê no "Très secret" relatório oficial desse encontro. [1]

 

É que na manhã do dia 14 desse mês um avião espião U2 havia realizado 928 fotografias, durante seis minutos. No dia 15 uma equipe de interpretação de imagens identificou plenamente os componentes das plataformas de foguetes de alcance médio SS-4 (R-12 para os soviéticos). Eram evidências sólidas. Desde o dia 9 de Outubro Kennedy havia autorizado esses voos, mas o mau tempo sobre Cuba, muito nublado, não havia permitido as tomadas das fotos. No Relatório da reunião precisou-se: "Parece que os sistemas de armas que se estão a instalar ainda não estão completos. [...] Trata-se de impedir a chegada dos mesmos".

 

No dia 16, muito cedo, o conselheiro especial para Assuntos de Segurança informou Kennedy, o qual convocou imediatamente para uma reunião urgente o grupo assessor para casos de segurança máxima. Uma das primeiras medidas que saíram daquela reunião foi organizar o Comando Unificado do Atlântico, que teria nas suas mãos o comando para as acções militares que se tivessem de realizar. A este estariam subordinadas todas as forças terrestres, navais e aéreas estado-unidenses da região.

 

Segundo o Relatório secreto da reunião, de Gaulle entendeu que Kennedy não lhe pedia opinião ou participação, portanto disse: "A França não se pode opor a isso, porque é normal que um país se defenda, inclusive como medida preventiva, se estiver ameaçado e tiver os meios para defender-se".

 

Segundo disse Acheson no relatório apresentado em Washington, de Gaulle manifestou: "Aprovo a política de firmeza do seu presidente". Ficando surpreendido por tal atitude: "Nesta ocasião, a França é um aliado mais fiel e tranquilizador para Washington do que Londres, que teme o pacifismo da sua imprensa e da opinião pública". [2] É de precisar que, além de de Gaulle, Kennedy informou apenas o primeiro-ministro britânico, Harold MacMillan, e o chanceler alemão Konrad Adenauer.

 

Não se esperava tal solidariedade do presidente francês, sem a mínima restrição nem interrogação, quando existiam choques políticos entre estas nações por assuntos geoestratégicos. E, em particular, de Gaulle era dos poucos chefes de estado que se negava a romper relações ou somar-se ao bloqueio económico e político que Washington promovia contra Cuba. No final da conversa com Acheson, dois representantes da CIA mostraram e explicaram ao presidente de Gaulle mapas e fotografia de alguns sítios em Cuba onde se encontravam as instalações soviéticas.

 

Nessa reunião, segundo o Relato, diz-se que os objectivos de Kruchov eram que os Estados Unidos deixassem de ameaçar com os seus mísseis a União Soviética e os seus aliados; que não invadisse Cuba; conseguir "o abalo moral no hemisfério ocidental". "Finalmente, a nível diplomático Kruchov tem a oportunidade de dizer: Falemos da eliminação de todas as bases militares em território estrangeiro".

 

"O general de Gaulle considera que Kruchov concebeu em torno de Cuba uma vasta manobra que permita falar de bases militares mas também de Berlim, pressionar para conseguir conversações directas russo-americanas e para impressionar os países da América Latina. Este assunto é muito sério, pois os EUA haviam assegurado a defesa da Europa para impedir que esta se convertesse numa base anti-americana e agora vemos que tal base existe na América".

 

Nessa noite de 22 de Outubro, Kennedy disse no seu breve discurso à nação: "... Esta urgente transformação de Cuba numa base estratégica (...) constitui uma evidente ameaça à paz e à segurança de todos os americanos, em flagrante e deliberada violação (...) das tradições desta nação e deste hemisfério (...), da Carta das Nações Unidas e das minhas próprias e públicas advertências aos soviéticos..."

 

Quase a acabar manifestou "... e nossa história, diferentemente da soviética (...), demonstra que não temos o menor desejo de dominar ou conquistar qualquer outra nação, ou de impor ao seu povo nosso sistema". Quando a mensagem correu o mundo, muitos sorriram sarcasticamente.

 

Em 28 de Outubro soviéticos e estado-unidenses chegaram a um acordo: a retirada dos mísseis de Cuba, da Itália e da Turquia, e o compromisso estado-unidense de não invadir Cuba. Estas negociações fizeram-se nas costas dos membros da NATO e do principal envolvido, Cuba.

Ler na íntegra

https://resistir.info/cuba/ospina_15out20.html

Public Domain, Link

 

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