O papel da universidade na construção do mundo da lusofonia

O papel da universidade na construção do mundo da lusofonia

“Gosto de sentir a minha língua roçar A língua de Luís de Camões...”.

Caetano Veloso

Resumo:

Neste artigo, pretendemos apresentar algumas possibilidades da participação brasileira, mais especificamente da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, na construção do mundo da lusofonia que pode fazer da Língua Portuguesa um instrumento de afastamento da pobreza.

Em seguida, apresentaremos a universidade, neste caso a Universidade de São Paulo, como instância privilegiada para promover a valorização da nossa Língua na tentativa de dimensionar as possibilidades de colaboração do Brasil com os demais PALOPs. Neste sentido, as contribuições do educador brasileiro Paulo Freire acerca do processo de alfabetização, em território nacional ou em África, serão discutidas com a finalidade de valorizar e reforçar o papel importante que pode assumir hoje a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa no âmbito mundial.

Sabemos que antes do período das “Grandes Navegações Portuguesas”, em torno de três milhões de pessoas utilizavam à língua de Camões. Passados mais de 500 anos, de acordo com dados da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), o português é a sexta língua materna mais falada no mundo dentre as quase sete mil línguas vivas no mundo. Segundo a instituição, o português está atrás do mandarim, hindi, espanhol, inglês e bengali. Estima-se que no ano 2000, em torno de 176 milhões de pessoas no mundo falavam em Língua Portuguesa. Vale ressaltar que o Português é língua oficial de oito países - Portugal, Brasil, Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste. Assim, o Português encontra-se presente em quatro continentes: América, Oceania, Ásia, África e Europa.

Estudos demonstram o franco progresso do número de falantes lusófonos, sobretudo devido ao fato de que antigas ex-colônias de Portugal adotaram depois da independência a Língua Portuguesa como de língua oficial.

Apesar deste crescimento indiscutível, ele não significa que o “mundo lusófono” está constituído, pronto e acabado. Há que se lembrar, dentre outros, dos seguintes dados:

Em Angola, o Português é a língua oficial. Porém, ao lado desta outras línguas existem: umbundu, kimbundu, kikongo, tchokwe kwanyama e mbunda.

Já em Cabo Verde, coexistem com a mesma força: o Português, como língua oficial, e o Crioulo, como língua nacional.

Em Guiné-Bissau, verifica-se uma variedade de dialetos regionais além do Crioulo e da Língua Portuguesa como oficiais. Acrescenta-se a esta situação, uma taxa de alfabetização inferior a 30%.

Com relação a Moçambique, a situação não é muito diferente. Quase 60% dos adultos são analfabetos. A Língua Portuguesa é a oficial, o Inglês é bastante falado e, ainda, coexistem 30 línguas Bantas.

Em São Tomé e Príncipe, mais uma vez, temos o Português como língua oficial.

No mais novo país soberano desta comunidade, Timor-Leste, sabe-se que, aproximadamente, 60% de pessoas encontram-se em situação de pouco ou nenhum domínio da língua escrita, seja o Português e ou o Tétum. Porém, além destas duas línguas consideradas oficiais, tem-se que: Aproximadamente, 24%, 200.000 pessoas falam Tétum; em torno de, 180.000, Mambae; perto de 13%, 110.000 pessoas, Macassae; o Bunak é falado por, aproximadamente 7% da população; 5,4%, o Baequeno; 5,4%, Kemak; já o Fatalucu é falado por 4,5% da população e ainda, tem-se o Isni que é a língua de 290 pessoas.

Finalmente, o Brasil, com seus, aproximadamente, 180 milhões habitantes, tem a Língua Portuguesa como oficial e veicular, apesar da existência de, pelo menos, 180 línguas indígenas.

Tendo em vista esta situação, consideramos que há muito trabalho a ser realizado para a construção e solidificação do mundo lusófono.

Uma das instituições sociais que pode contribuir para com este processo, do nosso ponto de vista, é a universidade, pois esta pode promover o intercâmbio entre estes diversos países no plano social e educacional.

No caso deste artigo, destacamos a Universidade de São Paulo (USP), mais especificamente da Faculdade de Educação (FEUSP). A USP, criada em 1934, é a maior instituição de ensino superior e de pesquisa do Brasil. É a terceira da América Latina e está classificada entre as primeiras cem organizações similares dentre as cerca de seis mil existentes no mundo. Ofereceu, de acordo com o anuário estatístico de 1999, cerca de 617 cursos, sendo 130 de graduação, freqüentados por cerca de 40.000 estudantes, e 487 de pós-graduação, dos quais 257 de mestrado e 230 de doutorado. Forma anualmente na graduação uma média de 4.600 estudantes. Em recursos humanos, a comunidade uspiana é constituída por 4.705 professores e 14.659 funcionários.

