A Semana Revista

Madrid: Terrorismo ou Danos Colaterais?

Ou como a escolha dum vocábulo pode manipular a opinião pública

Mártir que deu sua vida pela liberdade do seu povo, herói da resistência, assassino, terrorista, criminoso ou separatista? Soldado ou operacional, pelotão ou célula? O ultraje cometido em Madrid que escureceu os corações e vidas de milhares de famílias espanholas foi um acto de terrorismo, ou foram danos colaterais?

A imprensa internacional já decidiu que foi o primeiro, quer perpetrado pela ETA, quer pela Al Qaeda. O governo espanhol depressa afirmou que havia uma hipótese de 90% que a culpa era da Euskadi Ta Azkatasuna (Pátria Basca e Liberdade). Em qualquer dos casos, este acto beneficia as forças da direita em Espanha e nos Estados Unidos da América.

Se for a ETA ou uma facção desta, o responsável por este acto insensível, frio, cruel, desumano e bárbaro, dois dias antes das eleições, iria influenciar o eleitorado indeciso a apoiar o Partido Popular de Aznar, que tomou uma posição dura contra esta organização. Constituiria um bónus para o partido de Aznar, mesmo sem ele como Primeiro-ministro.

Por outro lado, se fosse a responsabilidade de fundamentalistas islâmicos, seria um bónus para a campanha contra o terrorismo internacional de George Bush e uma confirmação que de facto, Al Qaeda existe como organização internacional terrorista. A primeira evidência apontando o dedo a esta organização foi que algumas horas após o ataque, um furgão misterioso foi encontrado com sete detonadores e uns versos da Al Qu’rão dentro do compartimento de trás. (Por quê razão uma célula transporta dez bombas e dezassete detonadores?) Também, um jornal em língua árabe em Londres disse que recebeu um e-mail que afirmou que Al Qaeda estava por trás do ataque, em consequência da Espanha ter enviado tropas ao Iraque. No entanto, desde quando é que correio electrónico constitui provas conclusivas?

Seja qual for o caso e seja quem for responsável por este ultraje, qual é o termo correcto para o definir?

Sob o governo de Franco, os pais e avós dos actuais líderes da ETA foram torturados, assassinados. A sua cultura foi suprimida, o seu povo preso por causa das duas crenças. Do ponto de vista desta organização, as baixas humanas são moeda de troca em processos de negociações. Quanto mais baixas, melhor a campanha de marketing.

Porém, que legitimidade tem a ETA para fazer tais actos de assassínio, chacinando pessoas que só queriam ir trabalhar e estudar, que nada tiveram a ver com o processo político?

Nem todas as duas milhões de pessoas que vivem no País Basco são Bascos e de qualquer forma, há desacordo sobre o que constitui Euskadi (inclui a Navarra ou não? A língua é Euskadi ou Navarrés?) Da população Basca, só cerca de 25% apoiam o Partido Nacional Vasco e muito menos, Herri Batasuna (a porta-voz política da ETA, agora ilegalizada). Por isso com o apoio de menos que um quarto do seu povo, estes elementos falam e agem em nome de quem?

O argumento que a ETA normalmente ataca alvos militares e políticos e que sempre avisa por telefone antes duma explosão para minimizar baixas não é completamente verdadeiro. Em Julho de 2003, foram colocados engenhos explosivos em Alicante e Benidorm e depois no aeroporto de Santander, ferindo 13 pessoas e não matando ninguém por um milagre.

Recentemente, ETA fez declarações à imprensa avisando que um incidente em grande escala estava a ser planeado e a semana passada, foi interceptado uma grande quantidade de explosivos rumo ao capital.

Se fosse a ETA, há evidência mais que circunstancial, embora o motivo é fraco, especialmente nesta altura, a não ser que for uma facção, sem paciência para esperar por um processo político que encalhou, e com vontade de entrar em acção. Seja a ETA verdadeira ou uma facção desta, nenhum dos movimentos contam com uma base de apoio substancial geograficamente localizada e por isso servem pura, simples e unicamente para aumentar as contas bancárias dos criminosos que os controlam. Mais nada.

Quanto a Al Qaeda, o argumento é complicado pela reacção primária de Washington aos eventos em 11 de Setembro, uma resposta em preto-e-branco a um mundo colorido em vários tons de cinzento, uma acção reflexo do tipo “olho por olho” (que pertence à época bíblica de há cinco mil anos atrás) que tinha de criar outras reacções.

O ataque contra o regime dos Talebã em Afeganistão foi compreensível, mas ilegal, no entanto tinha o apoio da opinião pública mundial. O ataque contra o Iraque nem foi compreensível, nem legal, e não contava com apoio fora dos Estados Unidos da América.

Foi um acto de chacina, baseado em mentiras, documentos forjados e decepção. Contrariou cada fibra da lei internacional, foi uma bofetada na cara da comunidade internacional, desrespeitou a Organização das Nações Unidas. A arrogância, chantagem e prepotência de Washington forjou um grupo de reluctantes sicofantas, entre os quais a Espanha, não o povo espanhol.

Por horrífico que fosse este ultraje e por inaceitável que seja a matança de civis, qual é a diferença entre as vítimas em Madrid e os dez mil civis iraquianos chacinados pelas forças militares dos Estados Unidos da América? Qual é a diferença entre a morte dum civil numa explosão num comboio e a chacina de um autocarro cheio de civis na Jugoslávia por um piloto norte-americano? Qual é a diferença entre uma explosão numa unidade de transporte pública na hora de ponta e um ataque com armas de precisão numa festa de casamento em Afeganistão?

Todos são ultrajes, todos são actos de horror, terror. As lágrimas sabem a sal, quer que pertençam a iraquianos, espanhóis, afegãos, norte-americanos, palestinianos, russos ou israelitas, portugueses, angolanos, brasileiros, timorenses, moçambicanos, goeses, guineenses, são-tomenses ou cabo verdeanos. Um tipo de ataque não é mais justo ou menos errado que outro.

A estupidez e a arrogância do regime de Bush assim coloca os Estados Unidos da América no mesmo saco que todas as organizações terroristas que alguma vez existiram.

Relativamente a Al Qaeda ou seja o que for perpetrou este acto em Madrid, por quê este ataque tão cobarde contra inocentes que só queriam trabalhar? Nem tiveram a coragem de tentar atacar pelo menos aqueles responsáveis pela decisão de se juntarem, também por cobardia, ao circo de assassínio em grande escala que pertence a Washington, no seu desejo de espalhar seus tentáculos a volta do globo, num acto de estrangulamento?

Timothy BANCROFT-HINCHEY PRAVDA.Ru

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