Ruanda e Burundi comecem a aquecer outra vez

A história recente de Ruanda e Burundi está fresca na memória da Humanidade por todas as razões erradas. Há dez anos, 800.000 Tutsi e Hutus moderados foram chacinados, literalmente golpeados com machados até morrerem, por extremistas Hutus.

Novos massacres nas últimas semanas perpetrados por Hutus deram lugar ao reaparecimento de preocupações que uma explosão de violência étnica está prestes a eclodir ao longo das fronteiras entre estes dois países e a República Democrática do Congo.

A questão se põe, quem é o responsável por esse massacre? Um grupo Hutu em Burundi disse que está responsável pelo massacre dos 160 Tutsi no campo de refugiados de Gatumba em Burundi em 13 de Agosto, mas de acordo com um relatório divulgado ontem por Kofi Annan, testemunhos oculares declararam que o massacre foi perpetrado por um grupo de rebeldes da RD Congo, que agiram juntamente com insurgentes da Ruanda.

A Frente de Liberação Nacional (FLN) em Burundi, que disse que era responsável por esse ataque, foi vista na mesma altura noutro lugar, atacando uma base das Forças Armadas de Burundi, não atacando a base dos refugiados Tutsi na região dos Grandes Lagos (os Banyamulengues). A população local afirma que o ataque contra os Banyamulengues foi feito pelos rebeldes Mayi-Mayi da RD Congo, juntamente com os FDLR (ex-FAR da Ruanda/Interhambwe).

A FLN tinha tentado justificar o castigo dos Banyamulengue por causa do seu apoio às Forças Armadas de Burundi quando estas foram atacadas por extremistas Hutu.

Que confusão. Estão lá todos os ingredientes. Está presente a retórica, está presente o aumento de tensão, está presente a ameaça de retaliação pela milícia Tutsi…de facto, estão presentes todos os ingredientes para uma repetição do banho de sangue, que aconteceu em 1994 quando o resto do mundo ficou impávido e sereno, a fingir que nada estava acontecendo, enquanto examinava o umbigo.

O que cria mais preocupação é que essa violência étnica vem numa altura dum aumento em tensões políticas: as eleições legislativas foram projectadas para o dia 31 de Outubro, mas o presidente, Domitien Ndayizeze, que tem estado a tentar adiá-las durante um ano, continua a opor-se.

Kofi Annan pediu à comunidade internacional a “não deixar que esse incidente horrífico faça atrasar os anos de progresso conseguidos no sentido dum estado de paz e de desenvolvimento”.

Está-se a fazer muitas diligências a nível institucional para criar os mecanismos políticos dentro do Burundi para que haja uma gestão local da crise.

Está a ser considerada uma revisão do Acordo de Arusha, assinado em 2000, substituindo dois vice-presidentes oriundos de origens étnicos diferentes por um vice-presidente Tutsi com poderes de veto, e aumentar o número de Tutsi nos órgãos legislativos a 30%, em linha com o peso desta minoria em Burundi.

Como sempre, os pacotes de apoio internacional que foram discutidos e prometidos depois da violência de 1994, não se materializaram e o dinheiro muito preciso para levantar esse país, deixando-o sair da pobreza endémica e os ciclos de violência que acompanham essas situações, criando como alternativa emprego e riqueza e dando à população um futuro, não foram mais do que palavras sem qualquer sentido escritas em bocados de papal do tipo higiénico.

Menos que 10 milhões dos 156m. USD que foi “garantido” pelos dadores tinha chegado até ao final de Agosto e só um milhão dos 21 milhões de USD para a campanha eleitoral foi doado.

Se a comunidade internacional não está disposta a honrar seus compromissos, resolvendo os problemas causados em muitos casos por potências estrangeiras e coloniais, como é que o continente africano pode superar seus problemas sozinho, depois do desequilíbrio do seu tecido social., depois do roubo dos seus recursos, depois da imposição de tarifas sobre as suas exportações, e quando a OMC impõe condições injustas a favor dos produtores dos países mais desenvolvidos e contra os menos desenvolvidos, isso quando custa muito mais para um africano viajar ou comunicar do que custa para um europeu ou um norte-americano?

Que fácil é para a comunidade internacional pilhar os recursos da África, traçar linhas em mapas, desestabilizar inteira e completamente o tecido social das comunidades, armando grupos étnicos e instigando a guerra entre estes numa política colectiva de “divide et impera” e depois quando vem a explosão, virar as costas e dizer que os africanos são uma cambada de selvagens.

No entanto, é a comunidade internacional dos países mais desenvolvidos que está a portar-se como uma cambada de selvagens, ladrões e assassinos.

Ajudar a África a ajudar a si própria se traduz em fazer investimentos e a comunidade dos países mais desenvolvidos, com boa vontade, pode e deve fazer esses investimentos, não com fins lucrativos, mas em base de amizade e parceria para o futuro, pagar algum do património que roubou.

Se os EUA podem gastar 200 mil milhões de dólares num acto de chacina no Iraque e se seus lacaios podem gastar inúmeros milhões, apoiando a indústria das armas dos EUA com contratos obedientemente assinados, e ninguém consegue produzir o que em comparação seria “tostões” para ajudar regiões em desenvolvimento a atingirem uma estabilidade maior, então que comentário triste sobre o estado de desenvolvimento do ser humano no limiar do século 21, no terceiro milénio depois do nascimento de Cristo, e que comentário muito revelador sobre as pessoas que se proclamam como os líderes dos países mais desenvolvidos.

Timothy BANCROFT-HINCHEY PRAVDA.Ru

Subscrever Pravda Telegram channel, Facebook, Twitter

Author`s name Pravda.Ru Jornal
X