Powell: Conto de Fadas infantil e arrogante

A “evidência” foi uma miscelânea de gravações pouco claras, mal interpretadas pelo Secretário de Estado dos EUA e risíveis fotografias tiradas por satélite que mais pareciam aquelas que tinham sido tiradas sobre Afeganistão dois anos antes.

Colin Powell descreveu as gravações de partes de conversas cuidadosamente escolhidas e as fotografias nebulosas tiradas por satélite como “evidência sólida” que o Iraque está em quebra da Resolução 1441 do Conselho de Segurança da ONU, criando assim uma base para as “consequências graves” da 1441 serem aplicáveis.

Colin Powell começou por apresentar duas gravações de conversas entre oficiais iraquianos, que falavam sobre os locais a serem inspeccionados pela equipa UNMOVIC. Numa, o iraquiano diz “Não temos nada”, interpretado por Colin Powell, e citamos, “Não estava por aí”, quando chegaram os inspectores. Há no comentário de Powell uma insinuação subtil e não substanciada, sendo esta que o material tinha sido tirado do local. Ou destruído, de acordo com os termos da Resolução 1441, uma hipótese nunca abordada por Powell, na sua intervenção arrogante, prepotente e ameaçador.

Na segunda gravação, um Guarda republicana recebe uma mensagem dum oficial, que diz “Há uma possibilidade que possa haver por acaso munições proibidas” no local a ser inspeccionado. Powell salta para a sua conclusão: “evacuá-la” porque há “presença de armas de destruição maciça”.

Nada assim. A mensagem do iraquiano poderia ter referido qualquer coisa desde mísseis fora de prazo, e não sabemos se esta conversa visava o local onde foi encontrado umas caixas de mísseis obsoletos, que jaziam debaixo de três anos de excremento de aves, ou então componentes não autorizadas. Não quer dizer automaticamente que armas de destruição maciça estão a ser evacuados, como o Colin Powell afirma dum modo tão simplista, tão infantil.

O facto de Colin Powell tentar encontrar ligações onde não as havia, nada faz para substanciar a noção de que a administração Bush crê que vale a pena usar a ONU como forum de debate. Antes pelo contrário, faz com que ganhe peso a tese que os EUA preferem desrespeitar o resto da comunidade internacional, como há muito se suspeitava.

Depois, a próxima prova de “inteligência sólida” foi uma série de reportagens de que armas de destruição maciça estavam a ser escondidas em casas particulares ou que estavam a ser levadas pelo país fora, em carros, ou em camiões, que se escondiam debaixo de palmeiras. Daqui vê-se que Colin Powell, ou o autor do discurso, percebe nada dos sistemas complexos e delicados que compões as armas de hoje. Não são escudos e lanças que se pode carregar num camião à bruta e depois levar para um lugar à mercê dos intempéries. Colin Powell nunca substanciou as suas afirmações com fontes e por isso, não passa de fofoquice, fazendo do Secretário de Estado dos EUA nada mais do que um fala-barato, barato. Ou seja, um fofoqueiro.

“Inteligência sólida”, disse, foi corroborada por muitas fontes (nunca dizendo quais), incluindo os serviços secretos de outros países. Se estas fontes eram as mesmas, a nata da inteligência mundial, que deixou acontecer o 11 de Setembro debaixo do nariz do Powell, teria sido talvez melhor não as referir.

Colin Powell usou interjeições como “Digam-ma! Respondam-me!” como se estivesse a endereçar-se a uma convenção de escuteiros, mostrando assim um total desrespeito pelos colegas no Conselho de Segurança da ONU. Powell depois tentou substanciar os seus comentários tipo “conversa de taverna” com afirmações como “Sabemos da evidência”, sem nunca substanciar nada.

A gargalhada geral maior foi provocada pelas fotografias tiradas por satélite. É verdade que Powell tinha dito antes de as mostrar que seriam muito difíceis de interpretar e que os peritos tinham gasto muitas horas a estudá-las. Por outras palavras, num tom patrocinador, estava dizendo “Estas fotos são tão difíceis de entender, que eu vos digo como as interpretar”.

Evidentemente, se os peritos levavam horas a estudarem as fotografias, estas nunca podem ser classificadas como “evidência sólida”, tornando a sua apresentação absurda neste contexto. Colin Powell depois mostrou uma série de edifícios rectangulares, curiosamente parecidos àquelas fotografias tiradas sobre Afeganistão, referidas por Powell como “um dos bunkers químicos” e também uns veículos, “veículos de descontaminação” ou “veículos que vieram para retirar mísseis”. As afirmações apresentas no ano passado que veículos e edifícios idênticos aos que estavam a ser apresentados por Powell eram fábricas e meios de transporte de armas químicas foram refutadas, sob inspecção, que descobriu que as fábricas produziam nada mais do que leite em pó para bebés.

Uma fábrica, afirma o Powell, foi limpa no dia 22 de Dezembro, de maneira que quando os inspectores chegaram, nada encontraram. Nem sequer tinham equipamento para medir o meio ambiente? Não se pode carregar armas químicas ou biológicas em sacos e depois atirá-los para as camiões, para estarem expostas aos elementos debaixo duma palmeira.

O melhor foi quando, segundos depois de ter declarado que “os camiões chegaram para retirar os mísseis”, Colin Powell afirma que “Nós não sabemos exactamente o que o Iraque está a retirar (movimentar)”.

Esta apresentação de “evidência clara” é uma carga de mentiras, coscuvilhice, mal interpretação, manobras cínicas e até falhas de verdade, que tentam formar a base para justificar uma guerra contra Iraque. O Conselho de Segurança da ONU não é um jardim infantil nem um acampamento para escuteiros. A comunidade internacional não é uma turma de alunos da primeira classe, a aturarem um professor incompetente. Se fosse esse o caso, o Colin Powell teria saído daí com um rabo de burro bem pregado às calças.

Os que querem acreditar neste relatório, com certeza também acreditam que há fadas no fundo do quintal. Colin Powell deixou que a sua imagem de diplomata respeitado mundialmente descesse ao nível de um Peter Pan confuso e nada convincente.

Timothy BANCROFT-HINCHEY PRAVDA.Ru

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