EUROCÉPTICOS DE TODOS OS PAÍSES, UNI-VOS!

Por eurocépticos russos entendo os adversários da hipotética adesão da Rússia à UE. Embora hoje ninguém convide a Rússia a aderir à UE e Moscovo considere esta questão do domínio da futorologia, qualquer acontecimento importante da vida política europeia, tal como as eleições para o Parlamento Europeu, fornece aqui automaticamente um pretexto para novos debates acerca da adesão da Rússia à Europa Unida.

Na realidade, trata-se da velha discussão entre ocidentalistas e eslavófilos ou, na linguagem actual, entre liberais e partidários de um Estado forte. Sob o ponto de vista dos liberais, a aproximação da Rússia à UE poderia ajudar o país a integrar-se na civilização contemporânea, a superar as antigas tradições autoritaristas e a elevar a qualidade da democracia russa de acordo com os padrões europeus.

Claro que esta é uma questão de um futuro distante - advertem os liberais. Assim, na opinião de Grigori Iavlinski, líder do partido "Iabloko", as condições para a adesão da Rússia à UE podem ser criadas não antes do que daqui a um quarto de século. Mas elas surgirão infalivelmente. Só é necessário fazer com que a Rússia se assemelhe à Europa - considera Iavlinski, ou seja, para que a imprensa seja mais livre, os tribunais mais independentes e a sociedade civil aprenda a controlar o poder do Estado.

Não, todas estas fantasias são uma tentação do diabo - objectam os partidários de um Estado forte. Na sua opinião, representada na Duma de Estado em particular pelo partido Pátria, a Rússia não tem nada a fazer na UE. Ficando fora da União Europeia, a Rússia mantém a sua exclusiva situação de maior parceiro, digna da sua importância geopolítica. Logo que a Rússia ingressar na UE ela perder-se-á de forma humilhante entre quase três dezenas de membros desta organização. Podemos aprender com a Europa, aproveitar as experiências europeias que convêm à Rússia, mas entregar as rédeas nacionais do poder a Bruxelas? Nem nos falem nisso!

Em consequência, os resultados das actuais eleições para o Parlamento Europeu alegraram inequivocamente os partidários de uma Rússia forte. Estas eleições confirmaram, na sua opinião, a antiga convicção do movimento nacionalista russo de que na realidade a Europa Unida está dividida, muito hostil aos seus governos nacionais e francamente indiferente tanto à própria ideia da integração europeia como às instituições europeias existentes, tais como o Parlamento Europeu.

Com efeito, a apatia manifestada pelos eleitores parece confirmar tais críticas. Em vez dos 350 milhões de pessoas que poderiam votar em todos os 25 países, utilizaram este direito apenas cerca de 155 milhões, ou seja, 44,2 por cento. A assembleia de Estrasburgo nunca tinha visto uma comparência tão desanimadora às urnas desde 1999, ano em que foram introduzidas as eleições directas.

Aliás, assistimos a um paradoxo, a quase uma anedota. O maior "desprezo" pelas urnas foi manifestado pelos habitantes dos 10 países ex-membros do "campo socialista", que há apenas seis semanas entraram com tanto entusiasmo no clube europeu. Nestes países, o índice médio de afluência às urnas baixou para uns miseráveis 26 por cento. Os novos membros não passaram logo no primeiro exame realizado na casa europeia, para a qual durante tanto tempo tinham ansiado por entrar. Por que razão?

Dizem-nos que isso aconteceu por causa do cansaço provocado pelos referendos promovidos na maioria destes países sobre a adesão à UE. Mas esta explicação frequente parece bastante artificial. Ora festejam a união à família europeia com recepções e fogos de artifício, ora sentem de repente um abatimento insuperável quando soa a hora de enviar os seus deputados para o órgão legislativo da Europa Unida. Será que não quiseram de repente fazer a escolha histórica, a escolha que seria impensável no odiado sistema socialista? É uma explicação que peca de certo modo por falta de lógica.

É curioso que nem tenham ajudado os engodos atraentes. Por exemplo, na Estónia alguns candidatos prometiam a sério férias nas Canárias a quem votasse neles. O partido estoniano Isamaaliit, procedendo no espírito dos bufetes dos tempos soviéticos, distribuía nas paragens de autocarros café gratuito a quem quisesse ouvir a propaganda das virtudes dos seus candidatos.

