Bloco de Esquerda: Declaração Política

Senhor Presidente,

Senhoras Deputadas e Senhores Deputados,

Não, não foi apenas um castigo à coligação de governo. Não, não foi apenas um aviso. Não, não foi apenas uma mensagem que alguém surdamente diz ter ouvido. Foi muito mais do que isso. Foi uma moção de censura popular. Foi o maior fracasso eleitoral de sempre dos partidos de direita e extrema-direita.

A dimensão da derrota abana a coligação de direita até aos alicerces.

É completamente vã a tentativa de desvalorizar os resultados das eleições europeias.

É autismo tentar apresentar que é quase “normal” que os governos sejam castigados a meio do mandato. Sobretudo, é uma provocação gratuita às pessoas que reagiram ao desemprego, à precariedade, à degradação dos serviços públicos, à desvalorização do trabalho, à insensibilidade social, ao apoio às guerras de Bush.

É um truque cheio de insensatez o governo PSD/CDS esconder-se atrás da generalidade dos governos europeus que foram penalizados nas eleições para o parlamento europeu. Não só porque o governo português é dos mais castigados mas porque não se pode iludir o essencial: quem foi às urnas castigou o Pacto de Estabilidade e Crescimento, o famigerado PEC, a ortodoxia monetarista do BCE, a política económica restritiva na UE, no grupo do euro e fora dele.

É totalmente absurda a teoria do que é bom é impopular. Há nisso uma deriva autoritária que esvazia a democracia. Os povos, o nosso também, sabem fazer sacrifícios. Não aceitam é sacrifícios desnecessários, sacrifícios só para os sacrificados de sempre, aumento das desigualdades, desrespeito pelos mínimos da dignidade, hipocrisia nas políticas sociais, hipocrisia sobre o aborto, e as políticas de família, irresponsabilidade e temeridade na esfera internacional. Estes sacrifícios não aceitam, muito menos em nome do défice arbitrário, das privatizações, da eliminação persistente das funções sociais do Estado.

E ainda há quem venha dizer que dentro em pouco todos sentirão a retoma. Retoma para quem, para quantos? Quem compensa o empobrecimento?

O cálculo de pobres não faz parte da econometria, de nenhum modelo estudável por este governo. Nem tão pouco a incompetência no único cronómetro para o desenvolvimento: a educação.

É o Estado e o papel do Estado o centro das escolhas políticas. As curvas dos ciclos expõem mercado. A sociedade porém não pode ser uma sociedade de mercado. A democracia evoluiu do sufrágio universal e da garantia das liberdades para os direitos sociais. A democracia do quotidiano. Admiram-se que aumente a abstenção? Enxergue-se que aumentou a desprotecção das pessoas, o abandono da população. Vejam a fome que é uma estatística anónima, vejam os fogos pelas serras que são uma tragédia nominada.

Admiram-se da abstenção em eleições, e particularmente nas europeias?

O que é que pôde o povo português escolher acerca da Europa? Já não falando do refinado crime político de prometer referendos sobre os Tratados Europeus e nunca os fazer! O senhor Presidente da República terá aí aturada matéria de reflexão política para os seus apelos eleitorais. Há muitos concidadãos que encolhem os ombros a esses apelos. Serão todos relapsos à participação?

Podem muitos dos governantes europeus desculpar-se porque na América do Tio Sam ainda votem menos? O estado neo-liberal se não pode accionarizar os eleitos, selecciona-os, pratica uma selecção adversa. Mas é a desistência da cidadania.

Bem pode o governo insistir que tem legitimidade institucional para a sua continuidade. Mas é bom que se perceba: perdeu a maioria social. Só pode esperar mais resistência social. Do ponto de vista político voltámos ao pântano. O argumento do défice passado, até pelas circunstâncias trágicas em que terminou a campanha eleitoral, é hoje um argumento desresponsabilizado e posto em clausura. Um governo que não se remodela, remodelado está. Nas políticas e nos actores. Uma coligação que não justifica só se auto-justifica. Uma coligação destas não faz ziguezagues porque simplesmente é imóvel. Entrámos no tempo perdido. Aos olhos públicos é o exercício do poder pelo poder. A super-cola dos lugares.

O Bloco de Esquerda, com reforçada confiança, bate-se por escolhas claras, e para por termo ao pântano. O combate cívico dentro e fora do parlamento, de uma e de todas as oposições tem legitimidade acrescida e crescente.

Senhor Presidente

Senhoras Deputadas, Senhores Deputados

Agradecemos às eleitoras e aos eleitores o sinal que nos deram. Poucas semanas antes das eleições, o Primeiro-ministro, com aquele seu ar de juiz de fora que o caracteriza, acusou o Bloco de marginalidade política. Ao invés, a sociedade atribui-nos mais responsabilidade. Aí está a resposta. Para o Primeiro-ministro, e todos os que pensam como ele, desiludam-se, somos o que somos e na medida que o ser é a nossa circunstância, iguais por fora, iguais por dentro. Não nos põem de lado. Coerência cada um apresenta a sua. A nós não nos move o tacticismo do poder mas a mudança. Não é arrogância não gostar de políticas que andam entre o pathos e o patê. É simplesmente exigência. O governo, e outros que pensam como ele podem abençoar-nos com todo o tipo de qualificativos. A verdade, a terrível verdade, e estas eleições bem o demonstraram, é que nem todos os nomes querem dizer coisas mas ainda há coisas que nós poderemos nomear como esperança.

Luis FAZENDA

Assembleia da República, 17 de Junho de 2004

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