Jornadas contra a tortura em Espanha

A crise da caricatura do profeta bombista trouxe à baila a liberdade de expressão na comunicação social europeia. Da falta de bom uso dessa mesma liberdade se queixaram os participantes nas Jornadas Sobre a Prevenção da Tortura, realizada em Barcelona no primeiro fim-de-semana de Fevereiro de 2006.

Seguir-se-ão acções semelhantes em Bilbau e Madrid. Para um activista de questões prisionais que acompanha faz muitos meses a Coordenadora para a Prevenção Contra a Tortura foi uma surpresa a notícia de que a tortura se pratica em Espanha e que esse facto já foi estabelecido pela ONU em 2004, através do relator especial para a prevenção da tortura, Sr. Theo van Boven, que aceitou o convite do governo espanhol do Sr. Aznar para o fazer.

O barulho político feito em redor desse relatório conseguiu com os próprios espanhóis perdessem de vista essa realidade, que deixa abandonados à sua sorte as vítimas e os seus familiares, alguns dos quais estiveram presentes nas jornadas, entre os cerca de 400 participantes. A rara solidariedade que nesse ambiente se pôde viver é terapêutica, informou-nos Jorge Barudy, sobrevivente dos torturadores de Pinochet.

Mas foi precisa muita coragem e nervos de aço para testemunhar e rememorar momentos com esses: isso foi evidente para os presentes e comparável ao comportamento dos que sofrem de stress de guerra.

Um dos jornalistas presentes explicou que a auto-censura a respeito deste tema é tão grande que quando mencionou a um colega – geralmente bem informado, como se diz no meio – ter sido convidado para intervir, o colega, de boa fé, lhe perguntou: “de que país vão vocês falar?” A ideia de que os Direitos Humanos são uma característica ocidental que alimentam uma missão de os universalizar nas outras partes do mundo, mesmo para quem não aprecie as obsessões bélicas anglo-americanas, persiste, mesmo contra as evidências. E quem se lhe pode opor?

As ONG com relações com a ONU, duas delas presentes nas jornadas, já compreenderam, por experiência própria, que é preciso voltar a conquistar os governos ocidentais para esses valores que nos foram legados, mas que passaram a ser negados implicitamente a nível diplomático. A oposição à especificação do que seja tortura nos tratados internacionais foi prejudicada – ao contrário das expectativas dos activistas da Organização Mundial Contra a Tortura – por diplomatas ocidentais, cf. Eric Sottas comunicação às jornadas em breve publicada em .

Maus-tratos, do ponto de vista jurídico, são um grau de violência abaixo de tratamentos desumanos e degradantes, que, por sua vez, são um grau abaixo de tortura, sendo no concreto difícil fazer tais distinções. Todavia, por tortura entende-se a violência praticada por agentes do Estado ou em nome destes para obter materiais com valor jurídico, como denúncias ou confissões, por exemplo. Por tratamentos será atingir objectivos de humilhação e despersonalização, ainda que não hajam produtos jurídicos derivados. As avaliações que os juízes fazem das situações concretas, foi afirmado, também dependem da sensibilidade social à violência, e quanto a essa, nota positiva, estará a ser cada vez mais aguda.

Quer dizer: parece estar identificado um desfasamento entre a maior repugnância social ao uso e à irracionalidade da violência e, em sentido inverso, a mobilização dos representantes políticos pelo menos de alguns estados ocidentais contra a tradição de respeito pelos Direitos Humanos, incluindo nos seus próprios países, a pretexto – já se vê – dos riscos de segurança.

Em Espanha, é preciso usar a liberdade de expressão para o afirmar, porque isso merece meditação e acção consequente: a Audiência Nacional, espécie de tribunal especial para tratar das prioridades de segurança do Estado, em particular do terrorismo, acolhe um corpo especial de polícia e uma legislação própria que prevê, sem o admitir, a tortura como forma de investigação criminal. Sim, os juízes podem aceitar denúncias e confissões feitas sob tortura e ignorar denúncias de arguidos ou testemunhos que alegam terem sido torturados. Tais alegações raramente são investigadas, mais raramente levam a acusações formais, mais raramente ainda a condenações e sempre que tal acontece têm havido amnistias governamentais que libertam os torturadores. Alguns chegam a ser promovidos e condecorados.

A lei que permite a detenção incomunicada, três dias extensíveis a sete em que um suspeito pode estar às mãos da polícia para inquirições especiais sem contacto possível com advogados ou familiares, para que serve? Alegou um dos participantes: institua-se a possibilidade de um potencial arguido se recusar a prestar declarações que o possam incriminar, e a incomunicabilidade deixará de fazer sentido. De facto.

António Pedro Dores

Subscrever Pravda Telegram channel, Facebook, Twitter

Author`s name Pravda.Ru Jornal
X