HOLANDA - Segundo 'não' à Constituição européia

A Constituição Européia sofreu dois "não": da França e agora da Holanda (dois de seus seis fundadores). Ambos as negativas potencializarão as duas vertentes contrapostas que lhe promoveram: as direitas nacionalistas e as esquerdas socializantes. Os "não" da França e da Holanda tornam inviável o atual projeto de Constituição européia e obrigará a seus 25 membros a uma nova roda de negociações e redefinições. Paralisou-se a consolidação da UE e sua ampliação (para Croácia e Turquia).

O "sim" vem sendo promovido em todo o continente por uma convergência das principais correntes ideológicas européias: centro-direita popular, liberais, social-democratas e democratas-cristãos. Todos elas lideram governos e se localizam à direita ou à esquerda do centro.

O "não", em mudança, vem sendo promovido por dois extremos irreconciliáveis. De um lado está a direita nacionalista que não quer que seus respectivos Estados percam mais soberania, que quer controlar a imigração ou que se ressente porque a nova Carta não é demasiado cristã e poderia permitir que Turquia ali entre.

De outro lado está a esquerda (socialista, nacionalista, ambientalista, comunista e trotskista), que acusa à Carta de querer desmantelar "conquistas trabalhistas", eliminar benefícios sociais, permitir mais neoliberalismo e fazer uma Europa "para o capital e não para os trabalhadores".

Democracia

Em Holanda muitos votaram contra a carta européia temendo que esta dê mais poderes aos Estados grandes (como França, Alemanha e Reino Unido) , em rejeição ao governo centro-de direita ou protestando por que consideram que seu país seria um dos que mais subsidiaria ao resto da UE em proporção a seus habitantes. No "não" coincidiram a ultra-direita e a ultra-esquerda e também os clericais e anti-clericais. Algo como misturar na mesma festa gente que procura um peso mais cristão na Carta magna com gente que quer preservar leis liberais, como permitir a eutanásia, cafés onde se vende livremente maconha ou os "bairros vermelhos".

Depois destes dois "não", a UE se adentra à pior crise que teve em sua história (desde 1957, quando assinou o Tratado de Roma que foi um de seus antecedentes). Os partidários do "sim" poderão dizer que nove países a ratificaram frente a dois. Inclusive há quem diz que não é possível que um ou dois países vetem o desenvolvimento do resto, pois isso não seria democrático. Por outra parte, há quem sustenta que a nova Constituição vem sendo democraticamente recusada.

Até o momento, oito países a aceitaram com o respaldo de 85% a 95% de seus respectivos parlamentos. Só três países tiveram referendos. Enquanto os partidários do "sim" ressaltam que na Espanha 76.7% votaram pelo sim, os anti-Constituição européia argumentam que o que ganhou foi uma abstenção em massa (57.67%) e que a maioria da população na Espanha, França e Holanda não votou pela Constituição que deveria imperar.

O "não" vem ganhando o momento. Se na Espanha foi animado essencialmente pela esquerda não-governamental e pelo nacionalismo basco, galego e catalão, e na França conseguiu o respaldo de um importante setor dos partidos Socialista e Verde bem como da direita nacionalista, na Holanda ampliou seu respaldo a setores cristãos e liberais.

Em 16 e 17/06, líderes da UE se reunirão para discutir a continuidade do processo de referendos ou se este deve passar por uma recomposição. Tony Blair, que deve assumir a presidência da UE por seis meses a partir de 1o. de julho, não parece querer um referendo em seu próprio país, porque tende ao "não". A dita derrota seria amplamente capitalizada pelo conservadorismo, e assim recuperar-se de ter perdido três vezes consecutivas uma eleição geral.

Seria como se Blair quisesse aprovar o debilitamento de seu rival Chirac para lutar por uma maior abertura dos mercados internos. Por paradóxico que pareça, Chirac, que dirige a direita gaulesa, sustenta que "o neoliberalismo é o novo comunismo (inimigo) de nosso tempo". Blair, que lidera um partido surgido dos sindicatos e do movimento socialista, argumentaa favor de maiores concessões à empresa privada.

Nos EUA

O resultado do "não" franco-holandês poderá ser usado por setores neoconservadores norte-americanos, para postular que os EUA segue sendo a única superpotência sem rival algum e com uma missão internacional muito clara.

Bloco dividido

Também alentará a direita nacionalista e a esquerda socialista. No Reino Unido, este último setor demonstrou particular força nas últimas eleições européias (onde um quinto dos eleitores votaram em partidos antiimigrantes como UKIP e o neofascista BNP e onde os tories, com um discurso antieuro, tiveram um bom resultado).

Os referendos evidênciam a divisão de tão heterogêneo bloco que é a UE. Os resultados franco-holandeses poderiam levar a afundar dois níveis do que há dentro da UE. Na atualidade há um coração que aceita o euro e uma periferia que mantém sua moeda nacional. O que estes referendos poderiam produzir é que se desenvolva uma euro-zona mais coesa em torno do eixo franco-alemão do que a possibilidade de uma chancelaria e de forças armadas conjuntas. Assim, se prevê uma política exterior mais distante dos EUA e uma proteção de determinados benefícios sociais, enquanto se mantenha um segundo nível de membros 'novos¹ e ‘periféricos’ com uma agenda econômica mais liberal e um grau de maior aproximação diplomático para Bush.

Conseqüências do Não francês e holandês

A União Européia encontra-se em sua pior crise desde que, há 48 anos, iniciou seu embrião (Roma, 1957). Antes, Suécia, Irlanda e Dinamarca votaram não no plebiscito sobre questões européias. Porém, são países pouco povoados que podem ser obrigados a retratar-se convocando outras eleições.

Entretanto, hoje, o voto contra a constituição européia e a forte oposição veio de França, uma das potências do continente. O Não de Holanda e França equivale ao veto de dois dos seis fundadores da UE. O avanço da Europa frente a um novo supra-estado foi retido. O euro está em queda. A União Européia não seguirá se consolidando ou sendo ampliada por um bom tempo. Golpeou-se a concordância entre os governos de centro-esquerda e centro-direita.

Foi incentivado aos ultranacionalistas e à esquerda que comece a retomar discursos socialistas. Poderia fazer com que o núcleo central adote um nível de acordos que o diferencie do resto da UE.

Prof. Dr. Isaac BIGIO www.bigio.org

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