O m(in)istério da falta de autoridade do Estado

Recuo em forma de avanço é a formação mais desordenada que se pode imaginar.

Quase triplica o orçamento rectificado com que o ministério da administração interna recua perante o descontentamento generalizado das polícias. O que poderia ser uma medida de bom senso, face ao desnorte do governo anterior nesta área e às evidências do desleixo no investimento que dignificasse a profissão e os profissionais, enquanto servidores da segurança dos cidadãos e já não caceteiros ao serviço do governo, emerge como o seu oposto: mais um sinal da falta de autoridade do Estado.

Depois de cem dias em que praticamente o experimentado ministro não acertou uma, estava a precisar de se redimir. Depois de agressivas manifestações de descontentamento dos polícias que se lhe dirigiram pessoalmente, como não entender o anúncio do prémio orçamental como um recuo? Daí não virá mal ao mundo, quando um ministro dá a mão à palmatória e reconhece o fundo dos argumentos dos polícias, mesmo quando a forma não pode ser reconhecida – e não o foi.

A questão, porém, é que ninguém pode ignorar como a inventona de "arrastão" na praia Carcavelos poderá ter servido para convencer o governo a ceder na austeridade para auxiliar o seu ministro, praticamente náufrago dos seus próprios subordinados. E cabe ao governo e ao ministro esclarecer tim-tim por tim-tim uma versão dos eventos que não comprometa a autoridade do Estado.

Os factos são que a polícia, a propósito do dia 10 de Junho em Carcavelos, emitiu duas posições: uma primeira, antes dos acontecimentos ou praticamente ao mesmo tempo que eles ocorriam, em que reconhecia estar-se em presença de um método de ataque aos banhistas – o brasileiro "arrastão" – perpetrado por 500 pessoas. Outra posição, mais tarde e perante o alarme social gerado, foi a de não reconhecer qualquer organização ou método específico, nem sequer roubos ou violência no areal, a não ser a que a própria polícia desenvolveu e espalhou.

Estando nós a falar da mesma organização policial, e tendo em conta a repercussões mediáticas e políticas do que se seguiram – em particular o próprio anúncio de um aumento significativo do orçamento das forças policiais – é indispensável que os portugueses saibam quem foi (e é) responsável pela produção de uma e de outra das posições contraditórias que vieram a público. Se isso não for cabalmente esclarecido, politicamente a responsabilidade deverá ser assacada ao titular da pasta da administração interna, o mesmo que anunciou o acréscimo de orçamento que anteriormente não estava previsto e que, nesse caso, seria, politicamente, um infractor beneficiado. Quiçá, o organizador da chantagem política contra o seu próprio governo.

A autoridade do Estado está em crise. Não tanto porque os ataques que lhe são desferidos do exterior sejam fortes, ou porque a reacção penal seja pouco intimidatória. Mas antes por responsabilidade dos próprios agentes mais qualificados do Estado: os tribunais que demoram eternidades para tomarem decisões, necessariamente injustas nessas condições; os ministros que desprezam visceralmente os servidores do Estado mas lhes admitem golpes baixos e pressões ilegítimas, desde que elas sejam eficazes para os tolher pessoalmente nos seus lugares; políticas que dependem de conjunturas conspirativas, quando Portugal precisa de uma visão de futuro.

Apesar de compreender que devem existir fortes necessidades de investimento nas polícias, não compreendo que esses investimentos sejam feitos contra vontade do governo para salvar um ministro em dificuldades face ao ímpeto político de acontecimentos mediáticos mais ou menos maquiavélicos. Se um ministro, como parece ser o caso, não é capaz de fazer respeitar a autoridade do Estado, ainda por cima no sector da segurança – cujo objecto primordial é a própria segurança – não será atirando dinheiro aos problemas que Portugal os vê resolvidos. Ainda que desse modo o ministro possa escapar desta situação politicamente complicada.

É, pois, o pior sinal de recuo que poderíamos esperar por parte do governo, na altura em que se discute precisamente sobre a sua capacidade para resistir na defesa do programa de governação.

António Pedro Dores

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