Os partidários de um Estado forte russos propõem outras explicações para a apatia dos eleitores do antigo bloco comunista. O anseio destes países de entrar na União Europeia foi ditado não tanto pela fé na ideia da solidariedade europeia quanto pelo desejo de libertar-se da possível tutela da Rússia, que eles consideram como continuadora imperial da União Soviética - suspeitam estes círculos russos. De acordo com a opinião predominante nestes círculos, os novos membros da UE estão quase indiferentes ao próprio sistema da Europa Unida. Mais ainda, a população destes países caracteriza-se pela profunda sensação de falta de perspectivas, pois eles sabem que na Europa dos 25 mandarão os maiores países do Ocidente, ou seja, os que chefiavam na Europa dos 15.

As eleições para o Parlamento Europeu transformaram-se também numa verdadeira moção de desconfiança aos governos nacionais e num motim contra os partidos governantes. É de notar que estes governos foram julgados, na maioria das vezes, pelos seus méritos internos, que não tinham nada a ver com a integração europeia.

Assim, os eleitores puniram o líder britânico Tony Blair, o primeiro-ministro da Itália, Silvio Berlusconi, tal como os dirigentes de alguns outros países pelo seu apoio servil à guerra dos EUA contra o Iraque. Pelo contrário, o novo primeiro-ministro da Espanha, José Luis Zapatero, aumentou a representação dos deputados socialistas na assembleia de Estrasburgo. Os seus eleitores agradeceram-lhe assim a retirada das tropas espanholas do Iraque. Por outro lado, os eleitores não perdoaram aos partidos governantes da França, Alemanha e Polónia a recessão económica, a brusca subida do desemprego e as impopulares reformas sociais.

Em Moscovo, tal como em muitas capitais europeias, este resultado era esperado. Mas sob o ponto de vista dos partidários da Rússia forte, é mais interessante o seguinte facto: o êxito obtido nas eleições pelos partidos e movimentos que se manifestam contra a União Europeia. Ou, dizendo por outras palavras, uma parte considerável do eleitorado parece ter rejeitado a própria ideia da unidade europeia e, mais ainda, ter posto em dúvida a legitimidade das instituições da União Europeia, inclusive o Europarlamento. "Tínhamos razão ao dizer que no sistema da UE não havia lugar para a Rússia - exclamam hoje os políticos russos de orientação eslavófila. - Este sistema multiplica os seus inimigos dentro de si próprio".

A título de exemplo é citada a situação na Grã-Bretanha. Não foi apenas o apoio à guerra do Iraque que esteve na origem do malogro do Partido Trabalhista de Tony Blair, que nas eleições para o Parlamento Europeu obteve apenas 23 por cento dos votos, isto é, o pior resultado dos trabalhistas desde a primeira guerra mundial. Reflectiu-se também a aversão dos ingleses em relação à política de Blair, que visa colocar a Grã-Bretanha na dependência das estruturas da União Europeia.

Em consequência, aconteceu o impensável: o formidável sucesso do Partido da Independência do Reino Unido (UKIP). Esta formação política pouco conhecida no passado, cujo programa se resume a um único lema: "Grã-Bretanha, fora da UE!", obteve 12 lugares no Parlamento Europeu, tendo aumentado a sua popularidade entre o eleitorado de 6 para 17 por cento. Em conjunto com os seus correligionários de outros países, que conseguiram entrar no Europarlamento, o Partido da Independência pode formar ali um grupo parlamentar interessado na desintegração das instituições europeias.

Acontece, pois, algo semelhante ao lema: Eurocépticos de todos os países, uni-vos!

É curioso que a erupção dos ânimos antieuropeus se tenha verificado nas vésperas da cimeira da UE, que terá lugar nas próximas quinta e sexta-feiras em Bruxelas e será dedicada, no fundamental, à ultimação do projecto de Constituição da UE. O presidente do Parlamento Europeu, Pat Kox, tinha todos os motivos para advertir que a actual onda de eurocepticismo é "um sinal inquietante" para os países que tencionam promover o referendo sobre a Constituição europeia.

Na Rússia, muita gente pensa que Kox pretende aligeirar de certo modo a seriedade da situação atravessada pela UE. Nas eleições para o Parlamento Europeu foi dado um sinal inquietante, possivelmente, para a própria ideia da ulterior integração do continente.

Vladimir Simonov observador político da RIA "Novosti"

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