Deus e o Diabo

A Mary não consegue dormir a noite. Tem cicatrizes horríveis nas suas costas e pernas mas não são estas que a mantêm acordada. O que a impede de dormir é o pesadelo que ele viveu e que estará com ela até o momento da sua morte. Foi violada por cerca de trinta “homens”. Mary tem oito anos de idade.

Mary vive numa missão na Uganda que trata as moças que foram violadas ou vítimas de violência, muitas, se não forem todas, pelo Exército de Resistência do Senhor, ERS (Lord’s Resistance Army, LRA em inglês), que é controlado por um criminoso de nome Joseph Kony, que se proclama Deus.

O ERS opera a partir de bases no sul do Sudão e controla a região no norte da Uganda. Contudo, também há provas que o ERS tem ligações com os Interhamwe da RD Congo e que tem milícias a operarem na região de Búnia.

Tortura, estupro, escravatura, pilhagem, pegar fogo às pessoas ou cortá-las aos bocados, sejam elas homens, mulheres ou crianças, são as marcas deixadas por este bando de psicopatas, cujas acções são mais pertos do Diabo do que de Deus.

Milhares de crianças foram raptadas das suas casas e foram obrigadas a lutar como soldados contra as forças do Governo que o ERS está a tentar derrubar, ou então são obrigadas a trabalhar como escravas ou concubinas. Calcula-se que 12.000 crianças foram raptadas para estes fins durante os últimos dois anos.

Muitas destas crianças são negociadas ou dadas como presentes aos negociantes das armas no Sudão, que apoiam o ERS, que por sua vez afirma que tenciona estabelecer um estado baseado nos Dez Mandamentos do Senhor, esses dez mandamentos que Kony e sua banda violam cada dia.

Ontem, a UNICEF divulgou um relatório que disse que a ONU considera o número de crianças raptadas como “uma causa de grande preocupação”. Voluntários nos centros de recepção, que dão um lar às poucas crianças aterrorizadas que conseguem escapar, tentam encontrar as famílias delas. Estas famílias muitas vezes estão dispersas, devido à violência na região e deve sublinhar-se que os centros de recepção são um medicamento mas nunca uma curativa.

Curar este mal seria providenciado pelas autoridades da Uganda encontrarem esse Joseph Kony e desmembrar seu bando de selvagens antes que destruam as vidas de mais crianças.

A Directora Executiva da UNICEF, Carol Bellamy, escreveu no International Herald Tribune, “O mundo pode acordar com a emergência no Sudão mas esqueceu a tragédia da vizinha Uganda”. Verdade.

Num mundo onde o fado e o futuro duma criança depende inteiramente no acidente chamado o local de nascimento, aqueles que tiveram a sorte de nascer no sítio certo e mais seguro, têm uma responsabilidade colectiva para tornar o Mundo num sítio melhor.

Isso não quer dizer deitar bombas de fragmentação em áreas civis, não quer dizer rebentar materiais explosivas perto de rapazes de onze anos, que perdem os braços e as pernas e os pais e os restantes familiares, isso não quer dizer que é preciso lançar guerras ilegais onde se gasta centenas de milhares de milhões de dólares, saquear os recursos de nações soberanas que foram “libertadas”.

Ter responsabilidade colectiva quer dizer simplesmente investir em organizações tais como a ONU, ajudá-la a desempenhar as suas tarefas em vez de trabalhar contra ela, insultar seu bom nome e quebrar sua Carta. Quer dizer, pagar o que se deve à ONU para que esta organização não esteja permanentemente com falta de dinheiro e quer dizer honrar os compromissos e promessas feitas em reuniões de dadores. Ser honesto. Atinar.

Assim se trata de pessoas como o Kony, que existem únicamente para trazer terror e miséria aos outros, que existem só para fazer mal aos outros.

Como Kony, há estados. Como Kony, há líderes de estados que são básica e fundamentalmente maus. Em alguns casos, chegou a altura de mudança de regime. Nas palavras de Bush, “Time for regime change”.

Chega a altura de prender Kony e chega a altura de prender Bush. Não se vê muita diferença entre os dois.

Timothy BANCROFT-HINCHEY PRAVDA.Ru

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