RICARDO EHRLICH

l'Humanité: Em 31 de Outubro de 2004, pela primeira vez na história, a esquerda uruguaia, (n: unida na coligação Frente Ampla, que inclui, entre outros, o Partido Socialista e o Partido Comunista) conquistou a presidência do Uruguai, com Tabaré Vasquez, e obteve também a maioria absoluta no parlamento, com 53 deputados entre 99. Seis meses depois continuava em estado de graça (aqui chamado "luna de mel"), e a Frente Ampla ganhou as eleições regionais e locais de 8 de maio de 2005. Até regiões rurais que sempre votaram à direita mudaram, bem como oito das mais importantes cidades que totalizam 72% da população do país. Incluindo a capital, Montevideu, onde Ricardo Ehrlich, após um prazo constitucional de dois meses, tomou posse no dia 7 de Julho de 2005. Duas vitórias eleitorais de tal dimensão em seis meses de intervalo, quando será a terceira?

Ricardo Ehrlich:A questão é essa. Num tão curto espaço de tempo, ter obtido o governo da nação e o das oito maiores cidades, colocou-nos perante uma enorme responsabilidade histórica e um desafio gigantesco, porque a confiança que a população nos concedeu baseia-se numa expectativa de mudança. Neste sentido, teve lugar no dia 17 de Maio, pela primeira vez, na sede do Parlamento, uma reunião com o Presidente da República, o Vice-Presidente, todos os ministros, todos os senadores e os deputados, todos os presidentes de câmara (n: ou prefeitos) eleitos por esta aliança política progressista de esquerda designada Frente Ampla, que inclui também o MPP (Movimento de Participação Popular). O objectivo foi definir os caminhos que nos permitirão cumprir a missão que nos espera, e criar, com a grande e significativa maioria popular e cidadã que obtivemos, um mecanismo de controlo e de fiscalização (n: do poder) pelos próprios cidadãos. Dispomos agora de um grande poder, que é necessário saber utilizar com sabedoria. Minoritários durante tantos e tantos anos, construímos esta Frente Ampla durante décadas graças ao apoio do povo. Agora é essencial recordar-se que este poder nos foi transferido pelas pessoas. (...)

l'Humanité: Qual é o seu percurso cívico?

Ricardo Ehrlich: Vivi os últimos trinta anos de militância, na universidade, como biólogo. Primeiro em França, onde fiz o doutoramento e trabalhei como no CNRS (n: Centro Nacional de Investigação Científica). Seguidamente, de regresso ao Uruguai após a queda da ditadura, trabalhei na reconstrução da infra-estrutura científica nacional. Participei na criação de uma faculdade de ciências, fui professor universitário durante sete anos. Até que em Fevereiro passado me retirei da vida académica para me candidatar ao município de Montevideu.

l'Humanité: E a sua participação na guerrilha dos "Tupamaros"?

Ricardo Ehrlich: Tinha começado os meus estudos de medicina em 1966, época da guerra do Vietname e de grandes mudanças na América Latina e no mundo. Com outros estudantes, preocupavam-nos os problemas sociais que tinham provocado o aparecimento dos primeiros bairros de lata no Uruguai, interessando-nos também os problemas dos cortadores de cana do açúcar no norte do país. Os seus lideres sindicais passaram à luta política com o Tupamaros, e nós com eles. Fui preso em 1972 por pertencer a este movimento de libertação nacional. Depois de um ano e metade de prisão, refugiei-me na Argentina, onde prossegui os meus estudos de medicina, mas a repressão estendeu-se a este país. Obtive então asilo político em França, graças um contrato de investigação científica em Estrasburgo. Doutorado em ciências, participei na criação de um laboratório do CNRS em Paris. Regressei ao meu país após a queda da ditadura, em 1985. Depois de ter participado na formação de cientistas uruguaios, mantendo ao mesmo tempo estreitas relações com os meios científicos franceses, a minha carreira científica terminou em 2005 com a minha eleição como "intendente" (n: presidente da câmara municipal ou prefeito) da capital.

L'Humanité: Quais serão os problemas mais urgentes a resolver no município de Montevideu?

Ricardo Ehrlich: Primeiro temos que enfrentar a profunda fractura social: o número de bairros de lata duplicou nos últimos dez anos. Metade das crianças e dos adolescentes do nosso país vivem abaixo do limiar de pobreza: trabalho, educação, saúde, habitação dependerão de programas nacionais. Outro grande desafio é aprofundar os mecanismos de democracia participativa de modo a que os nossos compatriotas sejam protagonistas na construção do nosso futuro. Terceira necessidade: melhorar e democratizar os serviços públicos do município. Mas a nossa ambição essencial é ser, como governo local, actores dinâmicos de um desenvolvimento económico gerador de empregos. (...) agora, tendo os poderes locais, regionais e nacional a mesma orientação política temos que ir muito mais longe. Sem negligenciar o protagonismo que Montevideu é chamada a desempenhar a nível internacional, na integração regional (n: da América do Sul). Não temos o direito de falhar. Reprodução parcial de entrevista, realizada por Marie e Jean Laïlle, publicada no jornal l'Humanité de 16 de Julho de 2005

Tradução e notas de Luís Carvalho

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