Quando erros viram acertos

Durante minha vida pública, eu tenho insistido - acredito que corretamente - que as pessoas, não obstante sua posição ou poder assumam responsabilidade por sua conduta. Eu não posso querer menos para mim. Por esta razão, renuncio ao cargo de governador". Eliot Spitzer, governador do Estado de Nova York, 12 de março de 2008.

Spitzer teve a hombridade que muitos não tiveram e não têm. Assumiu o erro e pagou o preço. Embora possa parecer, sua carreira não se encerra aqui, pois assumir o erro é renascer, renovar-se, reerguer-se em busca do estabelecimento da confiança perdida.

Eis um bom exemplo para os homens públicos brasileiros, tão adeptos da jactância, da auto-referência e do culto à personalidade. Em recente episódio o presidente do Senado, alvo de uma avalanche de denúncias, levou sete meses para renunciar, ainda dizendo que não fez nada errado.

Ministros caem pondo a culpa em seus assessores, empresas enganam os consumidores com lancinante desfaçatez, e estes, tolos, adeptos do culto às aparências, endossam neologismos como “seminovo”, palavra que hoje se emprega para designar veículos usados, como se a troca de adjetivos pudesse alterar as qualidades substantivas.

Engolimos, na forma de comprimidos, as mentiras em doses homeopáticas da indústria farmacêutica, que vende a granel esse milagroso placebo, o Prozac, cuja ineficácia só foi descoberta após 20 anos de logro de oráculos quase nunca questionados, que escondiam a maior parte dos resultados adversos de pesquisas clínicas, e até hoje não admitem tê-lo feito.

É difícil assumir erros numa sociedade na qual as pessoas são máquinas, sempre a enfrentar desafios, ter de mostrar desempenho, sofrer infinitas cobranças, sem poder jamais demonstrar fraqueza, falibilidade; semideuses.

Mas equívocos, com o perdão da obviedade, fazem parte da vida, são fundamentais para o aprendizado e para a ciência, cujo empirismo é nada mais do que tentativa e erro. Quem admite o erro mostra denota humanidade, quem o esconde torna-se tirano, especialmente consigo mesmo. Spitzer, ao renunciar, foi coerente com aquilo que sempre pregara, como disse em seu discurso de despedida.

O crime, que houve mesmo, foi uma bobagem que não existe na lei brasileira: levar uma prostituta para outro Estado, Washington, o que uma lei de 1910 proíbe. Ele usou contas-fantasma para evitar que descobrissem sua identidade, discretamente referida no clube como cliente nº 9, mas não desviou recursos nem prejudicou ninguém além se si próprio.

Embora não tenha praticado corrupção nem atentado contra os cofres públicos, em apenas dois dias - o New York Times publicou a denúncia na segunda-feira- o governador de Estado renunciou. Nos EUA, o peso da opinião pública se faz sentir. Aqui, é ignorado quase sempre, ou não produz os efeitos desejados. Afinal, além de ter sido poupado pelos colegas, o ex-presidente do senado Renan Calheiros, pelo visto, escapou de ver apuradas as inúmeras denúncias de irregularidades que levaram à sua tão tardia renúncia.

Eliot Spitzer é um sujeito ambicioso que sonhava com a presidência dos Estados Unidos. Ao contrário de Clinton, que mentiu ao Congresso, e de Bush, que sofisma o tempo todo e patrocina a tortura, ele merece uma segunda chance. Com o reconhecimento em público, seu erro transformou-se em acerto.

Eis uma boa chance de reflexão a respeito da intolerância de nossa sociedade ao o erro. Certamente um problema cultural que redunda, entre outras coisas, no excesso de litigância que se vê nos tribunais atulhados de processos, milhões deles, e nas mais variadas injustiças.

No entanto, se ocultar erros é sacrificar a verdade, massacrar quem os reconhece só valoriza os adeptos da hipocrisia.

Luiz Leitão

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