Neste cenário, em 1933, foi instalado o Instituto de Educação Estadual que logo foi incorporado à USP. Em 1938, o mesmo foi transformado na Seção de Pedagogia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da mesma Universidade e com a Reforma Universitária dos anos 60, a FEUSP passou a funcionar efetivamente como tal a partir de 1º de janeiro de 1970.

Hoje esta Faculdade apresenta diferentes projetos no âmbito da formação de: docentes dos diferentes níveis de ensino e áreas; coordenadores, diretores e supervisores de ensino, além, de pesquisadores com relevado destaque nacional e internacional.

Um dos teóricos mais importantes da sociedade brasileira, Paulo Freire, é um dos pilares do debate acadêmico nesta instituição cujo Centro Acadêmico tem o seu nome. Especialmente, no âmbito deste artigo, não poderíamos deixar de recorrer ao Mestre, pois ele preocupou-se especialmente com a questão do domínio da leitura e da escrita da Língua Portuguesa pela população brasileira e de vários países lusófonos. E assim, devido à relevância de sua obra, os 30 anos que separam suas considerações sobre África dos dias de hoje, não diminuem a validade da mesma.

Como já havia experimentado no Brasil e em outros países, em seu trabalho educacional no território africano, Freire aboliu o formato convencional das salas de aula e, em círculos, realizava junto com seus alunos conversas, grupos de estudo, conferências, grupos de ação, fóruns, dentre outras atividades que tinham como base o diálogo. Partia das palavras usadas por seus educandos (universo vocabular) e assim podia definir os temas geradores que seriam o motivo do encontro cultural, com a língua e com a realidade. Neste sentido, a riqueza da língua portuguesa – em seus aspectos fonêmicos e fonéticos – era estudada, aliados ao teor pragmático das palavras frente à realidade dos sujeitos envolvidos no processo de alfabetização.

Na obra escrita com Guimarães, “A África Ensinando a Gente”, Freire faz algumas colocações extremamente claras e humildes acerca das dificuldades e obstáculos que encontrou no momento de colaborar com os países, ex-colônias portuguesas, africanos.

Com relação a Angola, uma questão ainda é colocada, especialmente, porque o Crioulo não se constituiu como língua nacional: Como a Língua Portuguesa pode constituir-se, de fato, como língua oficial? Ao questionar-se sobre Guiné-Bissau, Freire discute: Qual o papel a ser ocupado pelo Crioulo neste país que, apesar de ser língua nacional, não é considerado oficial? Ou ainda, poderia o Crioulo ser o elo entre ligação entre as diferentes etnias neste país?

Em suma, preocupamo-nos com a construção do mundo lusófono do ponto de vista do domínio da leitura e escrita da Língua Portuguesa e assim discutimos: como a universidade hoje pode contribuir neste sentido e continuar o legado de Paulo Freire?

Neste sentido, a contribuição que podemos oferecer no âmbito do ensino, da pesquisa e da extensão referentes ao processo de alfabetização em Língua Portuguesa diz respeito ao estudo sistemático de questões acerca da colonização portuguesa e da formação da identidade pessoal, de grupo e nacional nestes países lusófonos visando à promoção do debate na Universidade sobre o mundo lusófono. Neste sentido, privilegiamos a formação de profissionais (docentes e pesquisadores) da área de educação, no Brasil ou em outros países de língua oficial portuguesa, a respeito de uma proposta viável de alfabetização para crianças, jovens e adultos dos países lusófonos.

De acordo com o trabalho que temos realizado (ver sítio: www.projetoacolhendo.ubbi.com.br), e em total concordância com Paulo Freire, sugerimos que a diversidade lingüística seja tema de debate em sala de aula de alfabetização; que a “oralidade” tenha papel privilegiado nas escolas; que as parábolas, ditados populares, fábulas e outros gêneros “mágicos” pertinentes às especificidades de diferentes culturas orais não sejam desprezados e, finalmente, que a técnica epistolar possa ser um motivo, se assim o processo indicar, para a alfabetização em Língua Portuguesa. Só assim, inclusive e sobremaneira com o uso das novas tecnologias da informação, pessoas de diferentes partes do mundo poderão se comunicar e em colaboração solidificar o mundo da lusofonia, fazendo da língua de Camões um instrumento de luta contra a pobreza que ainda pertence ao cenário destes nossos países.

Autora: Nilce da Silva – Professora Doutora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. Contato: [email protected]

Subscrever Pravda Telegram channel, Facebook, Twitter

Author`s name Pravda.Ru Jornal
X